Por Sara Luz
Com uma primeira quinzena de junho tão encalorada é difícil crer que ainda estamos a um dia do início do verão. Com ele três meses sem poder estacionar o carro “à porta”, reservar mesa no restaurante preferido, chegar ao trabalho em 15 minutos, encontrar determinados produtos nas prateleiras dos supermercados, ou simplesmente conseguir manter uma distância superior a dois metros da toalha de praia do “vizinho”. Uma alquimia pela busca da paciência, dir-me-iam alguns; outros, cedências que se impõem em prol do desenvolvimento económico da região. Viver acima da nossa capacidade de resposta é algo a que todos estamos mui habituados. Mas, diga-se que, não é por tal enraizado costume que os acontecimentos devem deixar de ser escrutinados, pelo menos essa não é hipótese neste lugar ao sul onde o pensamento crítico se impõe. Olhe-se, por exemplo, para a área da saúde algarvia. Um setor com graves problemas e ineficiências, que se tardam em resolver. Se a isso juntarmos uma população que triplica ou quadriplica durante a temporada estival, o cenário só pode ser desastroso. Mas, ainda assim, acalmam-se as gentes com medidas como o modelo excecional de mobilidade de pessoal médico. Não é necessariamente caso para surpresa, pois na hora da tragédia já nem serve apontar dedos, nem exigir responsabilidades. E, a par disto, se as expetativas da própria população visitante já são por si só também elas baixas, porque é que haveria de ser diferente? O Despacho n.º 5979/2017, publicado no dia 07 do presente mês, que define o modelo execional de mobilidade de pessoal médico, com vista a reforçar a assistência médica da região no Algarve durante o verão, com médicos já vinculados ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) é, paradoxalmente, uma ofensa a quem nos visita, reside e trabalha por cá. Isto porque ou muito me engano ou os candidatos vão ser em número reduzido. Basta pensarmos que não devem ser muitos aqueles que estão dispostos a largar, ainda que temporariamente, os serviços onde trabalham, famílias, unidades de investigação, e outros, para exercerem num lugar que academica e profissionalmente não lhes diz rigorosamente nada. E mais, ser deixado à mercê do caos de um serviço de urgência, onde nem sequer se conhece os cantos à casa, a troco de quê? De ajudas de custo, despesas de transporte e da experiência que um destino turístico como o Algarve pode oferecer? Na verdade, não é propriamente isso que deslumbra o pessoal da saúde e, neste caso em particular o médico, mas antes cuidados altamente diferenciados e inovadores em organizações competentes e organizadas. E, lamentavelmente, o Algarve oferece tudo menos isso. Não se trata apenas de um insurgimento contra esta medida de reforço sazonal, que até parece bem intencionada (mais que não seja por tentar afastar as empresas de subcontratação do SNS), mas é insultuoso dizer que é esta a resposta a oferecer ao Algarve. E fazer por fazer devia dizer-nos muito pouco. Talvez porque fado, fátima e futebol tenham o efeito de desviar as atenções do que realmente importa. Ou talvez porque a endémica falta de planeamento estratégico seja interpretada como algo “normal”. Seja como for, é intolerável esta contínua falta de interesse e empenho.
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