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Pecado (da) capital

5/5/2017

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Por Gonçalo Duarte Gomes

Pese embora a aparente inspiração litúrgica do título, não, não vou falar de um certo terço gigante que por aí penduraram, e por maioria de razões. Em primeiro lugar porque a aparecida teve mau gosto e não deu o ar de sua graça no Algarve, em segundo lugar porque o governamental dia santo é de hoje a uma semana e, finalmente, porque já chega de malta que anda por aí a copiar os outros.

Se escrevo este segundo parágrafo é bom sinal, pois quer dizer que nem fui fulminado por um raio de divina indignação nem a Joana Vasconcelos se sentou em cima de mim. Que posso dizer? Sou um gajo com sorte.

Do mesmo não se pode gabar Faro. Seja por uma cruel partida dos deuses ou um bizarro lote de terrenas e bem humanas más opções urbanísticas, a capital do Algarve é perseguida por uma terrível maldição: a do mamarracho.
Imagem
Desenho de Fernando Silva Grade, que serve de cartaz ao debate "Não à destruição do património arquitectónico de Faro"
Primeiro ponto prévio: as cidades evoluem, e cada tempo deve naturalmente deixar as suas marcas nesse processo de mutação. Não é então a mudança que está em causa, até porque não partilho de qualquer concepção urbanística assente no imobilismo ou na estagnação – e edifícios em ruínas, por interessantes que sejam, não são solução. No entanto, há valores basilares cuja preservação deve ser acautelada, como pilares de identidade sobre os quais se vai construindo a imagem da cidade. 

​Segundo ponto prévio: Faro interessa aqui como exemplo-tipo, e não como uma Sodoma ou Gomorra urbanística. A capital dá o mote, mas o resto da região não lhe fica atrás – a exemplo do resto do País, já agora. Por isso, relativize-se a endemoninhação, porque, ainda que a diferentes escalas e de diferentes formas, telhados de vidro é o que não falta por aí…

Dito isto, libertemos o trolha que há em nós, e vamos lá falar de obras.

Aqui neste Lugar já discorri em tempos sobre o nada elogioso título que há coisa de vinte, vinte e poucos anos, se colava à cidade de Faro: capital do mamarracho.

Pois bem, passados todos estes anos, após um período de acalmia, de alguns sinais muito positivos, e em pleno Séc. XXI, numa altura de propalada sensibilidade cívica e política para a importância da conservação do património e preservação da identidade dos núcleos urbanos, parece voltar a ser necessário andar com o coração nas mãos relativamente à gestão urbanística, pois parece haver, entre os nossos decisores, mais adeptos da cidade genérica de Rem Koolhaas do que da Carta de Atenas.

Só assim se explica a borracha que está a ser passada na memória e identidade arquitectónica da capital do Algarve, destruindo edifícios e conjuntos arquitectónicos de valor - mesmo que vernacular ou relativo - para em seu lugar implantar outros que, sem prejuízo da sua qualidade, não compensam o que se perde no processo. E, desde quarteirões inteiros cuja leitura de conjunto é pulverizada e descaracterizada, a ruas esmagadas por cérceas abusivas, passando por alterações de uso geradoras de acelerada gentrificação, há muito por onde escolher.

Há quem goste de apontar o dedo aos “malandros” dos promotores. Até poderão ser o anticristo em forma de gente, mas, no limite, é apenas malta que está a fazer pela vida, tentando alcançar as suas metas pessoais e empresariais. Os autores dos novos projectos, idem. Bons ou maus, todos dependem de um mercado exíguo e selvagem, em que o traço criativo é condicionado pelo programa que o cliente estabelece, ou libertado pelo limbo que a indefinição permite. Os arquitectos, como todos os restantes “sóices” desta vida, também procuram pagar as contas ao fim do mês, fazendo o melhor que podem e sabem, com a matéria-prima e ferramentas que lhes disponibilizam.

Resta portanto à Administração Pública, nos seus diferentes níveis, o papel de árbitro nesta contenda equilibrista entre interesses particulares e interesse público, o que torna os decisores a peça chave deste puzzle. Compete-lhes afirmação e... decisão política, com sentido crítico, e não um mero encolher de ombros, assistindo impávidos e serenos a toda a sorte de bizarria urbanística, acenando placidamente com o cumprimento da totalidade dos requisitos legais.

Se a gestão urbanística fosse apenas questão de verificação de um rol de parâmetros regulamentares, não seriam necessários técnicos nas autarquias, e muito menos decisores, bastando uma qualquer maquineta com capacidade de conferência e de cobrança de emolumentos, e poupava-se tempo, dinheiro e polémica.

Felizmente não é assim, e o processo ainda tem interferência de gente, destinada a garantir não apenas a integridade técnica das propostas de urbanização e edificação, mas também a sua integração e ponderação numa determinada lógica e estratégia urbanística. É para isso que existe o regime jurídico da urbanização e edificação (RJUE), o regulamento geral das edificações urbanas (RGEU) e os instrumentos de gestão territorial (IGT), principalmente os de âmbito municipal. Este conjunto articulado e subsidiário de ferramentas regulamentares dota os decisores dos necessários instrumentos para uma adequada gestão urbanística, com a inerente margem de livre decisão e poder decisório, desde que justa, equitativa e técnica e legalmente alicerçada, o que é de resto uma das prerrogativas do mandato que lhes é conferido aquando da eleição.

Se os municípios não se dotaram de tais ferramentas, ou não as adequaram às reais necessidades de gestão, é também sobre os decisores que recai a responsabilidade. Tempo e meios para o fazer não faltaram. E, antes que se comecem a afiar facas partidárias, ainda para mais na aproximação a eleições autárquicas, importa dizer que tanto são responsáveis os executivos como as oposições, que frequentemente, por nada mais que guerrinhas de cor, interesses mesquinhos e agendas pessoais, inviabilizam aprovações e/ou alterações de instrumentos regulamentares. E depois, se há tema em que estas tribos fumam todas do mesmo cachimbo, é este. Em todo o espectro cromático da partidarite nacional, o que não faltam é exemplos de autarcas, actuais ou passados, arredados ou novamente candidatos, pródigos em omissão urbanística ou naquela acção que nos deixa a desejar que, aí sim, se tivessem eclipsado.

Mas também, com um esquema de financiamento das autarquias ainda altamente dependente do betão, com “políticos profissionais” completamente subordinados aos concursos de popularidade dos ciclos eleitorais e um financiamento partidário alimentado por tudo o que rodeia estes pequenos pecadilhos, desde empresas de construção civil a bancos…  

Preocupada com estas questões, a sociedade civil de Faro organizou um debate para logo à noite, pelas 21:30h, no Club Farense. Intitulado “Não à destruição do património arquitectónico de Faro”, pretende abordar e discutir o que se anda a fazer no urbanismo farense e, talvez ainda mais importante, perceber o que se pode esperar no futuro para a cidade. 

Se é um debate aquilo que se pretende – e não terapia de grupo – é fundamental, desde logo, que se abram as mentes, permitindo que se cheguem à frente, sem estigmas, aqueles que defendem a corrente de obliteração do passado, e que estes se apresentem sem tretas politicamente correctas. É importante ouvi-los, mesmo que deles se discorde em absoluto, pois um primeiro passo para a resolução de um conflito – e é de um conflito que se trata – é o conhecimento e compreensão mútua dos objectivos de cada parte. Além disso, o contraditório obriga a exercitar a fundamentação. Não esqueçamos os maus resultados que as superioridades morais axiomáticas têm trazido nos últimos tempos...

Faro já trocou a cegonha enquanto símbolo por… coiso. Poderá até ser que haja agora uma surpresa, e, numa democrática expressão de vontade popular, a cidade se afirme perfeitamente identificada com o epíteto que referi anteriormente, trocando novamente de imagem, desta feita pela grua ou até, quem sabe, o dito mamarracho.

Ou então não.

Seja qual for o resultado, qualquer clarificação será útil, até para quebrar, num sentido ou noutro, aquilo a que se assiste em Faro, e que faz lembrar a comédia portuguesa "Gente fina é outra coisa". Nessa série dos anos 80 do século passado, uma família da velha burguesia, outrora rica, poderosa e influente, encontrava-se arruinada, vivendo na ilusória sombra de um passado grandioso, pretendendo manter as peneirentas aparências sem quaisquer recursos para o fazer. Vai daí, resolveram fazer uns trocos a alugar quartos da vetusta mas egrégia mansão de família, vendendo por charme e categoria o que na verdade não passava de meras teias de aranha e pó.

A grande diferença é que, ao contrário da caricata situação dos Penha Laredo, é cada vez mais difícil achar graça à realidade farense. 
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