Por Gonçalo Duarte Gomes No passado Sábado, o Dinis Faísca escrevia aqui no Lugar ao Sul, e muito bem, que o Algarve precisa de uma SuperNanny do demo, que ensine a região a comportar-se mal e a rebelar-se contra o desprezo a que é votada pelo “umbiguismo” centralista do poder decisório nacional, deixando de ser choninhas. No entanto, trocaram-nos as voltas com as personagens de ficção, e em vez de uma ama desviante, enviaram-nos o Avô Cantigas. Pior. Enviaram-nos o Avô Cantigas com um repertório cheio de cantilenas para prospectar e explorar hidrocarbonetos… Um dos maiores problemas no Algarve é que passamos a vida a reagir. Mas raramente agimos.
No Lugar ao Sul batemos muitas vezes nessa tecla, e de facto, a ausência de um rumo sério na condução da região, associada à profunda prostituição dos valores identitários da mesma a troco daquilo que em termos estratégicos se revela ser patacos, aniquila a sua representatividade e credibilidade. Nessa acefalia, fica à mercê de arrivismos diversos, aventuras delirantes e outras tropelias que tais, de que resulta invariavelmente uma mão cheia de nada. Ou antes, algumas migalhas em algumas mãos – repetitivas – que não dão para alimentar pardais, quanto mais uma região desenvolvida. Em consequência disso, em vez de trabalharmos de forma coerente e organizada para a concretização de um qualquer objectivo comum para a região, andamos sempre a correr atrás do prejuízo, condicionados ao que qualquer bicho-careta se lembre de despejar para aqui. A aversão a um pensamento estratégico e devidamente organizado é de tal ordem, que o Algarve não tem um único Plano Director Municipal revisto. E vive muito feliz com isso. Considerando que a maioria dos PDM originais são de meados da década de 1990, é como estar a tentar instalar uma aplicação num smartphone de última geração recorrendo a disquetes de 5”1/4. Um mimo, senhores e senhoras. Ora estas coisas, parecendo que não, pagam-se. E caro. Porque quando não nos respeitamos, nem respeitamos a nossa casa, não nos podemos admirar que outros nos sigam o exemplo. Por casa, leiam-se casas. 16, para ser mais preciso. Porque continuamos a preferir ser uma justaposição de 16 concelhos – cada um rodeado pelos seus valados, que ninguém está realmente disposto a deitar abaixo – a ser uma verdadeira região. Só assim se explica a ausência de uma diferenciação integrada dos municípios naquilo que é por demais assumido como uma rede complementar. Todos querem ser tudo, acabando por não ser coisa nenhuma. Este é o maior contra-senso do Algarve. Um resultado imediato desta falta de amor e respeito próprio que a região ostenta é a sensação generalizada que se instala no restante País (e mais além) de que é razoavelmente confortável e praticamente impune toda a desconsideração ou escárnio pelo Algarve, bem como todo o exercício de exploração sem contra-partida. Desde logo porque em qualquer altura bastará invocar o santo nome do Turismo para amansar qualquer centelha de brio regional, relembrando aos nativos a sua natural e sortuda condição de camareiros, sopeiras e jardineiros, algo que é obedientemente aceite. Não porque aos outros mova qualquer má vontade ou animosidade particular face à região. Toda a gente gosta disto, mas olhando para o que por aqui fazemos, desde a rebaldaria da edificação a granel até ao abandono da Serra, passando pela desvirtuação da paisagem, a gestão da água ou a anarquia das ilhas-barreira, simplesmente não conseguem identificar qualquer razão para proceder de forma diferente. É um pouco neste comprimento de onda que assistimos, por exemplo, ao avanço paulatino da prospecção (e potencial exploração) de hidrocarbonetos ao largo da Costa Vicentina. Um progresso lento, mas paciente. E contínuo, apoiado pela conversa mole do Governo nesta matéria, com ampla cobertura da oposição e da pseudo-oposição (a tal que vota favoravelmente decisões que depois vem rapidamente classificar como absurdas ou até ofensivas). No fundo, é o equivalente político daqueles serviços de apoio ao cliente que apenas se entretêm a chutar as pessoas de um lado para o outro, dando-lhes música – figurativa e literal – sem dizer nada de substancial, enquanto gerem apenas os seus interesses (nisto deixo a sádica recomendação para que experimentem o inenarrável serviço e pós-serviço de vendas online da Worten). O mais recente episódio desta novela consiste na decisão do Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, em prolongar o contrato de pesquisa de petróleo do consórcio Eni/Galp até final de 2018, com base numas explicações meio trapalhonas. Mesmo com as dezenas de milhares de participações populares contra, mesmo com providências cautelares interpostas por entidades particulares e públicas, mesmo com manifestações regionais esmagadoramente contra, mesmo em contra-ciclo com a evolução dos paradigmas energéticos, mesmo em contradição do discurso de descarbonização da economia nacional. Prevalece sempre a ideia de que no Algarve, tudo é possível. Ou isso, ou é já uma ajuda para o Carnaval que se aproxima. É que assim, ao menos os Cabeçudos já estão prontos.
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