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Quando eu, Algarve, em vós os olhos ponho

15/3/2019

2 Comments

 
Por Gonçalo Duarte Gomes

Sá de Miranda, poeta português nascido no Século XV, escreveu:
Quando eu, senhora, em vós os olhos ponho,
e vejo o que não vi nunca, nem cri
que houvesse cá, recolhe-se a alma a si
e vou tresvaliando, como em sonho.
Isto passado, quando me desponho,
e me quero afirmar se foi assi,
pasmado e duvidoso do que vi,
m’espanto às vezes, outras m’avergonho.
Que, tornando ante vós, senhora, tal,
quando m’era mister tant’ outr’ ajuda,
de que me valerei, se alma não val?
Esperando por ela que me acuda,
e não me acode, e está cuidando em al,
afronta o coração, a língua é muda.
​O Algarve tem mais ou menos o efeito da lírica senhora a que o poema se reporta, causando desvario e a perda de chão. Concretamente ao nível das intenções imobiliárias associadas ao turismo.
​
Numa semana marcada por mais uma exibição épica de Cristiano Ronaldo, o seu feito de pôr a bola onde põe os olhinhos empalidece face à capacidade que certos patos-bravos demonstraram até hoje de, onde poisaram a vista, assentarem betão em monte.
Imagem
Impresso em Aglomerado de cortiça - Edição Foto Isidoro, Lisboa - SD - Dim. 14,9x10 cm - Col. A. Monge da Silva.
Bem a propósito de olhares, foi ontem lançado na Bolsa de Turismo de Lisboa o já antes anunciado Observatório para o Turismo Sustentável, uma iniciativa da Região de Turismo, em parceria com a Universidade do Algarve e a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve.

Preferia um Observatório da Paisagem, mais transversal e não espartilhado ou subjugado pelo Turismo, mas enfim...

De entre vários objectivos anunciados para esta ferramenta de suporte à decisão, destaco o de estudar, analisar e monitorizar o desempenho turístico da região em termos da sustentabilidade económica, social e ambiental, bem como o de dotar a RTA de conhecimento detalhado sobre a região para apoio à definição estratégica, numa lógica de assentar a competitividade turística na preservação e a valorização da identidade, património e valores locais.

A ideia é boa, principalmente porque pretende ser proactiva e não meramente reactiva.  Ao ponto de pretender condicionar o avanço de ideias e projectos.

Parece no entanto surgir com umas décadas de atraso, pois boa parte dos erros, se não mesmo a maior, já foi cometida. E a vontade de continuar a cometê-los é imensa. "Progresso" é, ainda e apesar de tudo, betão, gruas no horizonte e asfalto para muita gente.

Entretanto, extremos que se tocam têm animado e polarizado a discussão regional em torno de construção de paisagem.

Refiro-me, em concreto, à decisão administrativa tomada pelo Município de Loulé, de implementar medidas preventivas, suspendendo parcialmente o seu Plano Director Municipal para inviabilizar a densificação da edificação num sector junto à sua linha costeira, como parte de uma estratégia territorial de adaptação às alterações climáticas. Ao mesmo tempo, em Portimão discute-se a materialização de um plano que viabiliza o avanço da ocupação litoral, com a construção de novas unidades hoteleiras na proximidade de arribas, para valorização de um turismo de qualidade devidamente enquadrado e articulado com as componentes paisagísticas e naturais existentes.

O ponto comum entre estas duas opções – não obstante a reserva a que obriga o facto do desfecho de ambas estar ainda em aberto – é a sua arbitrariedade, porque desgarradas de uma integração num âmbito mais abrangente.

Em jeito de declaração prévia de interesses, sempre direi que prefiro o "remendo" de ordenamento territorial a mais um mono na costa.

Ainda assim, no caso de Loulé, a crítica óbvia prende-se com a adopção de uma medida desta natureza sem que a revisão do respectivo Plano Director Municipal – sede própria para a inscrição estruturada e integrada de uma nova visão de gestão territorial – tenha sido concluída (ainda para mais tendo em conta que tempo é coisa que não faltou). Em Portimão, inverso voluntarismo, com mais unidades hoteleiras a nascerem em zonas ecologicamente sensíveis, fruto apenas da imaginação do promotor, e não de uma necessidade premente.

Aliás, no Algarve, um olhar isento rapidamente identificará uma lacuna basilar em termos de ordenamento da paisagem: a total ausência de estratégia ou modelo territorial.

Ou melhor, até existe. Mas a fazer o pino.

Isto porque o processo de desenho (vá, esboço rabiscado à pressa num guardanapo) do modelo territorial não é baseado nas aptidões e potencialidades da região, mas antes martelado para legitimar dois objectivos pré-estabelecidos: edificação e turismo, num formato em que não se percebe onde acaba a especulação imobiliária e começa a actividade turística propriamente dita.

E num paradigma em que aparentemente a edificação permitida é obrigatória, transformando planos em gestão, e não em instrumentos ao serviço da mesma. Na acção política, para além das leis – excepto, obviamente, nos casos de proibições e impedimentos – deve pesar... a política. É por isso que o facto da lei permitir, não obriga. A previsão de possibilidade no campo administrativo abre portas à decisão política, de gestão, em dois sentidos: viabilizar ou inviabilizar, consoante a visão e o modelo territorial a implementar.

No Algarve, o hábito do exercício especulativo é tal, que já não funcionamos fora dele, e quando um promotor diz "quero", limitamo-nos a perguntar "onde" e/ou "quando".  Mesmo que o promotor seja herdeiro do GES, cujas manigâncias tão bom resultado deram num passado recente, territorial, económica e financeiramente...

Nesse capítulo, importa que a sociedade se envolva activamente em tais discussões, ajudando a definir modelos e a construir as políticas de ordenamento. Para tal deve participar, informando-se com factos (esqueçam lá fotomontagens de hotéis gigantescos sobre arribas, quais King Kongs da estupidificação do debate, ainda que bem-intencionada), ponderando interesses particulares com Interesse Público, avaliando capacidades de carga e também, claramente, manifestando estados de alma e desejos emocionais perante as suas paisagens - não somos ainda, felizmente, autómatos!

Em tempos as Organizações Não Governamentais de Ambiente foram ajudas preciosas, apoiando a desencriptação das pilhas de informação constantes de estudos, planos e projectos. Mas, com o aumento dramático das solicitações e com o seu progressivo enfraquecimento - muitas evoluíram no sentido de autênticas PME de gestão de projectos/agências de emprego e de carreiras académicas/incubadoras de candidaturas, comercialmente desleais, divergindo da sua matriz cívica, enquanto todas sofreram com a redução do envolvimento de voluntários - o desafio da participação desequilibrou-se ainda mais.

​Mas continua a ser fundamental.

Mas, justiça seja feita, o Algarve até parece estar a dar sinais claros de melhoria, bastando lembrar a “jurisprudência” introduzida pela decisão recente, em Dezembro de 2018, quando a CCDR-Algarve emitiu DIA desfavorável a um loteamento turístico em contexto análogo ao agora discutido em Portimão, fundamentada pela "não integração no padrão de ocupação do solo e do relevante aumento da pressão humana sobre este importante e sensível troço costeiro", de esgotamento da "capacidade de carga das praias, face aos actuais padrões de procura" e "importantes impactes negativos decorrentes da forte intrusão visual que o empreendimento iria provocar numa das zonas do Algarve que preserva os traços originais da paisagem costeira regional, cuja artificialização não se afigura justificada e cuja preservação se impõe" face às actuais "exigências ambientais e climáticas”.

Esperemos que este recém-criado Observatório possa contribuir para o acentuar desta tendência.
2 Comments
Miguel
15/3/2019 14:30:49

"Preferia um Observatório da Paisagem, mais transversal e não espartilhado ou subjugado pelo Turismo" - Não teria dito melhor caro Gonçalo, e no dia de hoje em que jovens bem jovens, se levantam com esperança, alguma ingenuidade que é força motriz e sobretudo com muita razão contra a destruição inexorável do planeta, a sua publicação foi certeira no que ao Algarve diz respeito, região que é e será ainda mais afectada pela degradação ambiental.
Costumo dizer que o Algarve litoral, exceptuando a costa vicentina está perdido em termos paisagísticos e severamente afectado em termos ambientais, fruto da politica do betão, legitimadora de um certo tipo de turismo que nas doses em que foi promovido obviamente que seria insustentável colocando em perigo a região, antes disso já a rápida degradação do espaço visual começava com edifícios desfasados, autênticas selvas urbanas horríveis visualmente potenciado este horror pela usual falta de espaços verdes e pela degradação dos mesmos quando existentes ou desadequação usando espécies tropicais, que podendo estar adaptadas às condições, esteticamente são um erro.
O associativismo terá penso eu, um papel preponderante no ordenamento actual e futuro do Algarve, pois potenciando estudos, mobilizando as pessoas fazendo enfim, o que referiu, criará redes de pressão e informação mais generalizadas que são das poucas formas que os cidadãos têm de escrutinar a acção politica.
Mas se me permite, tudo isto tem causas que bem conhecemos, mais profundas que saem do âmbito regional e entram no da politica nacional, com os mesmos actores de sempre ora reciclados ora reabilitados, com as mesmas estruturas partidárias que graças - e devido - à rotatividade eleitoral criaram e têm de manter redes de clientelas imensas e profundas, verdadeiros salvo conduto quando a coisa eleitoralmente não corre bem, até esta questão ser entendida pela população, gira o disco e toca o mesmo i'm afraid...

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Gonçalo Duarte Gomes
15/3/2019 16:11:50

Caro Miguel,
De facto, o Algarve não é a origem dos males estruturais que originam os actuais desequilíbrios. Mas, por ser uma região económica, política e socialmente mais frágil, é onde se manifestam com maior incidência - e monotonia, acrescentaria.
Nem mesmo o lado altamente positivo do turismo (o contacto com outras realidades culturais, a dimensão cosmopolita, etc.) conseguiu, ao fim de décadas, quebrar o marasmo cívico da região. Mas (muito) lentamente as coisas vão mudando. Socialmente, institucionalmente. Será a esses rasgos de esperança que nos devemos agarrar.

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