Lugar ao Sul
  • Sobre nós
  • Autores
  • Convidados
  • Personalidade do Ano a Sul
    • Personalidade de 2017
  • Contactos
  • Sobre nós
  • Autores
  • Convidados
  • Personalidade do Ano a Sul
    • Personalidade de 2017
  • Contactos

Bem-vindo

Quem tem medo de livros?

12/2/2021

2 Comentários

 
Por Gonçalo Duarte Gomes

Sendo esta pandemia, que tão dramaticamente afecta a vida de todos nós, uma anomalia pegada, não deixam de se conseguir destacar, dentro dela, estranhas anormalidades.

Foram ontem anunciados pelo Presidente da República e pelo Primeiro-Ministro os termos gerais do novo Estado de Emergência que vigorará entre 15 de Fevereiro e 1 de Março. Em mais uma arroba de dias de normalidade feita de excepcionalidade, parece que não há grande novidade.

Ou até há.
Imagem
Adaptação cinematográfica de Fahrenheit 451 (1966, François Truffaut)
Parece que se vai interromper – parcialmente – a singularidade portuguesa de não poderem ser vendidos livros fisicamente (online não houve nunca qualquer condicionante, excepto à recolha em loja das encomendas), regressando estes – no momento de escrita destas linhas, subsistiam dúvidas relativas a exactamente quais – às estantes dos estabelecimentos que estão abertos, concretamente hipermercados.

Fazendo fé nas declarações da directora da Federação Europeia de Editores, que representa a portuguesa Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, ao jornal Observador, Portugal “é o único país onde as livrarias não podem vender livros ao postigo enquanto estão encerradas”.

Num tempo em que tanto o intelecto como o espírito são postos à prova, por força das dificuldades de saúde pública, sociais e económicas em que nos vemos mergulhados, resulta inacreditável a criação de quaisquer dificuldades no acesso à forma mais elementar de cultura, e autêntico bem essencial e bálsamo mental, que é o livro* – cuja única capacidade de transmissão viral reconhecida é o pensamento. Ou será que o receio é, precisamente, do poder que os livros têm, num tempo em que as pessoas, assim o querendo e podendo, lhes dediquem mais atenção?

Há sempre que temer quem teme os livros.

No clássico Fahrenheit 451, publicado em 1953, da autoria de Ray Bradbury, a posse de livros é proibida e o pensamento crítico criminoso. Nesse distópico futuro biblioclasta – e que importante é, cada vez mais, atentar nos avisos que as distopias literárias nos lançam – os bombeiros, esquecidos da sua missão humanitária de outros tempos, são agora uma guarda pretoriana, dedicada apenas ao atear de autênticas piras inquisitoriais em que os livros são queimados e, proporcionando-se, os seus donos também. Num momento fulcral da trama, o Capitão Beatty explica ao protagonista Guy Montag o perigo dos livros, associado à angústia e melancolia que se instala na mente das pessoas devido a temas “escorregadios” como filosofia ou sociologia. Numa dissertação apoteótica, Beatty demonstra como o conhecimento é a fonte de todo o sofrimento e de toda a discórdia. E como os livros são armas carregadas de tal munição, prontos a disparar. Atinge assim o corolário da importância da sua erradicação – principalmente os clássicos da literatura – e da alienação das pessoas, entretendo-as com concursos de trivialidades (“quanto milho produziu o estado do Iowa no ano passado”), com conteúdos curtos, imagéticos, facilmente digestíveis, conformados, que entupam os seus cérebros, dando a sensação de um “pensamento” que mais não é do que a ilusão de movimento numa estagnação absoluta.

Finalmente, é revelado a Montag como este futuro censório foi criado pelas próprias pessoas, num frenesim de homogeneizar, uniformizar, anular as diferenças, higienizar pensamento e linguagem, pois assim “não há montanhas que as façam acobardar, perante as quais tenham que se julgar”.

Assim de repente, algo disto parece familiar?

Sendo certo que esta doença já matou muita gente, é fundamental que não condene a sociedade a morte cerebral. Será precisamente mais perto disso que ficaremos, se não soubermos proteger o nosso meio editorial e livreiro.

​E os livros bem vivos entre nós.

* para efeitos desta reflexão contam todos os livros, sem juízos de valor. Sim, até os livros de auto-ajuda, coaching, parentalidade, sentimentalismo bacoco, fetichismo latente e por aí fora.
2 Comentários
Nelson Mendes
12/2/2021 13:43:24

É preciso que as pessoas não se cultivem ou leiam papel pintado como o feito pelo Rodrigues dos Santos ou pela Margarida Rebelo Pinto.
Mais do que a pobreza material é a pobreza moral e o cultivar da ignorância que são as sementes do nosso insucesso. Peço Desculpa pela negatividade Bom fim-de-semana

Responder
Miguel
13/2/2021 00:00:43

Subscrevo totalmente, o texto, e o comentário do Nelson Mendes, boas leituras!

Responder



Enviar uma resposta.

    Visite-nos no
    Imagem

    Categorias

    Todos
    Anabela Afonso
    Ana Gonçalves
    André Botelheiro
    Andreia Fidalgo
    Bruno Inácio
    Cristiano Cabrita
    Dália Paulo
    Dinis Faísca
    Filomena Sintra
    Gonçalo Duarte Gomes
    Hugo Barros
    Joana Cabrita Martins
    João Fernandes
    Luísa Salazar
    Luís Coelho
    Patrícia De Jesus Palma
    Paulo Patrocínio Reis
    Pedro Pimpatildeo
    Sara Fernandes
    Sara Luz
    Vanessa Nascimento

    Arquivo

    Junho 2020
    Maio 2020
    Abril 2020
    Março 2020
    Fevereiro 2020
    Janeiro 2020
    Dezembro 2019
    Novembro 2019
    Outubro 2019
    Setembro 2019
    Agosto 2019
    Julho 2019
    Junho 2019
    Maio 2019
    Abril 2019
    Março 2019
    Fevereiro 2019
    Janeiro 2019
    Dezembro 2018
    Novembro 2018
    Outubro 2018
    Setembro 2018
    Agosto 2018
    Julho 2018
    Junho 2018
    Maio 2018
    Abril 2018
    Março 2018
    Fevereiro 2018
    Janeiro 2018
    Dezembro 2017
    Novembro 2017
    Outubro 2017
    Setembro 2017
    Agosto 2017
    Julho 2017
    Junho 2017
    Maio 2017
    Abril 2017
    Março 2017
    Fevereiro 2017
    Janeiro 2017
    Dezembro 2016
    Novembro 2016
    Outubro 2016

    Feed RSS

    Parceiro
    Imagem
    Proudly powered by 
    Epopeia Brands™ |​ 
    Make It Happen

“Sou algarvio
​e a minha rua tem o mar ao fundo”
 

​(António Pereira, Poeta Algarvio)

​Powered by Epopeia Brands™ |​ Make It Happen