Por Andreia Fidalgo Na passada sexta-feira, o Gonçalo Duarte Gomes registou aqui, no Lugar ao Sul, as suas preocupações quanto ao uso totalmente desregrado da Ria Formosa e as consequências nefastas que as actividades recreativas desorganizadas poderão ter naquele que é um património de todos e que, por isso mesmo, deve ser preservado. Creio que verdadeiramente se deve entender aqui o conceito de património lato sensu: acima de tudo, o património como algo que herdamos e damos a herdar, o que pressupõe que tenhamos consciência histórica do que nos precedeu, mas também de que o futuro pertence às gerações vindouras; o património como um elemento identitário fundamental, através do qual se gera e mantém o sentimento de pertença de uma determinada comunidade a um determinado local, pelo que a sua preservação se deve assumir como prioritária; e o património na suas múltiplas vertentes, que vão desde o património ambiental, ao património cultural material e imaterial. A Ria Formosa, pela sua herança e pelas suas características únicas, dialoga com esta concepção mais abrangente de património. Em termos históricos, por exemplo, seria impossível compreender a lógica de ocupação do território do sotavento algarvio desde os tempos mais remotos sem considerar a presença da Ria Formosa, que, se por um lado possui uma riqueza natural que lhe permitiu a alimentação e a economia das populações ao longo do tempo, por outro lado, é um sistema lagunar com uma morfologia muito própria que constituía uma barreira de protecção estrategicamente aproveitada contra os perigos que do mar ameaçavam quem estava em terra. No entanto, quanto desse património que resulta da ocupação e exploração multissecular da Ria Formosa não estará já hoje esquecido e até negligenciado? Hoje decidi trazer aqui ao Lugar ao Sul um breve apontamento sobre a Fortaleza de São Lourenço, que actualmente, além de uns escassos vestígios in situ, quase apenas subsiste na memória da comunidade local. A história desta fortaleza remonta ao período da Guerra da Restauração. Durante a União Ibérica (1580-1640), a costa algarvia tinha ficado algo vulnerável e desprotegida no que respeita à sua defesa militar, pelo que após 1640, com a Restauração da Independência, se procura reforçar militarmente alguns pontos estratégicos de maior fragilidade. É neste contexto que em 1653 se inicia a construção desta fortificação, com o objectivo de vigiar e defender do corso e da pirataria a barra marítima que então dava acesso à cidade de Faro (Barra da Armona ou Barra Grande). É o Eng.º militar Pedro de Santa Colomba que sugere ao então Governador e Capitão Geral do Reino do Algarve que a fortaleza se construísse na ponta de uma elevação de areia, em plena Ria, perto da barra (a sul da ilha do Coco). Como tal, a sua estrutura e alicerces deveriam assentar numa grade de traves de madeira grossa e bem pregada, que seria preenchida com alvenaria miúda, sobre a qual se colocariam lajes a partir de onde arrancariam as paredes. Ademais, a fortaleza deveria compor-se de quatro baluartes. As obras avançaram, e em Abril de 1654 há notícia de que a edificação estaria prestes a receber artilharia num dos quatro baluartes já concluído. No entanto, em 1657 ainda não estaria totalmente edificada e não demoraria muito tempo a que se começassem a revelar os problemas estruturais de uma construção em areal tão instável e sujeita às intempéries e aos avanços das marés, num sistema dinâmico como o que caracteriza a Ria Formosa. Logo em 1661, o forte teria começado a ruir, o que conduziu a uma posterior reconstrução. Na realidade, toda a história do forte iria assentar nessa dinâmica constante e sucessiva de ruína e reconstrução, ao longo dos séculos XVII e XVIII. Em 1755, o terramoto de 1 de Novembro arrasou por completo a fortificação, mas novamente foi concedida autorização para a sua reconstrução. Nos finais dessa centúria, é interessante observar os desenhos que Baltazar de Azevedo Coutinho, Capitão do Real Corpo de Engenheiros, nos deixou da Fortaleza e sua localização, no Livro “Fortificações do Algarve”, de 1798. Por essa data, a fortaleza tinha planta quadrangular e compunha-se de aquartelamentos, de um paiol de pólvora, de uma capela e de uma bateria artilhada com três peças de ferro de calibre 18, e duas peças de bronze de calibre 6. O desenho da planta regista, ainda, as ruínas de anteriores edificações da fortificação. Em 1821, as fontes documentais dão conta do total estado de ruína desta fortificação, sendo então completamente abandonada e progressivamente engolida pelo mar. Actualmente, ainda dela restam alguns vestígios visíveis na baixa-mar, nomeadamente três bocas de fogo de ferro, sendo que muitas das pedras da anterior edificação foram reaproveitadas pelos habitantes locais para delimitação de viveiros ou construção de habitações; mas acima de tudo, é interessante notar que a memória da Fortaleza de São Lourenço teima em persistir entre a comunidade local, nomeadamente entre os pescadores olhanenses e culatrenses que frequentemente se deslocam ao local para a apanha de polvos e que a ele se referem como “o Forte”.
A persistência da designação de “Forte” e também do topónimo “São Lourenço” na memória da comunidade local evidenciam a presença de uma herança patrimonial que ainda não está totalmente esquecida… Mas há que questionar o quanto dela verdadeiramente se conhece, e se efectivamente não estará deixada à sua sorte e abandono até que dela nada reste… Este é apenas um exemplo, entre muitos outros, da riqueza e diversidade patrimonial da Ria Formosa. Uma Ria que tem actualmente muito mais a oferecer, além das actividades recreativas prazerosas… Uma Ria que conta uma história multissecular, com alguns testemunhos bem visíveis, mas com muitos outros submersos nas suas águas cristalinas. NOTA: Os mais interessados poderão encontrar um estudo mais aprofundado sobre este tema na tese de mestrado em Arqueologia de autoria de Maria de Fátima Claudino, intitulada Forte de São Lourenço (Olhão): Arqueologia e História de uma Fortificação Moderna.
3 Comments
João
2/9/2020 15:06:24
Porque teria esse nome . Fortaleza de São Lourenço.
Reply
Nuno Soares
3/9/2020 10:54:42
Bom dia
Reply
4/9/2020 22:45:52
boa noite ,, adoro os artigos sobre a minha região e "pais"..será possivel informação sobre farovilas ,,"povoação onde é hoje a ponte da quinta do lago" e farropilhas ? obrigado
Reply
Leave a Reply. |
Visite-nos no
Categorias
All
Arquivo
October 2021
Parceiro
|