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Bem-vindo

Tem avonde d’água!

18/1/2019

4 Comments

 
Por Gonçalo Duarte Gomes

Imagine-se um copo meio de água.

Há quem olhe, e veja um copo meio-cheio.

Outros, olhando para o mesmo copo, vêem-no meio-vazio.

No Algarve deita-se fora o copo, e vai-se buscar uma garrafa para a discussão, porque água há em monte! 

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Anualmente é publicado pela Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, o Relatório Anual dos Serviços de Águas e Resíduos em Portugal (RASARP). Este documento sistematiza e disponibiliza informação fiável – porque resultante do exercício de regulação e de uma recolha junto das diversas entidades que intervêm no sector – quanto ao ponto de situação nesta matéria, bem como à sua evolução.

Dessa forma, é uma ferramenta de monitorização que permite a calibração das políticas e práticas de gestão, com base num escrutínio cuidado e numa avaliação informada do serviço que é prestado à sociedade. Pois bem, no RASARP referente ao ano de 2018, no capítulo do abastecimento de água, o Algarve obteve resultados preocupantes em 2 categorias particularmente relevantes preocupantes: perdas reais de água (média regional de 183 l/ramal/dia) e percentagem de água não facturada (média regional de 30%).

Estes números levam-nos à velha – mas inconsequente, reconhece-se – conversa em torno de racionalizar e optimizar a gestão dos recursos hídricos em absoluto, pois trata-se de um recurso fundamental à vida, e ainda mais em regiões como o Algarve, em que o mesmo é relativamente escasso.

Em vez disso, continuamos a ter, em espaço urbano, relvados e vegetação alóctone sedenta de rega intensa, rega em horários desadequados e através de técnicas pouco eficientes ou que, por não serem mantidas, regam mais asfalto e calçadas do que jardins.

Passamos para a agricultura, e para além de muitas más práticas toleradas na gestão da água, vemos o sequeiro, ancestralmente adaptado às condições edafo-climáticas da região, a ser arrancado pela raiz para dar lugar a outras culturas, baseadas em regadio intensivo e extensivo.

A título de exemplo, e em contas de merceeiro, uma recente e badalada plantação de 76 hectares de abacateiros é coisa para, mensalmente, consumir 18.240.000 litros*, o que, para se ter uma ideia comparativa, corresponde a mais de metade da produtividade média mensal do aquífero Querença – Silves, o maior da região. Mesmo que carecendo as contas de alguns ajustes derivados de condicionantes locais, a magnitude dos valores devia dar que pensar. Alegremente omissa, a Direcção Regional de Agricultura nada diz a este respeito.

No turismo, a pressão do boom populacional estival sobre os recursos hídricos da região é outro sumidouro, tal como os devaneios dos consumidores particulares, para quem lavagens de varandas e pavimentos à mangueirada ou andar com o bólide a brilhar é que importa.

Tudo isto ocorre sem um estudo da capacidade de carga do Algarve, em termos de recursos hídricos, ou pelo menos da viabilidade da actual carga. As opções com que seremos confrontados num futuro próximo, recomendam que nos munamos desse conhecimento.

​Basta olhar para o Palmer Drought Severity Index (PDSI), índice utilizado para monitorizar o estado de seca no território nacional, combinando os efeitos de temperatura, precipitação e capacidade de água disponível no solo. Analisando a evolução histórica deste indicador em Portugal Continental, desde 1961 até 2000 (esta série de dados é ao gosto dos mais cépticos, que descartam “anomalias”, pois exclui anos mais recentes e extremos, como 7 dos 10 Verões mais quentes desde os anos 30, registados depois da viragem do século), é possível concluir que nas duas últimas décadas do século XX a frequência das secas aumentou. Por arrasto, o cenário para o Algarve não apenas não é famoso como, tendo em conta as nossas afinidades mediterrânicas, adivinha-se particularmente grave. 
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Evolução do PDSI em Portugal Continental. Médias para as décadas de 1961-70, 1971-80, 1981-90 e 1991-2000 (esquerda para a direita), para Fevereiro, Março e Abril (cima para baixo). Fonte: Santos, F. e Miranda, P., Alterações Climáticas em Portugal. Cenários, Impactos e Medidas de Adaptação – Projecto SIAM II, Gradiva, 2006: pp. 51–60
​Paralelamente, a evolução da precipitação total nas últimas décadas (aqui incluindo já o novo milénio) traduz uma tendência de decréscimo, sem sequer se ir ao pormenor da distribuição anual destes valores.
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Evolução da precipitação total 1966-2016 para o distrito de Faro (fonte: PORDATA)
A nossa gestão levezinha dos recursos hídricos equivale então ao optimista que, munido de um copo de água, acha que atravessa o deserto sem problemas. Portanto, mais do que água, falta-nos bom senso e responsabilidade.

Enquanto esta cultura transversal de incúria na gestão da água não se alterar, bem como os comportamentos que a traduzem, podemos teorizar, construir mais barragens (obrar oblige, e de tal maneira que entidades gestoras com valores de perda dos mais altos da região, em vez de olharem para a resolução desta questão, pensam antes em megalomanias), chorar e até orar à vontade, que a inexorável caminhada no sentido de ficarmos ressequidos como as proverbiais passinhas do Algarve não se deterá.
​
A este propósito, recordo as conclusões de umas jornadas de trabalho, promovidas pelo núcleo regional do Algarve da Liga para a Protecção da Natureza na Universidade do Algarve, em torno de um documento que, corria o ano de 2007, estava então em elaboração, e que prometia ser a ferramenta decisiva para a resolução do drama nacional que era, já na altura, a má gestão da água: o Plano Nacional para o Uso Eficiente da Água (PNUEA). 
Boa parte dessas conclusões e das medidas propostas, passados 12 anos, continua tristemente actual e por cumprir. Fica assim a consciência tranquila, de não maçar ninguém por repetição, já que não mereceram antes qualquer atenção.

Também, do que é que se está à espera, pregando sobre gestão racional da água em regiões bafejadas pelas monções?

Ele há com cada uma…


* Cálculo efectuado para culturas de abacateiro com um compasso de tipo de 5 x 6 m, considerando como período crítico de rega apenas os meses de Maio a Setembro, e adoptando dados de referência da Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural, para índices de cobertura de solo de 20% (evitando o pior cenário), os consumos oscilam entre 235 e 365 m3/ha/mês. Ou seja, algures entre 8.000 e 12.000 l/ha/dia. 
4 Comments
Miguel
18/1/2019 12:57:59

Subscrevo totalmente o seu artigo Gonçalo, é também uma questão que me preocupa deveras, como alguém que gosta da sua região em especial do barrocal e da serra; sendo algarvio de gema com os ancestrais igualmente algarvios de gema, basta algo tão simples como uma pergunta aos mais idosos: "lembra-se do rio seco, da fonte férrea, etc com muita água?" e a resposta é um "ohhh atã n'havia de ter muita agua, parecia um mar pá gente tomar banhe" hoje essas zonas estão secas ou em anos bons com agua pela cintura no máximo, mostra bem o processo de secura em curso na região.

E fico também estupefacto e incrédulo por ver a leviandade com que se gasta agua nesta região com tantas vulnerabilidades, e que as casas poderiam ter mecanismos de captação de agua das chuvas em maior uso, como as antigas cisternas, aproveitamento de aguas cinzentas nos prédios e sobretudo tratamento dos efluentes das ETAR para rega de jardins, lavagens de espaços públicos e dos malditos (perdoe-me a expressão) campos de golfe, algo que seria muito melhor do que a hipótese de dessalinização por tudo o que a mesma implica.

Finalmente, sendo este um campo do meu maior interesse, não posso deixar de voltar a frisar a importância de processos de reflorestação ou de ampliação de espaços verdes, preferencialmente com espécies locais adaptadas às condições locais; e creio que será mesmo necessário começar a fazer experiências com outras espécies mediterrânicas possivelmente mais adaptadas à seca, que aguentarão as mudanças futuras, sem alterar o ecossistema local de forma dramática (Criprestes e Cedros Italianos, do atlas, Populus euphratica, Q. Ithaburensis etc).

Esperemos que essas mudanças venham a tempo, e sobretudo que o processo de informação sobre as mesmas seja constantemente ampliado, só assim chegará a mais pessoas, este espaço cumpre muito bem essa premissa, cumprimentos!

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Gonçalo Duarte Gomes
18/1/2019 23:24:46

Informação abunda, tal como canais e formas de a fazer passar, pelo que é ainda mais difícil compreender a resistência à sua assimilação.
Poder-se-ia dizer que será necessária uma situação extrema (como aquela que afectou a Cidade do Cabo), mas tendo em conta o que se passou com os incêndios, nem isso parece ser suficiente...

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Miguel
19/1/2019 19:01:01

É verdade, abunda mas em meios mais "formais" que por diversas razões incluindo de literacia funcional se encontram por vezes distantes do cidadão comum, assim como os meios (humanos) de transmissão das mesmas, isto na minha opinião pessoal e na lida diária com as pessoas.
Já nos meios oficiais, todos os factos referidos por si assim como outros são bem conhecidos de responsáveis locais, regionais, empresariais e do Estado Central, aquele que mais meios possui; basta ver a reacção de cautela e receio não pelos efeitos dos grandes incêndios de 2017 e de 2018 em especial em Monchique, receio este de prejuízo aos negócios de celuloses, ao levantamento popular a pedir mudança na gestão do território etc, o pensamento de curto prazo em Portugal é estonteante, há uma série de factores sócio-culturais para isso mas não é alheio ao mesmo a continuidade e alternância sem grande diversidade das soluções e actores políticos instalados.
Concordo, infelizmente penso que apenas depois de um grave incidente como o da Cidade do Cabo, poderá levar a mudanças a curto prazo, e ai já será tarde para reverter muito do que está em curso...Há que tentar manter um grau de optimismo mínimo, e na medida do possível, contribuir para contrariar uma (aparentemente) trajectória óbvia.

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Gonçalo Duarte Gomes
21/1/2019 17:32:55

No fundo, necessitamos do meio termo entre o desespero da inevitabilidade e a esperança infundada do mero pensamento positivo. Concordo inteiramente.
A instituir-se alguma forma de catastrofismo, que seja o emancipatório, conforme o Ulrich Beck o apresenta.

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