Por Gonçalo Duarte Gomes Não. Não pode. Não deve. A genética dita a base sobre a qual assenta a construção da identidade, já o dizia, mais coisa, menos coisa, o bom do Mendel. Traços fisionómicos potenciais, predisposições temperamentais ou apetências funcionais, tudo se inscreve nesse passado à espera de ser projectado em presente e futuro. Esta realidade perpassa outros níveis da organização existencial, numa ordem cosmogónica que, apesar de invisível, é presente. As paisagens são o fruto de uma base genética telúrica, feita de terra, água, pedras, árvores, ar, chuva e tudo o mais que encerra, cruzada com pensamento, temperamento, emoção e, fundamentalmente, acção de pessoas, nos seus grandes ou pequenos afazeres, nas suas quotidianas ou transcendentes realizações. É portanto um processo recíproco e interminável, este em que a terra se entranha na alma da gente, e a alma da gente se entranha na terra, cristalizando sobre uma estrutura amorfa, o território, a assinatura cristalina de um povo, sob a forma das suas paisagens. Um poeta olhou em tempos uma região, e resumiu-a assim: O mistério do mar, O Algarve. Encaixado entre o Guadiana e o Oceano, com a sua entrada terrestre guardada pelas Serras do Caldeirão, Monchique e Espinhaço de Cão, protegendo o anfiteatro que se estende até um mar que, não sendo ainda Mediterrâneo, já não é também Atlântico. Uma terra de mistura, de passagem, de estranheza, de encanto, de degredo, de partida da nossa diáspora, de chegada para a diáspora de outros. Ó meu ardente Algarve impressionista e mole, É a sua identidade inelutável, inescapável, o fado inapelavelmente marcado. A languidez atávica, o deslumbramento inspirador, mas num Éden inquinado, como sugere Orlando Ribeiro, em que o trabalho é penoso, porque árduo. Portanto, como mudar? Não pode. Não deve. Mas pode evoluir. E deve evoluir. A par das Ilhas, é o Algarve a região mais perfeita de Portugal. Faz coincidir a sua delimitação administrativa com a realidade biofísica. É uma realidade una e diversa, desde a mesmerizante Ria Formosa ao “alienígena” gigante de Monchique. Só tem que perceber a diferença entre pirite e ouro, entre servir e acolher, entre ser espoliado e cativar, entre ser recreio de meses ou labor de ano inteiro, para então passar a ser uma região que, pelas suas dinâmicas próprias, tome nas suas mãos os seus destinos e não dependa apenas do ócio de outros. Não mais a miúda engraçada, mas antes a mulher deslumbrante. Voltar às origens, assegurando continuidade no progresso. Não há sossego - e, ai de mim!, nem sequer há desejo de o ter. Para evoluir, há que agitar, perturbar, pensar, há que falar, discutir, criar massa crítica. O delito de opinião é ainda real em Portugal, e a liberdade de expressão está, como qualquer músculo, condenada ao atrofio, se não for exercitada. Paralelamente, a pluralidade não equivale ao coleccionar de ordeira multiplicidade de opiniões consonantes. Pensar para lá disso, fora dos rótulos, além dos paradoxais cânones do livre pensamento, rompendo com a conformada obediência… é reacção. Reajamos então. Aqui e agora. Porque passar deste lírico e fantasioso romantismo, de alvas moçoilas... Para estoutra alvura, ainda de musas, mas já em brutal hiper-realismo... Tem muito que se lhe diga.
2 Comments
Paula Lopes
2/10/2016 11:11:13
Parabéns pela iniciativa.O Algarve merece e os portugueses tambem. Nao sou algarvia mas tenho o algarve no coração e como tal faco votos para que sejam bem sucedidos para corrigir os erros do paasado e alguns do presente.
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Gonçalo Duarte Gomes
3/10/2016 15:06:03
Muito obrigado pelo incentivo.
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