Por Gonçalo Duarte Gomes Ao Algarve colocam-se sistematicamente dois cenários, sempre que se trata da discussão de projectos ou planos danosos para os interesses da região: ou aceita os presentes envenenados que venham aos trambolhões País abaixo, ou alcança vitórias pírricas. Quer isto dizer que, dê lá por onde der, acabamos sempre como o mexilhão: na chapa (é mais algarvio do que lixados). Se somos papados e obrigados ao sempre excruciante exercício de deglutição de sapos, somos prejudicados. Se fazemos prevalecer a determinação regional... somos igualmente prejudicados, porque nunca nos é oferecida qualquer alternativa à má iniciativa que cai. A recente notícia de cancelamento do contrato de prospecção e exploração de hidrocarbonetos no Algarve entre o Estado Português e a Portfuel, a par do desencadear do processo de resolução do contrato com o consórcio Repsol/Partex, é, apesar da alegria e alívio que tal decisão nos traz, um destes casos. Antes de mais – e nada ensombrará este facto – esta é, sem sombra de dúvida, uma vitória da cidadania. Foi graças à agitação das mentes e das vozes da região que o poder político se sentiu pressionado a agir, inicialmente a nível regional, e agora nacional. À cabeça da lista das congratulações a endereçar, estão todas as pessoas e movimentos que compõem a Plataforma Algarve Livre de Petróleo (PALP). Foi o seu incansável trabalho de prospecção e transmissão de informação e de despertar de consciências que inspirou o surgimento, um pouco por todo o Algarve, de focos de resistência. É no entanto preocupante que a queda deste assunto se tenha devido a aspectos burocráticos e não a uma inequívoca afirmação política por parte do Governo ou da Assembleia da República, no sentido de recusar taxativamente qualquer modelo energético e económico assente na exploração de hidrocarbonetos, não apenas para o Algarve, mas para todo o País – sim, porque agora que estamos a caminho da tranquilidade, é tempo de demonstrar às restantes regiões ameaçadas por esta iniciativa a solidariedade que por norma nos negam, emprestando-lhes a nossa experiência. É portanto uma vitória de secretaria, quando deveria ter sido um derrube por KO ou uma goleada. Tal tomada de posição seria apenas lógica, principalmente na sequência das declarações de António Costa no âmbito da participação na 22ª sessão (COP 22) da Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas em Marraquexe, onde falou (e muito bem) de uma descarbonização total da economia nacional até 2050, de revisão do Roteiro Nacional de Baixo Carbono, de compromisso para com uma mudança de paradigma global e de aposta total nas fontes renováveis de energia. Ou será que os incensos que se queimam ali para os lados de Marrocos, que é sabido facilitarem o riso e causarem algumas alucinações, pregaram, com os seus vapores, uma partida ao nosso Primeiro, levando-o a dizer o que não queria? Nas actuais circunstâncias, é apenas legítimo temer que, enquanto o contrato vai e vem, folgam as serras (as costas, não literais mas litorais, terão ainda que aguardar)... mas apenas até surgir alguém mais dado ao cumprimento da lei e das formalidades do que o nosso cervejeiro vicentino. De qualquer forma, é aqui que a nossa batalha começa a geminar com a de Ásculo, porque gorada a possibilidade de exploração dos hidrocarbonetos, não parece haver qualquer outra ideia no domínio energético por parte do Governo, um pouco à moda do "connosco ou contra nós". Grande parte desta sensação resulta, justamente, da referida ausência de uma posição politicamente inequívoca. De outra forma, a acompanhar um retrocesso nas opções fósseis teríamos tido, em simultâneo, uma intenção de apostar fortemente nas fontes renováveis de que a região amplamente dispõe. Caramba, se a Câmara Municipal de Lisboa teve direito à oferta limpinha (chave na mão e tudo!) de uma empresa pública de transportes, paga com o dinheiro de todos nós – e da qual continuaremos todos a pagar as históricas dívidas, que ficaram a cargo do Estado, roendo os ossos, enquanto a capital do reino se delicia com a chicha – não se arranja uma prenda parecida para o sapatinho algarvio, em quadra natalícia? Nós contentamo-nos com pouco, estilo acabar as enguiçadas obras da EN125, devolverem-nos a Via do Infante, ou um novo hospital ou coisa assim, que seguramente sai mais barato… e faz ainda mais falta! É certo que o contrato da Portfuel ainda nem sequer arrefeceu, mas não será inteiramente despropositado que nos preocupemos já com a ressaca deste embate, até porque começa agora outro problema (ou desafio), que é o de dar continuidade à união, mas para reivindicação. Enquanto o "inimigo" é comum, é fácil cerrar fileiras e manter a formatura. Sendo necessário sentarmo-nos à mesa para discutir o que queremos afinal, corremos o risco de cair na atávica incapacidade algarvia de entendimento a uma só voz. Desde logo porque as motivações eram diversas nesta oposição. Havia quem negasse a possibilidade dos hidrocarbonetos por uma questão de paradigma energético, quem se afligisse por temer pela segurança e qualidade de vida dos indígenas, quem se incomodasse porque as contrapartidas financeiras não davam nem para o sabão, quem temesse pela menina dos olhos dos turistas e por todas as camas que deixaríamos de fazer e relvados que deixaríamos de aparar (este episódio foi um – mais um – alerta para os perigos da monocultura económica em torno de algo tão volátil como o turismo)... enfim, havia de tudo. Há até os que ficaram desolados pelo facto de não se mapearem os recursos, que é algo fundamental para o País. A esses quero dar o conforto que vem desta ideia: se fosse realmente um conhecimento de importância estratégica para Portugal, o Estado já teria assumido tal tarefa, e não se deixaria ficar à espera de privados desprovidos da necessária idoneidade e isenção, numa postura, além do mais, parasitária. Como em tudo na vida, quem quer faz, quem não quer pede. Certo, certo, é que, como José Régio no seu Cântico Negro, não queríamos ir por ali, como nos diziam alguns, com seus petrolíferos e gaseificados olhos doces, estendendo-nos os traiçoeiros braços, e seguros de que seria bom que os ouvíssemos. Conclui esse magistral poema com estes versos: Não sei por onde vou, Pois bem, é o momento de pensar para onde queremos afinal ir. E de o exigir. Porque se o Algarve serve para furar estilo queijo suíço, servirá também para outras coisas. Até porque nisto dos investimentos na região, não querer ficar com a fava, não quer dizer que não se goste de bolo-rei...
2 Comments
Caro Gonçalo Duarte Gomes,
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Gonçalo Duarte Gomes
19/12/2016 12:17:37
Caro Alexandre,
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