Por Gonçalo Duarte Gomes Começou esta semana a campanha eleitoral para as próximas eleições autárquicas. Ou antes, começou oficialmente. Porque, na verdade, já corre há meses. O que muda, então? Não muito, excepto, claro está, a necessária dispensa oficial das pessoas, concretamente dos seus compromissos profissionais, para se poderem dedicar às lides de seduzir e convencer o povo a confiar-lhes o seu voto. No Algarve, são 16 os Municípios em que se confrontarão opções para a orientação futura das autarquias. Mas e que afinidade existe entre essas propostas e os anseios das pessoas? A julgar pela evolução da abstenção em eleições autárquicas, não muita. Este gráfico ilustra o que tem sido o distanciamento das pessoas face ao voto, mesmo quando este se destina a eleger os titulares dos cargos que mais directamente podem afectar o quotidiano, ao nível da rua de cada um. A nível nacional, a abstenção em 2017 (45%) reduziu ligeiramente face ao acto eleitoral anterior (47%), mas a tendência anterior é de notório crescimento. No Algarve, entre 2013 e 2017, manteve-se constante, nos 52%. Seja a que nível for, é preocupante verificar que praticamente metade das pessoas não querem saber. Dentro dessa massa de gente, seguramente há muitas razões. Desde as pessoas que confiam plenamente em qualquer candidatura até às que desconfiam igualmente de todas, passando por outras que entendem que os interesses dos partidos – que dominam o cenário eleitoral – não têm nada a ver com os das comunidades ou as que são simplesmente negligentes face a um direito que é simultaneamente um dever. Transversal a toda essa panóplia de motivações é a profunda degradação da confiança no processo democrático e nas suas instituições. O que vai causando estragos cada vez mais profundos. Os partidos ditos tradicionais têm respondido a isto com um encolher de ombros, invertendo um clássico dos rompimentos de relação, e afirmando ao eleitor “o problema não sou eu, és tu”. Essa soberba é o erro de palmatória que, deixando cada vez mais vazios, tem alimentado fenómenos de populismo e extremismo – em vários quadrantes – que, sem verdadeiro programa ou propostas para além de pegar fogo à tenda (mesmo que queime toda a gente no processo), capitalizam sobre o descontentamento daqueles que são tantas vezes menorizados e desprezados pelo status quo partidário. E qual a propriedade dessa oligarquia? Vejamos a representatividade dos partidos com assento na Assembleia da República (o Livre perdeu-a entretanto, com a passagem da deputada Joacine Katar Moreira a não inscrita), confrontada com os resultados das últimas eleições legislativas. Este é um exercício muito simples, e sempre relativo, mas que, não obstante a desactualização dos dados referentes ao BE e as lacunas relativas a PAN e Livre (com um apelo ao fornecimento de melhores informações, com indicação de fonte, mas arriscando dizer que os seus números não excederão os dos demais), permite constatar que os partidos não podem, nesta fase, afirmar-se representativos de muito mais, para lá das suas estruturas internas. Mesmo sendo inquestionável que podemos concordar com determinado ideário sem estarmos inscritos na estrutura que o promove, a ausência de filiação nos partidos é significativa.
Isto é relevante mesmo a nível local, onde tantas vezes se diz que interessam mais as pessoas que os partidos, pois os blocos partidários não assumem as autárquicas como um somatório de resultados micro, mas antes como divisões de um resultado macro, lutando de forma encarniçada para alcançarem o estatuto de “maior partido autárquico nacional” – afinal o importante é o partido. Em certos locais e comunidades no Algarve, mais importante do que a pessoa que se apresenta a outrém, é a filiação parental, exigência materializada pela magnífica expressão – variável consoante seja no interior, litoral, barlavento, sotavento – do “quem é tê pai, mê menine?” No caso das eleições autárquicas, regra geral, as pessoas que integram as listas são bem conhecidas. Nossos vizinhos, do dia-a-dia. Conhecemo-los. Ainda assim, e talvez para garantir o importante aval do conhecimento de “tê pai”, é certo que hoje em dia os partidos ensaiam cada vez mais a integração de independentes nas suas listas – estas eleições são exemplo disso – mas esse mecanismo tarda em produzir efeitos ao nível da aproximação, seja porque a desconfiança face aos partidos se sobrepõe à confiança nos rostos, seja porque a independência dos independentes não é assim tanta, ou porque não tem peso suficiente face ao restante. As estruturas partidárias tentam igualmente outras vias, como a composição e/ou enriquecimento dos seus programas com recurso a auscultações directas à população, num exercício em que o equilíbrio entre prós e contras é delicado. Mas, mesmo assim, parece cavar-se um fosso que nos pode conduzir a cada vez mais poder local, e menos democracia local. Na noite de 26 de Setembro teremos mais informação. Até lá… é ouvir o que nos propõem.
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