Por Fernando Santos Pessoa O Lugar ao Sul é ponto de encontro, mas também de partilha. Nele cabem, mais do que as nossas 6 vozes escritas, outras que comunguem a defesa e promoção do Algarve enquanto região viva, dinâmica, pensante e, acima de tudo, presente. Por isso mesmo, têm agora lugar outras ideias, de pessoas que aceitaram o convite para partilharem reflexões em torno desta nossa região. O Sul é sempre o Sul de qualquer coisa, o “nosso Sul” fica a Sul seja do que for. O nosso Sul pode ser toda esta pequena faixa de terra, rectangular, que parece o Portugal deitado, mesmo no Sul do velho jardim à beira-mar plantado... Mas se Portugal está no Sul da Europa, a Noruega pode dizer que está a Sul do Circulo Polar Árctico; e todos os homens de todos os continentes têm todos o outro Pólo a Sul.
Quem está em Aveiro pode dizer que vive a Sul do Douro; os de Leiria podem dizer que estão a Sul do Mondego; Coruche está a Sul do Tejo. Para os portugueses, em geral, o Sul foi sempre mais longe e o grande mágico das palavras e dos enigmas, o Fernando Pessoa, atirava num dos seus delírios conscientes e poéticos “…outra folha de mim lança-a para o Sul / onde estão os mares que os navegadores abriram”. Este é o Sul das nossas divagações ancestrais – a terra dos espanhóis empurrava-nos. Porém no nosso limite europeu, nós (e “nós somos nós e as nossas circunstâncias”) somos Sul, aquele Sul criador de civilizações, posicionando-nos em relação a esse Norte que com dificuldade o reconhece e tenta ignorar. Mas foi no Sul, no Mediterrâneo, que a Grécia desenvolveu as primeiras ideias ocidentais de democracia e de civilização, que depois se estenderam em todas as direcções, para Norte … Séculos depois outro lugar ao Sul, sempre no Sul da Europa, e que foi Roma, aprofundou os cânones da civilização que recebera e “atirou-os” para toda a Europa, a Norte, onde os bárbaros continuavam ainda nas suas vivências barbáricas... Mais tarde, quando em plena Idade Média os europeus ainda andavam mergulhados no obscurantismo das trevas religiosas e no que restava das feitiçarias das tradições dos povos das tundras gélidas, foi do Sul que se fez a luz do Renascimento, luz que se espalhou por todos os outros europeus, dando ao espírito humano a primazia sobre as demais preocupações e abrindo aquela janela de espanto de que afinal a Terra se movia e já não era o centro do Universo. Uma coisa tão pequena – mas que consequências teria!! No seguimento da renascença da civilização europeia foi de novo do Sul da Europa, foi daqui deste “nosso Sul”, desta nesga de terra com pouco mais de um milhão de rurais e pescadores mas com uma elite de iluminados cujo nível era muito superior à das elites dos grandes países europeus, foi daqui que se abriram as portas do mundo, escancarando os grandes mares e os grandes continentes, por cima dos Adamastores e das melífluas sereias, e provando que a Terra era mesmo redonda e se movia. Começavam a ruir efectivamente os velhos cânones. O Sul esteve sempre na origem das grandes mudanças culturais europeias, dos primeiros grandes avanços, até que os “bárbaros” do Norte tomaram em suas mãos as rédeas e forjaram novas regras que hoje nos impõem, mesmo a contragosto... Ainda foi noutro país que também tem muito de Sul, a França, que nasceu o Estado Moderno, livre das peias dos absolutismos, depois do parto difícil que foi a Revolução do séc. XVIII. E pense-se nisto, a grande ironia do Planeta, foi ao Sul que surgiu o Homem…: por muito que custe aos paladinos da supremacia branca, foi mesmo ao Sul, nas terras de negros, nas jazidas do coração da África, que o Homo se tornou um género individualizado dos Hominídeos, e daí em diante terá sido traçado o destino destes seres bípedes e falantes, e conscientes, que até já pensam em navegar entre as estrelas e os cometas que antigamente os Homo olhavam sem entenderem... Por isso está certo, nós – aqui – estamos a Sul de todos os portugueses, estamos num Lugar ao Sul.
1 Comentário
Elisabete Rodrigues
12/12/2016 19:05:30
Excelente crónica do arq. Fernando Santos Pessoa, que até cita o "outro" Fernando Pessoa. Gostei muito da sua "divagação" sobre este nosso Sul, que tanto tem dado ao mundo e tanto tem sido, ultimamente, desprezado.
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