Por Gonçalo Duarte Gomes Por mera coincidência, ou talvez para assinalar o regressos dos Estados Unidos ao Acordo de Paris, que ontem comentava (aqui), e aproveitar o alívio do ambiente na sala de estar mundial que tal gerou, Faro anunciou uma campanha de plantação de árvores na capital. De acordo com informação disponível nos canais municipais, avançou para já um singelo coqueiral (uma dúzia de exemplares da espécie Syagrus romanzoffiana, originária da América do Sul), ao longo da Avenida Calouste Gulbenkian, integrado numa estratégia de sustentabilidade. Que diz que é verde. Não querendo desfazer, é caso para dizer, surripiando o recente bordão publicitário de uma cadeia de supermercados, que quando só se fala da cor, até o verde perde o sabor. Faro tem um significativo défice de jardins. Tem também um défice de presença de árvores na cidade, e as que existem, volta e meia, são alvo das tradicionais podas (alguns defendem que escritas com ph) camarárias, que de árvores apenas deixam raquíticas caricaturas. Mas, acima de tudo isso, tem um défice de estrutura verde, ou seja, mais do que peças soltas, tem falta de um puzzle coerente de espaços naturalizados e elementos isolados, em que o todo faça um sentido maior do que a mera soma das suas partes e, principalmente, cumpra as suas funções de amenidade, descompressão urbana e regulação ecológica, bem como de organização biofísica. Esta coerência estrutural não se obtém por apenas plantar árvores de forma indiscriminada. Muito menos sem ligar às espécies que se plantam. Mais árvores será, por regra geral, um bom princípio, mas é preciso mais. É necessário que estas se integrem num contexto mais profundo, de significância ecológica e também identitária da cidade. É inescapável que o Algarve das aparências é ainda dominado por um vincado tropicalismo de fachada, misturado com um palmar imaginário magrebino setentrional, que habita muitas mentes, e que aponta ao reptiliano de um tipo de turismo ao qual os estivais gelados podem ser servidos até na testa, desde que acompanhados pelo reconfortante e patusco selo do “very typical”. “Tropicalgarve” com um tarbush, por assim dizer. Mas, com tanto discurso sobre ambiente, ecologia, identidade, adequação dos elencos vegetais à flora autóctone e/ou altamente adaptada, seria um coqueiral a prioridade para o reforço das árvores em Faro? A pergunta é despojada de qualquer dramatismo – hoje em dia parece difícil, mas podemos falar e discordar, sem ser aos gritos ou com sete pedras na mão – pois em termos globais, este coqueiral por si só e a dúzia de novas árvores residentes que traz, é como o Melhoral, não faz bem nem mal. E não é que as espécies exóticas não tenham lugar nos nossos jardins – muito pelo contrário, tal insere-se numa longa tradição, decorrente até do nosso histórico deambular pelo Mundo que continuamente aportou um fluxo de novidades e extravagâncias, que fomos incorporando. No caso, e por se tratar de um eixo viário principal, remotamente até se pode compreender uma intenção de vincar alguma verticalidade (não se podendo dizer o mesmo na rotunda). Além de que – espera-se – outras plantações deverão seguir-se, com – espera-se – outras espécies, menos exóticas. Mas reforçar a identificação do espaço público de Faro com outras latitudes e longitudes, que não a sua, parece distanciar a cidade de si própria e da região, quando tem outras opções ao seu dispor. Ou, pelo contrário, talvez a aproxime mais da sua essência, com o que isso implica, na velha máxima de que “Faro é Faro”. De qualquer forma, já que os jerivás aí estão, ao menos venham também os tucanos, tapires e saguins. Sempre completam a animação.
2 Comments
Miguel
23/1/2021 14:24:53
"vincado tropicalismo de fachada, misturado com um palmar imaginário magrebino setentrional, que habita muitas mentes, e que aponta ao reptiliano de um tipo de turismo ao qual os estivais gelados podem ser servidos até na testa, desde que acompanhados pelo reconfortante e patusco selo do “very typical”.
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Gonçalo Duarte Gomes
26/1/2021 17:42:10
Na circunstância, a imagem escolhida é apenas por afinidade de tema e geográfica, sem com ela pretender estabelecer qualquer relação causal, ou insinuar qualquer negócio associado. O qual, a haver, desde que cumprindo as regras vigentes, será totalmente legítimo, note-se!
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