Por Joana Cabrita Martins Hoje venho-vos falar de uma paixão antiga que ainda continua acesa... não é fácil mas há paixões assim! As bicicletas! Tenho uma longa e apaixonante relação com elas desde pequenina. E a verdade é que até hoje ainda não tivemos um desgosto de amor. Tem sido uma relação duradoura, sem altos e baixos. Começou como tantas outras, aos fins-de-semana às escondidas da mãe. Saíamos de casa, lá para os lados do Medronhal, um sítio da freguesia de Santa Barbara de Nexe, Faro, eu e o meu primo, cada um com a sua amada e dizíamos à minha mãe que íamos a casa de uns amigos ali ao lado em Estoi. Meia dúzia de metros percorridos cada um ia namorar para seu lado... ele para Estoi para casa de amigos e eu... para a Praia de Faro. De casa à praia e da praia a casa... sozinha com a minha bicicleta... liberdade e felicidade... o meu maior preenchimento. Este foi o início de uma grande paixão, hoje um grande amor. Arrufos?! Não me recordo, a não ser no dia em que o meu pai resolveu oferecer-me uma nova bicicleta para substituir a 1ª, a pequena BMX amarelinha, em que me iniciei nestas lides. Fomos os dois busca-la, virgem e imaculada, ao Faro Shopping (sim era o que existia na altura), e eu fiz-me à estrada em cima dela até ao Medronhal, para termos o nosso primeiro momento a duas. A meio do caminho sem eiras nem beiras, ao sermos ultrapassadas por um automóvel resvalei contra um murro que substituía a beira da estrada e ... Ficamos com uns arranhões e uns sermões, da mãe, para memória futura daquele primeiro dia. Depois seguiram-se uns anos de abstinência, porque me mudei para Lisboa e a nossa relação tornou-se esporádica e à distância. Mas a paixão não esmoreceu e ... redescobri-a em Bolzano, Itália, onde vivi faz agora 10 anos. Foi amor à primeira vista pela minha Viaggera, assim a apelidei, estava em Bolzano fazia 2 semanas, e não mais a larguei até hoje... Percorremos kms num lugar ao norte de Itália desde então. E agora percorremos km num lugar ao sul de Portugal. Temos uma relação sólida em que nos acompanhamos diariamente para todo o lado, relações esporádica e aos fins-de-semana foram coisas da adolescência. Somos felizes! Serve esta história de amor para introduzir o tema da mobilidade em bicicleta que como poderão imaginar é algo que a mim e à Viaggera nos toca profundamente. Sendo este lugar ao Sul uma região com tradição no ciclismo como desporto de destaque, confesso estranhar a lacuna que existe na sua utilização como meio de transporte diário para curtas distancias. As cidades Algarvias enquadram-se todas elas no padrão de dimensão em que o meio de transporte privilegiado deveria ser a bicicleta. Porque as distâncias a percorrer são mais rápidas de se fazer de bicicleta do que a pé, de automóvel ou transportes públicos. Por experiência própria em Faro, onde resido e me desloco diariamente de bicicleta, salvo raras excepções, é exactamente essa realidade que verifico. E quando há excepções é porque a cidade está ainda longe de estar optimizada para a circulação em bicicleta, como o está para o automóvel. Num mundo global com tantos problemas associados à utilização do automóvel, desde o consumo desenfreado dos combustíveis fósseis para alimentar a sua utilização, à supressão de espaço público para circulação e parqueamento, à sinistralidade com elevado numero de mortes e incapacitações físicas a longo termo, a OMS recomenda que se dê prioridade aos modos pedonal (andar a pé) e ciclavel como formas de deslocação no dia a dia. Um pouco por todo o mundo dito ocidental, o paradigma actual é o de reformular os modos de deslocação dos cidadãos por meio do redesenhar das cidades. E não precisamos de ir “lá fora” para encontrar exemplos, temo-los aqui em Portugal desde a capital, passando pelo centro/norte do país... Quando chegamos a sul... parece que... somos ainda árabes. Nem ainda Reino dos Algarves somos! Mas eu acredito que a barreira do Caldeirão conseguirá um dia ser transponível até de bicicleta!!! De há 2 anos a esta parte noto um aumento exponencial na utilização diária da bicicleta como meio de transporte na capital Algarvia. A frequência com que me cruzo com cidadãos de bicicleta em movimento na estrada, nos semáforos, nos parqueamentos espalhados pela cidade. A ocupação lotada de alguns parqueamentos são indicativo de que a adesão está a acontecer e a crescer . Mas não basta a vontade do cidadão residente e/ou turista (sim porque muitos são os casais e famílias de turistas que se deslocam no nosso Algarve de bicicleta de lés-a-lés ou simplesmente nas cidades), é preciso que haja condições efectivas para circulação em bicicleta. Por condições efectivas quero dizer segurança que se consegue através de diversas variáveis, entre as quais: -sinalética, -campanhas de informação, sensibilização e fiscalização em acordo com código da estrada por parte das autoridades, -vias e zonas adaptadas em determinadas áreas das cidades, -parqueamentos. Estas condições devem ser encontradas e promovidas pelos decisores locais, de preferência em diálogo com as populações. Confesso que foi com grande esperança que tomei conhecimento que há um ano atrás a Câmara Municipal de Faro colocou em consulta pública a FASE II do Plano de Mobilidade e Transportes onde os modos de deslocação suaves se encontravam enquadrados. Consulta na qual participei com mais 5 munícipes com uma proposta de plano ciclavel para a cidade de Faro, sendo que até hoje não nos chegou nenhum pedido de esclarecimento sobre a mesma, ou informação sobre se teria sido tida em consideração na FASE III, última do plano. Assim como até ao presente momento não consegui descortinar nenhuma evolução respeitante à criação de condições para a mobilidade em bicicleta na cidade desde então, devo referir que algumas obras estruturais têm sido feitas nas vias e espaço público e a circulação em bicicleta não tem sido objectivamente contemplada. Mas sendo portuguesa tenho sempre a esperança, porque ela é, segundo dizem a última a morrer. E para dar esperança à esperança, estão neste momento a decorrer candidaturas para autarquias, entidades públicas e privadas para investimento em projectos ligados à mobilidade sustentável no Algarve que tenham sido previamente enumeradas no Plano de Acção de Mobilidade Urbana Sustentável (PAMUS) . Sendo que o montante ascende aos 14 milhões de euros. Espero que o PMT em que o Município de Faro tanto investiu tempo e verbas tenha sido atempadamente incorporado no PAMUS da região do Algarve de forma que neste momento o departamento responsável no município esteja a trabalhar na candidatura a este financiamento cujo montante pode ser aplicado em : -construção de ciclovias ou vias pedonais, -melhoria da rede de interfaces de transportes urbanos colectivos, -melhoria de soluções de bilhética integrada, -planeamento de corredores urbanos de elevada utilização, -desenvolvimento e aquisição de equipamento para sistemas de gestão e informação para soluções inovadoras e experimentais de transportes -entre outras que promovam a mobilidade sustentável Que esta oportunidade não se perca, que não se falhem os prazos... curtos... que se invista em soluções fundamentais para alterar o paradigma actual com menor esforço financeiro! Que se envolvam os cidadãos, que se envolvam as escolas e a Universidade do Algarve e outras entidades nesta construção. Que não se permita por exemplo que entidades como a UALG que moldam uma cidade e uma região não entendam este paradigma como uma prioridade a abraçar ficando de fora de programas de incentivos financeiros como o recente U-Bike (2016-2018), onde 15 universidades e politécnicos de norte a sul do pais (excepto Algarve) se candidataram para prover a comunidade académica de bicicletas (nomeadamente eléctricas) e outros equipamentos necessários à correcta e adequada utilização das mesmas. https://www.u-bike.pt/ Com o planeamento do Polo Tecnológico e do Algarve Tech Hub na calha afigura-se-me incompreensível o investimento no programa U-Bike não ter sido uma prioridade estratégica para munir a comunidade que ali vai trabalhar e habitar de modos suaves e rápidos de deslocação até ao centro da cidade. Quando empresas de dimensões muito inferiores investem já em bicicletas, equipamentos e espaços para as guardar para usufruto dos seus trabalhadores e/ou colaboradores. Dando um exemplo concreto, a Turbine Kreuzberg, em Faro tem bicicletas no escritório para os trabalhadores que vêm de fora. Tenho esperança...porque tenho uma paixão...que dentro de uns anos sejamos 9 million bicycles em vez de NONE million bicycles neste Portugal, sobretudo neste lugar mais a Sul. Nota: Por opção, a autora não escreve aplicando o acordo ortográfico actualmente em vigor.
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