Por Gonçalo Duarte Gomes No próximo Domingo, dia 11 de Abril de 2021, um conjunto de cidadãos, preocupados com as tendências de evolução da paisagem algarvia e, concretamente, com o seu distanciamento relativamente a uma matriz que era, na sua essência, mediterrânica, "reunirá" (virtualmente, em distanciamento físico, mas nunca social) para sobre esse tema conversar. Em jeito de contributo, partilho a conclusão da minha participação no II Congresso Internacional "Arquitectura Tradicional no Mediterrâneo Ocidental", realizado há pouco menos de um ano, em Mértola. Nessa ocasião, perguntava precisamente se pode o Mediterrâneo salvar o Mundo. E mantenho a pergunta, acrescentando se, de caminho, não salva também o Algarve. O património mediterrânico está hoje em rápida erosão. “O desaparecimento das casas regionais (...) é também mais um aspecto desse movimento geral de nivelamento que caracteriza a nossa época, corolário fatal da industrialização, que marca o apagar de valores afectivos essenciais e da fascinante diversidade do mundo – o fim dum humanismo que foi uma filosofia da vida” (Oliveira & Galhano, 2003, p. 374), ao mesmo tempo que “está em curso, desde há algum tempo a esta parte, uma destruição sistemática dos sistemas tradicionais (...) fenómeno (...) promotor de uma profunda descaracterização da paisagem tradicional (...), concretamente da sua identificação com o cunho mediterrânico” (Duarte Gomes, 2017). A vida moderna, obcecada com eficiência e velocidade (as distâncias medem-se em tempo, não em quilómetros) condena à morte as aldeias “alcandoradas e tranquilas, que se alcançam por caminhos em torcicolos, quando não em escadarias” (Ribeiro, 2011, p. 139), pois o primado do automóvel não se compadece de caminhos de gente, burros e bois. A crítica encerrada na reflexão de Paul Virilio, que através da sua “ecologia cinzenta” ataca a poluição da Natureza-Grandeza que degrada as distâncias e as durações do tempo, assentaria perfeitamente numa defesa da mediterraneidade: “o mundo encolheu-se, encolheu-se terrivelmente, já não viajamos, deslocamo-nos” (Virilio, 2000, p. 92). Porque o Mediterrâneo conflitua, desfasando-se, com o mundo contemporâneo: “educado no respeito de muito antigos valores de civilização, o Mediterrâneo não sacrifica incondicionalmente ao tempo, ao dinheiro, à eficiência – os três grandes ídolos do mundo moderno – a razão da sua vida” (Ribeiro, 2011, p. 30). Analisada em profundidade, esta essência mediterrânica, lenta e ineficiente, mas telúrica e humanista, fornece respostas e mecanismos eficazes para desafios contemporâneos, que questionam os modelos de crescimento infinito num mundo de recursos finitos. As suas características vão mesmo ao encontro dos princípios do decrescimento (Latouche, 2020), de entre os quais se destacam os valores da partilha e cooperação, a adaptação dos aparelhos produtivos às condicionantes do meio e o reduzido desperdício. Para que a arquitectura de paisagem e a arquitectura de edificado possam contribuir para o sanar deste conflito, devem obrigatoriamente respeitar o ethos mediterrânico, (re)interpretando-o e (re)desenhando-o no tempo actual. Recuperando, nos modelos de paisagem e de casa, os princípios do nível mínimo de energia e o respeito pelos recursos e seus limites, explorados com parcimónia, que o habitar mediterrânico adopta. Recuperando o respeito pela escassez e valor da terra, algo que contrasta com a contemporânea displicência na gestão do espaço e do solo, sem os compreender como reserva estratégica de fertilidade e capacidade produtiva, não aumentável por mera vontade. Recuperando e reacendendo talvez o farol de humanidade que a cultura mediterrânica representou durante tanto tempo para a Europa – que fundou e educou – e para o Mundo, e a cujo eclipse não será certamente alheia a periclitância da União Europeia. Recuperando o fundamento do próprio sucesso da mediterraneidade. Bibliografia
Duarte Gomes, G. (2017) ‘O Algarve arrancado pela raiz’, Sul Informação, 2 Agosto. Disponível em: https://www.sulinformacao.pt/2017/08/o-algarve-arrancado-pela-raiz/ (acedido: 22 Maio 2020). Latouche, S. (2020). Pequeno Tratado do Decrescimento Sereno. Lisboa: Edições 70. Ribeiro, O. (2011). Mediterrâneo. Ambiente e Tradição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Veiga de Oliveira, E., & Galhano, F. (2003). Arquitectura Tradicional Portuguesa. Lisboa: Publicações Dom Quixote. Virilio, P. (2000). A velocidade de libertação. Lisboa: Relógio D’Água Editores.
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