Por Luís Coelho A proposta de Orçamento do Estado (OE) está a ser debatida na especialidade pela Assembleia da República. Visto deste lado, o documento apresentado pelo Governo PS parece não ajudar a resolver os grandes problemas estruturais (e.g., demografia, déficit de produtividade e impacto das alterações climáticas) e conjunturais do País (e.g., Serviço Nacional de Saúde, limitações do mercado de arredamento/imobiliário, degradação da infraestrutura nacional) mas trás consigo uma super notícia: pela primeira vez em democracia Portugal perspectiva um excedente no seu saldo orçamental. A importância desta notícia não pode ser subestimada. Dados reportados pela Pordata mostram que, em 2019, a dívida bruta das Administrações públicas em Portugal ascendia a 251,569,000,000 euros (sim, são 251 mil milhões de euros), i.e., uma B R U T A L I D A D E, a qual ameaça o nosso presente e, sobretudo, o nosso futuro. Se é bem verdade que no curto-prazo as tensões sobre a sustentabilidade desta dívida parecem estar minimizadas (efeito da política implementada pelo Banco Central Europeu e, até um certo ponto, da acção de Mário Centeno à frente do Ministério das Finanças), a verdade é que este nível de endividamento coloca uma pressão inaceitável sobre as gerações mais jovens (e as vindouras). De facto, num País que não dispõe de política monetária própria – como é o nosso caso – só é possível pagar a dívida pública com base na cobrança de impostos pelo que, de forma simples, podemos dizer que a dívida de hoje transformar-se-á, seguramente, em impostos futuros. Neste contexto, um mecanismo de “solidariedade geracional” só faz sentido quando a dívida pública é economicamente interessante, i.e., capaz de fomentar crescimento futuro que recompense o esforço que será pedido às próximas gerações. Ora, com níveis de crescimento do Produto que não chegam aos 2%/ano no melhor dos cenários dificilmente se pode argumentar que o endividamento do País nos deve deixar em êxtase.
É neste contexto que a existência de um superavit das contas públicas é uma boa notícia do ponto de vista macroeconómico. Desde logo porque acaba com a espiral de endividamento que Portugal tem vindo (despreocupadamente, diria eu) a conhecer desde que somos democracia. Depois credibiliza o discurso interno no seio da comunidade internacional, algo especialmente importante para os mercados financeiros. Muitos não entendem (ou não querem entender) a razão pela qual temos de nos preocupar com este assunto. No entanto, a dura realidade é que os mercados financeiros são uma peça-chave do funcionamento da economia global, assegurando que Países e empresas acedem ao dinheiro de que necessitam. Quando um país deficitário do ponto de vista orçamental entra em descrédito a consequência é simples: os juros da dívida pública sobem e, em casos extremos, deixa mesmo de ter financiamento. Foi exactamente isso que nos aconteceu em 2011, momento triste da nossa história em que o País faliu, sendo este um ano que devemos ter sempre presente na nossa memória. O último argumento forte em defesa do excedente das contas públicas é técnico mas pode ser explicado de forma simples: o superavit dá espaço de manobra ao País. Este é um tema extensamente abordado nos manuais de finanças públicas mas esquecido pelos sucessivos (des)“governantes” cá do burgo. Em particular, no curto-prazo, déficits devem acudir a momentos de recessão tendo depois de ser compensados por superavits quando há crescimento económico. No longo-prazo, é este o jogo que possibilita o equilíbrio macroeconómico do País em matéria de contas públicas, algo que qualquer governante que se preze deve sempre almejar. Os argumentos supracitados explicam a razão pela qual apelido de super notícia o facto do OE perspectivar um superavit em 2020. Deixo apenas duas reservas. A primeira prende-se com o facto da consolidação orçamental ter por base o lado da receita, a qual aumenta por via do “crescimento” económico antecipado. Em tese, preferiria um superavit mais baixo se tal resultasse numa redução dos impostos que fomentasse o aumento da competitividade/produtividade da economia nacional. A segunda define-se em torno do reforço do investimento público, o qual tem registado níveis bastante abaixo do que seria desejável (2 mil milhões de euros em 2018 ou apenas 4% da despesa total do Estado nesse ano). Em particular, em tese, também estaria disponível para sacrificar um pouco do superavit em troca de bom investimento público, i.e., aquele que permita criar riqueza no futuro e, por isso mesmo, não sirva simplesmente para aumentar a factura a pagar pelas gerações futuras.
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