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Um algarvio entra na floresta para matar dragões

14/7/2017

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S. Jorge é quem tem a fama de ser matador de dragões.

No entanto, a concorrência acaba de chegar... e é algarvia!

Miguel Freitas é hoje empossado como Secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural.

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"São Jorge e o dragão" Rafael (c. 1506, Óleo sobre madeira)
Nome sobejamente conhecido na região, é-lhe reconhecido pelos pares (ao longo de todo o espectro partidário) pensamento e competência na matéria.

Curiosamente, mais ou menos em simultâneo com a divulgação do seu futuro cargo, era o convidado da Tertúlia Farense para discutir incêndios e a reforma da floresta, numa sessão intitulada “Haverá dragões na floresta portuguesa?”, em linha com o título de um artigo de opinião que o próprio escreveu para o jornal Público em Outubro do ano passado.

Miguel Freitas sabia de antemão que iria ser nomeado para este cargo, mas ainda assim manteve a sua participação num evento público subordinado a uma das temáticas mais sensíveis do momento – embora o Governo, no seu todo, continue a assobiar para o lado perante os 64 cadáveres deixados à passagem do incêndio de Pedrógão Grande – e que também vai tutelar. Num tempo em que os responsáveis ou candidatos a cargos de decisão política tantas vezes negam as verdades óbvias até que obviamente se tornem factuais, é refrescante esta atitude.

O desafio que o aguarda parece-me de monta.

Primeiramente, porque é delicado para qualquer docente que, como ele, bem ensinava os princípios do desenvolvimento rural integrado, ser posto à prova nas suas teorias.

Depois porque o grande “pacote legislativo” que foi pomposamente baptizado de “Reforma das Florestas”, e que será a sua grande tarefa, é, à excepção do Banco de Terras e do Fundo de Mobilização de Terras, uma mão cheia de nada.

Num texto intitulado “Algarve lumbersexual” (disponível aqui), dissertei sobre esse assunto. Parece-me oportuno recuperar (literalmente) aqui algumas ideias, em jeito de apelo ao futuro Secretário de Estado.

A matéria é extensa, e complexa, envolvendo o tal “pacote legislativo” (porque em Portugal a legislação mede-se ao peso, e assim, embrulhado, é mais fácil de pôr na balança). Toca em algumas questões estruturais, mas também tem muita cosmética.

Como em quase todas as “reformas” à portuguesa (por exemplo, está a ser delineada uma nova Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade a partir da total incapacidade de avaliação da anterior, na medida em que não se faz, nem quer fazer, puto ideia da realidade no terreno) fica sempre uma sensação de estranheza, porquanto não é claro o diagnóstico que origina a necessidade de reformar. Seria interessante a exposição inequívoca do que correu mal e também do que correu bem, de forma a melhor compreendermos o que gera o assinalável esforço que nova legislação implica para a sociedade – sim, porque cada papel que malfadadamente sai da Assembleia da República tem um impacto real na vida das pessoas, que não fazem outra coisa que não seja lamber papel cada vez que muda o Governo.

É basilarmente significativa a clivagem do ordenamento florestal em relação ao restante ordenamento territorial, permanecendo assim, legal e formalmente, desgarrado. Este absurdo isola a produção florestal das actividades económicas que dão continuidade à fileira ali originada, que são tuteladas por outros planos de ordenamento. Isola também o ordenamento florestal da sua inseparável componente conservacionista, também ela tutelada noutros instrumentos regulamentares.

No contexto das nossas paisagens, enquanto o modelo de ordenamento, gestão e exploração florestal não for baseado numa abordagem integrada que contemple a presença humana como agente dinamizador, num quadro de actividades diversificadas (uso múltiplo), incluindo protecção, indústria, agricultura, serviços, cultura, alicerçada fundamentalmente nas espécies autóctones (que devem conviver com povoamentos de exóticas, que abrem outros horizontes produtivos e dão garantias de receita a curto-médio prazo, mas nunca em regime extensivo) estaremos a persistir numa espécie de playback territorial: parece real, mas é falso. As clivagens sectoriais na abordagem ao ordenamento e gestão do território negam não apenas a lógica e a coerência, mas também a nossa identidade nos processos de construção das paisagens.

A este propósito, e no meio do considerável volume de papelada agora em causa, não seria boa ideia recuperar o efémero e defunto Código Florestal, corrigindo o que fosse necessário? Para quem não se lembre, o objectivo deste documento era, justamente, a compilação, articulação e compatibilização da variadíssima e fragmentada legislação vigente sobre o sector florestal. Foi revogado em 2012, no meio de grande confusão, após ter sido criado em 2009, tendo merecido inclusivamente a inglória atenção do então Provedor de Justiça. Simplificar não é connosco, o que é dramaticamente eloquente quanto à qualidade (ou falta dela) da regulamentação produzida.

Esta é uma confusão fatal, a de tomar regulamentação por gestão. Gerir é realizar, produzir, avaliar, corrigir, acrescentar, e não dissertar em perpétua invenção da roda.

Pelo meio há o tal sinal potencialmente promissor, e que se prende com a constituição do Banco de Terras e do Fundo de Mobilização de Terras que, entre outras medidas, pretende instituir mecanismos de redistribuição de terras expectantes e/ou abandonadas, disponibilizando-as a quem as queira trabalhar – pese embora aparentemente sem obrigatoriedade de emparcelamento, o que me parece inviabilizar muito a exploração. No fundo, uma Lei das Sesmarias adaptada, mas sem saber a quem entregar, se tem dimensão ou aptidão, se é viável o seu aproveitamento.

Esta é uma intenção que assenta, única e exclusivamente, em coragem e determinação política, bem como na capacidade de uma gestão proactiva por parte da Administração Pública.

Ora aqui é que a porca entra não nas couves, mas na mata. Face ao histórico recente de questões análogas, como por exemplo no Domínio Público Marítimo nas ilhas-barreira, basta o pessoal choramingar e fazer algum barulho, juntando-se-lhe uma dose massiva de populismo, e o Governo capitula. Bastará então que se instale algum clima de (previsível) impopularidade em torno deste instrumento, e não passará de um fogo… mas fátuo.

Ponderando a hipótese de passar a gestão florestal para autarquias, pior ficamos. A este nível o peso do voto é ainda maior, juntando-se à falta de meios, recursos e vocação do poder local para gerir investimentos geradores de riqueza reprodutiva. Bastará aqui lembrar a perequação, que nunca passou de uma linda intenção face à incapacidade para lidar com processos que impliquem mais do que a simples cobrança de emolumentos. Este neo-feudalismo em curso, que é “autarquizar” tudo e um par de botas coloca em risco, mais que não seja por esta falta de aptidão, a necessária abordagem estratégica e integrada que sectores como este devem observar.

De resto, sem uma discussão em torno de algo que se vai tornando fundamental, que é a ponderação constitucional do direito de propriedade com o papel social do solo, que pode ajudar a resolver questões de impasses cadastrais ou inoperância de proprietários, dificilmente se irá a lado algum. A solução parlamentar que suporta o Governo podia constituir uma oportunidade (talvez histórica) para tal, à qual teriam que ser chamados os restantes partidos, numa lógica de responsabilidade, inclusivamente intergeracional.

Mas parece importar mais o poder pelo poder, andando uns preocupados com a popularidade, outros em utilizar suicídios como argumento político, e outros ainda a estranhamente emudecerem, remetendo-se a obediente, conveniente e conivente silêncio.

Nuno Álvares Pereira, o Santo Condestável, atribuiu a São Jorge ajuda divina na vitória de Aljubarrota.

Que este Miguel, apenas com a ajuda de homens e mulheres, não obstante parecer ser necessário um milagre, consiga bons resultados nesta outra batalha contra um dragão colossal, talvez tão decisiva quanto foi aquela de 1385 para o futuro do País.
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