Por Gonçalo Duarte Gomes Assinalou-se ontem, dia 16 de Fevereiro de 2017, o 750º aniversário da assinatura do Tratado de Badajoz, que integrou o Algarve no Reino de Portugal. El-Rei D. Afonso III, preocupado com as férias balneares dos seus descendentes, decidiu dotar o Reino de Portugal de um recreio privilegiado, com belas praias, muito Sol, e camones/as alcoolicamente bem-dispostos/as. Vai daí, sentou-se à mesa com os nossos vizinhos adoradores de caramelos, e completou, em definitivo, o domínio da Coroa Portuguesa com o Reino dos Algarves, cedendo-lhes em troca aquelas urbanizações horrorosas e abandonadas, na margem esquerda do Guadiana (que, ainda assim, são o sonho molhado de muito saloio na margem direita…), com a obrigação de para sempre virem comprar turcos e atoalhados em Vila Real de Santo António - acordo que entretanto os espanhóis, que não são de fiar, violaram. Uns anos mais tarde, houve um rapaz chamado Henrique, que dizia que era Infante, que lançou por estas bandas uma start-up audaciosa, na área dos Descobrimentos, que era na altura um sector emergente da economia. E este Algarve de hoje, português de pleno direito, ainda que um bocado esquecido boa parte do ano, também bastante mal-comportado para provar que nem sempre merece o respeito que reclama (há selvajarias, por exemplo ao nível do ordenamento do território, que só mesmo no Algarve, assumindo plenamente a herança de terra de degredo e de piratas), sempre alegre e muito bronzeado, honra a memória do Infante de Sagres? Na proa do magnífico Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, o tal rapaz empreendedor, o Infante D. Henrique, é representado segurando na sua mão direita uma caravela e um mapa na esquerda, tal não era a paixão pelas aventuras do mar.
Como já nessa altura o sector empresarial português era dado à marosca, o ínclito Infante, embora dito de Sagres (e na verdade Duque de Viseu), estava antes sediado em Lagos, numa jogada que pode ser classificada como uma espécie de pequena-micro-nano offshore regional ao nível da denominação social. Mas, se do ponto de vista burocrático a coisa era esquisita, operacionalmente, foi um case-study de sucesso. E deixou escola, patente por exemplo no espírito daqueles bravos moços de Olhão, que após aplicarem meia dúzia de valentes galhetas nos avecs que se andavam a esticar nas Invasões (e que agora, ironicamente, são convidados a conquistar), se montaram num simples e modesto caíque, rumando ao Brasil para explicarem como se fazia ao D. João VI, que corajosamente regia a partir de terras de Vera Cruz – um precursor da telegestão, portanto. É quase como aquela rebelde aventura de muita miudagem, de fugir de casa para Espanha, montada em BMX (a pessoa é dos 80’s...), mas em bom, em grande e à séria. Hoje em dia, da Infantina memória resta o nome numa auto-estrada que já pagámos mas que diariamente nos continua a ser roub… cobrada – como se fôssemos todos realmente Infantes da realeza – e a audácia náutica do Algarve mede-se, salvo honrosas excepções, pela intensidade dos gritinhos histéricos de quem, na nossa folclórica época balnear, rasga as águas montado na Banana ou no Torpedo, servindo de shaker humano às coloridas bebidas que entretanto carregou no bucho, numa qualquer after-trendy-coiso-party nos areais convertidos em Feira Popular. De forma a contrariar este aviltar da memória e da vocação marítima do Algarve, ou então apenas para fazer pela vida (e ainda bem), está anunciada para hoje a abertura de portas do Centro Internacional de Alto Rendimento para Vela da Marina de Vilamoura. O objectivo realmente anunciado é a captação de atletas de vela de alta competição em busca de um local ideal para treinar e estagiar, fugindo às agruras do clima e do mar nos países do Centro e Norte da Europa, nos meses entre Outubro e Maio. Esta iniciativa soa verdadeiramente refrescante, e por maioria de razões. Desde logo, é um empreendimento no âmbito do turismo que não passa por mais um daqueles repetitivos Ovos Kinder (mas sem brinde, nem doçura, nem surpresa, só mesmo fava) que prometem sempre ser a última Coca-Cola do deserto, e que incluem, invariavelmente, um resort, um campo de golfe e um Ferrari à porta de cada algarvio, tal não é a geração de riqueza prometida, sempre em troca do investimento de uma qualquer peça única do nosso capital natural. Pelo contrário, é uma oferta que potencialmente optimiza as muitas e excelentes infra-estruturas turísticas de que a região dispõe, utilizando para o seu mister valores naturais amplamente disponíveis e que não carecem de “adequação”: vento e mar. Ou seja, verdadeiramente diversifica e inova, combatendo a “sazonalidade” (fenómeno natural, que no Algarve só é mau porque voluntariamente construímos um modelo de monocultura económica) com base em recursos endógenos – para utilizar um daqueles chavões bonitos, que dão ares de credibilidade a qualquer coisa. Seguidamente, é uma aposta numa área que devia ser um dos desígnios regionais, já que a nível nacional não passa de conversa fiada: o mar e, muito especificamente, a vela. Em boa verdade, a nível nacional, o mar e a sua gestão estão arquivados no capítulo das anedotas, como o demonstram as sucessivas, e sempre catastróficas, alterações na tutela, ora concentrada em mega-entidades inertes de tão paquidérmicas que são, ora pulverizada por diversos organismos, nenhum dos quais dialogante entre si, e sem competências ou vocação para a coisa. E nunca com os necessários recursos financeiros… Pior, nem se pode dizer que seja uma aposta só de boca, porque tão-pouco a isso chega. Aqui há uns anos, quando Lisboa, juntamente com Cascais, disputava a organização da Taça América (o Superbowl da vela, que movimenta milhões de euros, desde a componente mediática à turística, passando por patrocínios e negócios relacionados) com a cidade espanhola de Valência, e enquanto o então Rei Juan Carlos aproveitava todas as oportunidades para ser visto a bordo de um qualquer barco à vela (que é efectivamente um hobby seu), recordo-me de uma ocasião em que, estando as operações de charme e lobby político (fazem sempre parte) ao rubro, Jorge Sampaio, o nosso Presidente da República da altura, balbuciou umas confrangedoras e pouco convictas banalidades sobre ser interessante ter cá o evento... a partir de um campo de golfe. Não está obviamente em causa a preferência desportiva do ex-Presidente, nem terá seguramente sido esse o factor decisivo para Valência ser escolhida em detrimento de Lisboa, mas o episódio revela a falta de sensibilidade e distância face ao mar, que nem para promoção de uma candidatura importante para o País merece um esforço de aparências. O Algarve dispõe, na sua faixa litoral, de condições naturais óptimas para a prática de variadíssimas actividades náuticas como vela, canoagem, surf , bodyboard, wind e kitesurf, paddle, carreirinhas, fazer de saco de plástico na rebentação, o que seja. No entanto, mantém com elas um obstinado divórcio estrutural, quer em termos práticos, quer em termos financeiros, pois desperdiça-se toda uma fileira que, desde estaleiros ao retalho, passando por estruturas e pontos de amarração, clubes, associações, equipamentos, acessórios e serviços associados, poderia ser uma importante componente da economia regional e do próprio tecido social. O tema é vasto e complexo, e merece um posterior e mais aprofundado regresso, mas num pequeno exemplo, basta notar que é um mistério insondável o facto do desporto escolar nos concelhos litorais algarvios não passar, pelo menos nos meses mais quentes, por uma aposta consolidada, sistemática e abrangente na náutica. Fica então apenas a saudação a uma iniciativa promissora, à qual deixo votos de boa mareação e ventos favoráveis, esperando que sirva de exemplo e incentivo a muitos mais passos em direcção ao mar. Pode ser que então façamos o Infante sorrir novamente.
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