Por Sara Luz
Quando o “a favor” e o “contra” a legalização da eutanásia se encontram num bar sabemos o que sucede: o primeiro teima que o segundo está errado, e o inverso também acontece. Isto, claro, durante horas de palanfrório. O “a favor” defende a legalização da eutanásia com base no direito à liberdade individual. O “contra”, por sua vez, opõe-se à supremacia do direito à liberdade individual em detrimento do direito à vida, juntando às suas convicções pessoais outras de ordem deontológica e/ou religiosa. No final, sabemos que o nível de profundidade da discussão não irá muito além, mas também pouco importa ou não estivessem eles simplesmente à conversa num bar. Outra coisa seria de esperar quando o “favor” e o “contra” a legalização da eutanásia se encontram no parlamento. Dar uso à voz do povo para legislar à pressa sobre uma matéria tão fraturante, que nem sequer constava nos programas eleitorais dos partidos (à exceção do PAN), é no mínimo ultrajante. Depois, à boa moda da política portuguesa, não faltou espaço para o voto servir de arremesso político o que por si só é repugnante. Para começar deveriam ter sido realizadas/incentivadas discussões prévias no seio da sociedade civil com o objetivo de se refletir profundamente sobre a eutanásia, o que poderia ter ajudado a perceber o entendimento existente sobre o assunto, a desmistificar constructos sociais e a percecionar se essa seria uma escolha livre de condicionamentos ou dependente de fatores, como sejam a distanásia que se pratica nos serviços de saúde, a falta de acesso a cuidados de saúde em tempo útil, em segurança e com qualidade, a falta de apoio social e/ou familiar, entre tantos outros. O debate poderia ser, igualmente, facilitador da compreensão de que em matérias desta natureza e complexidade importa legislar independentemente do número de pessoas que possam beneficiar da mesma. Primeiro, porque a eutanásia a ser realizada é com base numa escolha livre, individual e esclarecida. Segundo, porque aos profissionais de saúde também lhes assiste o direito à liberdade em praticar ou não a eutanásia, podendo invocar objeção de consciência se assim o entenderem. Depois, quem sabe, uma campanha de grande alcance sobre o testamento vital, talvez com o mesmo vigor que a do consumo de sal/açúcar ou a do combate aos incêndios, pois são apenas cerca de 20 a 30.000 os portugueses que até ao momento subscreveram o documento. Por último, e porque agora de repente as sugestões já parecem ser muitas, referir que numa próxima seria prudente não desvalorizar a rampa deslizante, nem tampouco fazer disso um bicho papão, isto porque importa mais consciencializar do que manipular. Talvez aqui relembrar que, por exemplo, no caso do aborto ele é hoje utilizado como método contracetivo, extrapolando as circunstâncias para as quais se previu a despenalização. Portanto, sim, importa refletir, questionar, informar, …, e consciencializar antes de legislar! “Brilhante, brilhante” é no nosso país verificar-se exatamente o oposto e, portanto, não é de admirar o número consistente de manifestos “contra”. Interessa agora saber se existirá espaço para o debate até que a legalização da eutanásia torne a fazer parte da agenda do dia. Sim, porque esta é matéria que mais tarde ou mais cedo irá voltar e o marasmo pós-votação é demasiado notório e perturbante para quem acompanhou os acontecimentos da última semana. Por cá a sul, continuaremos a fazer o nosso papel: “a refletir, discutir e ser mais plurais do que consensuais!” (http://www.lugaraosul.pt/entrada/lugar-ao-sul-na-sic-noticias-para-falar-sobre-eutanasia).
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