![]() Por Anabela Afonso A tragédia humana é algo que qualquer pessoa normal espera que nunca lhe bata à porta. De cada vez que vemos nos ecrãs de televisão, ou nos suportes em que lemos as notícias do dia, relatos como os dos incêndios do ano passado, ou como o da pedreira de Borba, é sempre muito difícil colocarmo-nos do lugar dos que perdem entes queridos de forma tão trágica. E é inevitável não sentirmos um desejo intenso de que nunca nos tenhamos que confrontar com nada idêntico. O país indigna-se – e bem! - de cada vez que se conhece uma dessas tragédias. Revoltamo-nos, escrevemos, exigimos medidas, mudança. Porque um país não deixa morrer os seus assim. Por inércia, incompetência, falta de prevenção, de fiscalização ou de regulação. Os responsáveis desdobram-se em comunicados, os especialistas desmultiplicam-se em esclarecimentos e comentários especializados, meio país se mobiliza e se compromete com a mudança para que nada parecido se repetida. Parece que, em muitos casos, é preciso que a tragédia aconteça para se olhar de frente para os problemas e, pelo menos, começar o caminho da sua resolução, ainda que o processo seja longo e a solução possa não estar ao virar da esquina, como quase nunca está. Mas há problemas e situações para os quais parece não haver tragédia que mobilize este país. Há pessoas a quem nem as tragédias idênticas ocorridas tantas vezes no passado, lhes conseguirá salvar a vida. Nem que a mesma tragédia aconteça, ano após ano, ceifando vidas às dezenas. Segundo o relatório intercalar de 2018 do Observatório das Mulheres Assassinadas, até final de junho deste ano, a ANGELINA, a CÉU, a MARGARIDA, a MARÍLIA, a VERA, a SILVIANA, a NÉLIA, a MARIA, a ALBERTINA, a MARIA DE LURDES, a ANA, a ARMINDA, a MARGARIDA C., a ETELVINA, a OLGA e a NI foram assassinadas por alguém do seu mais íntimo circulo familiar. Os últimos dados indicam que ao todo, até ao dia de hoje, já foram assassinadas em Portugal 24 mulheres, sem contar com as 16 que conseguiram escapar a uma tentativa de homicídio. Quando ainda falta cerca de um mês para o ano acabar, já há mais 4 mulheres assassinadas em 2018 do que em todo o ano de 2017. Por cada mulher destas que matam no contexto em que ela se deveria sentir mais segura, há dezenas, centenas, talvez, que todos os dias devem olhar a morte de frente; acordam com ela de manhã, preparam-lhe o pequeno almoço, o almoço e o jantar, lavam-lhe a roupa, e provavelmente fazem amor com ela, sem nunca saber, qual o dia em que ela dará o seu golpe final. Se isto não é uma tragédia nacional a precisar ser olhada de frente, eu não sei o que será!
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