Por Luís Coelho A teoria microeconómica clássica sugere que os indivíduos têm por objectivo maximizar a sua utilidade. Infelizmente, como tudo na vida, tal exercício está refém de um conjunto de restrições que impedem que saciemos a totalidade das nossas necessidades ao mesmo tempo e de uma só vez. No problema clássico da microeconomia, estas restrições assumem um cariz monetário pelo que os indivíduos são convidados a escolher o cabaz de consumo (e poupança) que melhor satisfaz as suas necessidades dados os recursos financeiros que têm à sua disposição. Desta forma, o paradigma clássico da microeconomia enfatiza a importância de cada um de nós dispor de mais recursos financeiros: sempre que estes aumentam relaxa-se a restrição monetária e, concomitantemente, aumenta-se a possibilidade de alcançar níveis de utilidade superiores. Há várias formas de obter recursos monetários. No entanto, uma larga maioria da população mundial depende da sua capacidade para trabalhar para gerar o rendimento que alimenta a sua restrição monetária. É pois interessante verificar o que nos dizem as estatísticas sobre a evolução do rendimento dos empregados na zona euro. Como sabemos, esta zona resulta de um acordo entre países europeus que, em 1998, estabeleceram um conjunto de critérios de convergência para a adoção de uma moeda comum. É assim que nasce a Zona Euro a 1 de Janeiro de 1999, composta inicialmente pelos seguintes países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos e Portugal. A Tabela 1 resume a remuneração dos empregados per capita em paridade do poder de compra nestes 11 países fundadores em 2000 (um ano após a criação da zona euro) e em 2018 (último ano para o qual há dados completos na Pordata): Importa referir que a remuneração dos empregados per capita em paridade do poder de compra é um agregado macroeconómico com alguma complexidade. De facto, este comporta o total das remunerações, em dinheiro ou em espécie, a pagar pelos empregadores aos empregados como retribuição pelo trabalho prestado por estes últimos num determinado período de referência (tipicamente um ano). Este valor é depois ajustado pelo poder de compra de cada país, eliminando-se assim o problema dos diferentes níveis de preços nas economias de interesse. Para se chegar ao indicado apresentado na Tabela 1 temos ainda que dividir o valor das remunerações já ajustado em termos de poder de compra pela população residente.
Como podemos observar, em média no ano 2000, o valor da remuneração dos empregados per capita em paridade do poder de compra na zona euro ascendia a 11 417,6 euros. Este passa para os 17 909,7 euros em 2018, o que corresponde a um aumento de 56.9% no período. Será importante notar que a Tabela 1 está organizada por ordem decrescente no ano de 2018. Tal dita que o Luxemburgo é o país que domina o ranking da remuneração (nesse ano e em 2000). São 39 403,4 euros ou, dito de outra forma, 220% da média da zona euro em 2018. É também nesse país que registamos a maior variação no período, a qual ascende a uns impressionantes 85,2% e que fica bem acima do verificado para o conjunto dos 11 países em análise. Dir-me-ão os leitores: o “Luxemburgo não é bem um país”. Concedo que é um ponto válido já que as estatísticas oficiais mostram que este país conta com cerca de 476 mil residentes (curiosamente, valor em linha com o que se regista no Algarve). Vejamos então a história da Bélgica, país com cerca de 10 milhões de residentes. Segundo a Tabela 1, a Bélgica tinha no ano 2000 uma remuneração dos empregados per capita em paridade do poder de compra que ascendia aos 11 574,3 euros. Em 2018 esta passou para os 17 508,0 euros, valor a que corresponde uma variação no período de 51,3%. Nada de particularmente especial se a referência for o Luxemburgo. Infelizmente para nós, a conclusão muda drasticamente quando a comparação é feita com o nosso País. De facto, Portugal ocupa a 11.ª posição no ranking estabelecido pela Tabela 1. Tal acontece no ano 2000 (7 549,1 euros) e em 2018 (10 379,6 euros), resultado que é tudo menos brilhante. Sendo honesto percebo o cenário do ano 2000. Portugal era por essa altura um País periférico, descapitalizado e a precisar de ajuda externa para se desenvolver. Debatia-se ainda com a necessidade de consolidar a sua jovem democracia e requeria tempo para corrigir os seus abundantes défices estruturais (em particular de infraestrutura e de formação dos seus activos). Já o resultado de 2018 é totalmente inaceitável. De facto, a única premissa que continua válida é que, em certa medida, continuamos a ser periféricos face ao coração da europa (já no que toca ao mundo podemos ser perfeitamente centrais; basta olhar para o mapa de forma diferente). Resta-nos pois uma única conclusão: volvidas que estão quase duas décadas de zona euro o País falhou rotundamente. Continuamos a ser o pior País da zona euro, não conseguindo fazer crescer a nossa remuneração dos empregados per capita em paridade do poder de compra de forma robusta. Mais, a Tabela 1 mostra que até divergimos nesta matéria pois se calcularmos o valor da nossa remuneração face à média da zona euro a 11 em 2000 chegamos a 66,1% e apenas 58,0% em 2018. É bem verdade que estou apenas a considerar uma única variável macroeconómica para chamar a atenção do leitor para o quanto este País tem de mudar. Na verdade, tal até é positivo pois se utilizarmos outros indicadores como os de produtividade, de contas públicas, carga fiscal e parafiscal ou de endividamento o cenário é ainda (bem) pior. Também não coloquei na análise os países que entraram na zona euro mais recentemente: Eslovénia, Chipre, Malta, Eslováquia, Estónia, Letónia e Lituânia. A razão é simples: não o quero deprimir mais. De facto, os dados disponíveis mostram que em 2018 apenas a Letónia (10 021,6 euros) e a Eslováquia (9 242,7 euros) estão atrás de nós no que toca à remuneração dos empregados per capita em paridade do poder de compra… Portugal está numa encruzilhada difícil. O sistema que temos não serve à generalidade dos Portugueses. Ponto final. Temos vindo e continuamos a criar um País sem futuro e que não tem muito para oferecer às gerações seguintes (a não ser baixos salários, precariedade e muitos impostos). Impõe-se uma mudança que não pode ser meramente cosmética e que terá, lamentavelmente, custos sociais. É por isso que precisamos - desesperadamente - de ideias novas, actores novos e de muita vontade para fazer diferente. Que 2021 seja pois o início da mudança que Portugal e os Portugueses merecem.
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