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Que dirá a paisagem dos tempos que passam?

8/5/2020

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Por Gonçalo Duarte Gomes

​No passado dia 5 de Maio comemorou-se o primeiro Dia Mundial da Língua Portuguesa.

Como sempre acontece nestas alturas, em que alguém lá fora diz que alguma coisa cá dentro é muito importante, solta-se a franga da euforia lusa. No caso, foi a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) que oficializou a data, reconhecendo a sua relevância global, por força do papel que desempenha no estabelecimento de laços multiculturais entre vários pontos da geografia planetária, enquanto herança da nossa diáspora.

Sendo nós mais de aparências do que de substância, e porque o que interessa é a festa, nada melhor que uma efeméride para celebrar a mesmíssima Língua que depois se abastarda, se prostitui, se trunca e simplifica sem outro objectivo que não o de baixar a exigência, que se tenta ideologicamente amalgamar numa açorda ortográfica (quanto a isso, e a título de curiosidade, vale a pena ler aqui) e que se permite que seja tratada ao pontapé, ao ponto de permitir que tanta e tanta gente continue por aí a achar que lambemos é o mesmo que lambe-mos...

Mas nem só da Língua se faz a expressão de Portugal. A identidade nacional cumpre-se também nas nossas paisagens. Que, sem nada dizer, falam connosco, e por vezes de forma tão directa e profunda, que as palavras deixam de ter lugar.

O que dirão as paisagens em tempos de pandemia?
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Uma língua (que não o órgão que temos na boca) é fundamentalmente um código, que compila e organiza um sistema de símbolos que serve para que os membros de determinada comunidade possam comunicar de forma eficaz – em fala, escrita ou gesto – substituindo e representando objectos, acções, e tudo o resto que compõe a vida.

É portanto uma construção social e cultural, onde o tempo vai depositando e inscrevendo a sua passagem, alterando e fazendo evoluir esse código (uma vezes melhor, outras pior, o que é sempre relativo) de forma a que os utilizadores de determinada época dele se apropriem e nele se revejam, sem que no entanto se tornem estranhos na relação com os seus antepassados e com os contributos que aqueles deram.

Ora a paisagem é precisamente um código. Um código que determinada comunidade inscreve no território, através de formas, processos, estruturas, fluxos, moldando e combinando elementos naturais com o engenho humano, sendo o resultado, precisamente, paisagens.

É uma construção social e cultural sobre uma matriz biofísica, com dimensões e significados ecológicos, históricos, sociais, culturais e sentimentais, originados num processo pleno de influências recíprocas entre gente e terra, que materializa afinal palavras e pensamentos.

Conta também uma história, que se escreve e inscreve em tudo o que nos rodeia e no mais profundo de nós. Muitas vezes sem o sabermos, sem disso nos darmos conta. Porque é uma expressão telúrica do meio em nós, mas também uma projecção do que somos sobre o que nos envolve. Dessa história, o que hoje vemos é apenas um momento, capturado entre tudo o que o que o antecedeu e tudo o que sucederá. É um processo contínuo, que vai gravando, em cada local, as marcas da passagem da gente, pondo em comunicação quem o viveu, vive e viverá. O que preservamos, o que destruímos, o que criamos, o que modelamos, o que cultivamos, o que semeamos, o que abatemos, o que sujamos, o que edificamos, o que transformamos na construção daquilo a que chamamos vida.

A vida destes tempos é extraordinária. Porque são tempos em que o inimaginável provou que o impossível não o era. O mundo “hi tech” e “fast paced”, aparentemente imparável, empancou. Imediatamente, o planeta respirou melhor, feridas ambientais antigas tiveram oportunidade de cicatrizar ligeiramente e o que a política internacional demonstrou ser incapaz de alcançar em décadas, foi realizado em semanas por um agente patogénico com um diâmetro de 50 a 200 nanómetros! Enquanto pessoas, descobrimo-nos e redescobrimo-nos – para o melhor e o pior – e até passámos a ter saudades do próximo (ainda que mais no campo conceptual do que no real).

À escala global, ensaiam-se agora formas de saída de uma quarentena que prometeu mudar Mundo, País e Região. Mas, tal como no estranho caso do Dr. Jekyll e Mr. Hyde, as palavras de esperança e viragem de paradigma das pessoas que nos habituámos a ver nos quadradinhos virtuais passaram, em tempos de desconfinamento, a acções bem mais corriqueiras. Como sempre, tudo tem que mudar, mas apenas na exacta medida em que permita que tudo fique na mesma. Transformações a sério, só talvez na distópica ingerência nas formas como nos relacionamos, tocamos, movemos e controlamos.

No Algarve, o desígnio parece ser retomar o “business as usual”, ainda que mais “safe” e mais “clean”, mas igualmente “fast food” – é apelativo, guloso, até sabe bem, mas se não tivermos cuidado com os excessos, ainda nos mata.

Encher os céus com aviões carregados de turistas, encher praias com o maior número de banhistas possível, reanimar a construção – obrar oblige – e cativar novos investimentos (invariavelmente na área da especulação imobiliária), preferencialmente avançando agora também para o interior, numa política de terra queimada. No entanto, com uma acentuada tónica num curioso conceito de sustentabilidade, que abraça, sempre e novamente, o mito do crescimento infinito com recursos finitos. Se já antes era chavão oco, agora então...

Tudo isto dá de comer a muita gente, sem dúvida. E precisamos, urgentemente, que essas pessoas recuperem os seus rendimentos, pois muitos são os que estão a passar muito mal (apesar dos notáveis esforços de instituições e sociedade para acudir ao próximo). Porque a miséria é má conselheira, e não traz nada de bom a ninguém, podendo ser tão fatal ou mais ainda do que a pior das pandemias.

Essa preocupação polarizará o discurso e a acção dos próximos tempos. Mas vemos assim serem novamente postos na borda do prato desafios fundamentais para o futuro da região, porque há revistas que dizem que afinal está tudo bem, e o Algarve é do melhor que há para curtir no pós-Covid.

Desafios como o reequilíbrio das assimetrias regionais ficam assim adiados, ou sujeitos ao apetite voraz de um qualquer resort. De Itália surgiu recentemente esta ideia que, vendida como muito hip e refrescante, e francamente interessante do ponto de vista conceptual, foi já amplamente discutida – em alguns dos seus aspectos, pelo menos – para as aldeias do interior algarvio, tendo esbarrado sempre na mesma questão: o que vão as pessoas para lá fazer, e como viverão sem serviços públicos? Serão as aldeias meros espaços de evocação e figuração folclórica e cenários fotográficos? Ou conseguimos implantar novas dinâmicas económicas, mais efectivas, sejam elas ligadas à terra ou a sectores tecnológicos, capazes de revitalizar e repovoar estes núcleos identitários do interior, numa espécie de rural v2.0?

E nessa linha, de diversificação económica da região (mas também no apoio à recuperação da economia “convencional”do Algarve, que é fundamental para qualquer transição), conseguiremos indexá-la efectivamente ao Green Deal europeu que, embora frágil (como aqui se expõe), é para já o melhor que temos?

Na construção das nossas urbes, continuaremos a desprezar a importância de articular – em vez de impor – a edificação com os elementos e sistemas naturais que são fundamentais à própria salubridade urbana? E continuaremos a desrespeitar o que é a presença da vida espontânea, mesmo na mais artificial das artificializações? A sanha germofóbica que se adivinha na ressaca da pandemia vai dar azo e cobertura a muitos ímpetos de esterilização, sempre sob a capa da “higienização”. Mas a vida é intrinsecamente “suja” e, nas palavras imortais dos Nirvana, contagiosa.

E a adaptação às alterações climáticas, continuará a fazer-se festas e de bolos, para enganar tolos? Ou vamos realmente assumir que a salubridade e equilíbrio ambiental constituem, como li há dias, a nossa melhor apólice de seguro contra, basicamente, todos os precalços que nos possam saltar ao caminho, pela coerência que conferem a qualquer modelo territorial e económico?

Estas e outras questões fundamentais para as reflexões a que este nosso tempo há muito obrigava (a pandemia seria apenas um catalisador) parecem ter sido votadas à condição de pano de fundo, eventualmente nas vetustas estantes em que se espaldavam os tais oradores quadráticos, aguardando futuras crises, para novamente incorporarem o rosário de penas (ah, se tivéssemos antevisto esta possibilidade...) a desfiar. Talvez o sistema que largou as pessoas à sua sorte seja, afinal, o melhor sistema que existe, até as largar à sua sorte novamente. Ou pelo menos o que merecemos.

Não obstante, em certas janelas e discursos vêem-se ainda arco-íris.

Eu também gosto de iridescência. E se temos vacas voadoras, porque não ter unicórnios? Não se trata portanto de querer matar os bichos. É apenas garantir que se alimentam com substância, para que possam continuar a defecar os arco-íris em que tanta gente se banha nesta nossa região soalheira.

Se nada de novo for inscrito no nosso léxico paisagístico ou na gramática que o organiza, será porque, na verdade, para além das palavras, nada do que passou efectivamente se inscreveu em nós. E, na verdade, teremos neo-velhas paisagens.

Em bom português. Do Algarve.
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