Por Andreia Fidalgo Em pesquisas recentes na Biblioteca Nacional Digital, deparei-me com um interessante exemplar cartográfico, intitulado Mappa Geografico do Reyno do Algarve, de autoria do Eng.º Baltazar de Azevedo Coutinho, e datado de 1791. Já passei os olhos neste mapa, noutras ocasiões, mas a verdade é que nunca o tinha analisado com a merecida atenção. É, a todos os níveis, uma peça cartográfica notável, quer pelo nível de informação que contém, quer pela sua beleza artística. Na senda do seu mestre Eng.º José Sande de Vasconcelos, Azevedo Coutinho deixou-nos um mapa que além de cumprir a sua função primordial de reconhecimento da região sob o ponto de vista da defesa militar, deixa também registada informação relevante sobre a organização e divisão administrativa do território e até sobre os recursos económicos aí existentes. Ora vejamos. No que respeita à organização administrativa do território – à qual já aludi anteriormente aqui no Lugar ao Sul –, o mapa é posterior às reformas pombalinas da década de 70 de Setecentos. Por alvará de 16 de Janeiro de 1773, o concelho de Alvor foi extinto e passou a integrar o concelho de Vila Nova de Portimão; o vasto e empobrecido concelho de Silves foi subdividido, dando origem a dois novos concelhos, o de Monchique e o de Lagoa; o lugar de Moncarapacho, dividido entre o termo de Tavira e o termo de Faro, passou a ficar inteiramente sob a jurisdição de Faro. Mais tarde, no Algarve oriental, seria fundada Vila Real de Santo António, oficialmente inaugurada a 13 de Maio de 1776, em cujo termo ficaria incorporado o entretanto extinto concelho de Cacela.
O mapa também reflecte a divisão do território por comarcas, que após a reforma administrativa pombalina se configuravam da seguinte forma: a comarca de Tavira, que incorporava os concelhos de Tavira, Loulé, Castro Marim e Vila Real de Santo António; a comarca Lagos, que contava os concelhos de Lagos, Albufeira, Portimão, Vila do Bispo e Aljezur; e a comarca de Faro, pertença da Casa da Rainha, constituída pelos concelhos de Faro, Silves e Lagoa. Quanto ao termo de Alcoutim, configurava uma excepção na realidade regional, pois à data encontrava-se incorporado na comarca de Beja. Posteriormente, a organização concelhia do Algarve viria ainda a sofrer duas grandes alterações dignas de referência, que lhe conferiram a configuração que actualmente lhe reconhecemos. Por alvará régio de 15 de Novembro de 1808, o lugar de Olhão foi elevado a vila de Olhão de Restauração, e por alvará de 20 de Abril de 1826 oficializou-se a criação do concelho de Olhão, determinando-se que o seu território deveria englobar as freguesias de Moncarapacho, Quelfes e Pechão, até então pertencentes ao concelho de Faro. Por outro lado, já durante a Primeira República, em 1914, o concelho de Faro ainda veria o seu território ficar mais diminuído com a criação do concelho de São Brás de Alportel, que subtraiu ao concelho a freguesia com essa designação. A criação dos concelhos de Olhão e de São Brás de Alportel diminuiu substancialmente o território do concelho de Faro, que já de si era bem menor do que outros concelhos algarvios, como Tavira, Loulé ou Lagos. Talvez seja caso para indagar se estes “golpes” não terão contribuído também, aliados a outros factores, para a incapacidade de Faro se afirmar, mesmo na actualidade, no desempenho do seu papel enquanto capital de distrito. No que respeita aos recursos económicos da região, este mapa regista as principais produções, por concelho e respectiva comarca. Relembra o figo, a amêndoa e a alfarroba com uma produção generalizada a quase todos os concelhos algarvios, oscilando entre a mais intensa ou mais moderada; relembra a excepcionalidade de Monchique, capaz de produzir “toda a qualidade de frutas”, a que acrescem a madeira de castanho, as castanhas e o mel; relembra que a produção de vinho era bastante comum em concelhos como Faro, Albufeira, Lagoa, Portimão, Lagos e Silves; relembra, igualmente, a vocação de algumas localidades na produção de peixe seco e salgado, nomeadamente Vila Real de Santo António, criada especificamente para esse efeito. Outro pormenor interessante é o facto de este mapa registar, ao longo do desenho da costa, a localização das armações de atum. São sete, as que aparecem registadas: Beliche, Almádena, Torralta, Torraltinha, Faro, Fuzeta e Tavira. Algumas décadas antes, o terramoto de 1 de Novembro de 1755 havia contribuído para a destruição substancial das almadravas algarvias, posteriormente revitalizadas com as reformas pombalinas, através da criação, por alvará de 16 de Janeiro de 1773, da Companhia Geral das Reais Pescarias do Reino do Algarve. Esta foi a última das companhias monopolistas pombalinas a ser instituída, e garantia o controlo e intervenção do Estado sobre o atum e a corvina, reservando às restantes espécies o comércio livre. O mapa apresenta outros mais detalhes por explorar, nomeadamente a nível da toponímia, da orografia e até dos eixos viários terrestres que ligavam (com muita dificuldade), o Reino do Algarve a Lisboa. Deixo aqui o meu convite, ao leitor, para explorar e analisar este belo exemplar cartográfico, que configura um testemunho de muito valor para a compreensão da história regional.
2 Comments
Fernanda Gonçalves
19/8/2020 14:24:56
Gostaria de analisar o mapa, mas o link não permite. O acesso é reservado? Obrigada!
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Andreia Fidalgo
19/8/2020 15:40:56
Boa tarde, Fernanda. Este mapa está disponibilizado ao público na BNP Digital. Acho estranho o link não permitir o acesso, pode eventualmente ser uma indisponibilidade temporária do site. O registo do mapa aparece neste endereço: https://purl.pt/29070. O mapa pode ser visualizado neste outro endereço: https://purl.pt/29070/2/
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