Por Gonçalo Duarte Gomes Hoje faço anos. 40 anos. O que é que isso interessa? Nada. Mas, uma vez que me vejo privado de poder comemorar o simbolismo deste poker de décadas conforme gostaria e poderia (as pandemias são muito abusadoras), abro uma excepção para centrar hoje a prosa não tanto na mensagem, mas mais no mensageiro – que para lá deste momento único, é sempre o que menos interessa, a não ser como veículo. Diz-se que os 40 são os novos 20. Não obstante, para os nados em 1980, os 40 são, bem... os velhos 40. Ou seja, é altura de ouvir o Paco Bandeira a falar de ternura, começar a ver preços de automóveis descapotáveis, deixar crescer o cabelo de um dos lados para fazer uma tampa capilar e comentar de forma censória os comportamentos “da juventude de hoje em dia”. Para lá dos liftings e peelings etários, essa grande ditadora que é a estatística* indica que a esperança média de vida em Portugal situa-se nos 81 anos. Mas como homem sofre, vive menos. Assim, enquanto as mulheres beneficiam de uma simpática esperança média de vida de 83 anos, quem com elas tem que lidar – sem alternativa, pois sem elas também não se vive, por muitos anos que se acumule – apaga-se, em média, aos 78 anos. Como nestas coisas o centralismo também se faz sentir, viver no Algarve não ajuda, já que é na Área Metropolitana de Lisboa que mais se pode esperar viver, numa média que pode atingir os 85 anos – velhinhos very typical dão sempre jeito para entreter os turistas nos bairros da capital. Ditam então os números que o caminho que está pela frente é mais curto do que o percorrido. Constato o facto neutralmente, porque não me posso queixar. Em 1998, Portugal decidiu festejar o meu 18º aniversário e correspondente maioridade com a abertura de uma Exposição Universal dedicada, como não podia deixar de ser, a uma das principais forças motrizes do Planeta: os Oceanos. Achei um exagero, mas confesso que adorei. Uma década volvida, quando fiz 28 anos, foi a vez do plano divino se render às evidências: o Corpo de Deus assinalou também a carcaça do Gonçalo e aqui o menino teve feriado no dia de anos. Eu cá não sou de intrigas, mas se aos 28 anos Jesus Cristo foi baptizado, e nesta efeméride se comemora a transubstanciação... (vou só deixar isto aqui a pairar, para vossa reflexão) Desta feita, para assinalar os 40, esta loucura de fazer o Mundo quase parar. Correndo o risco de parecer ingrato, parece-me todo este conceito a tender para o desagradável. A sério, gente, não era preciso, até porque eu sou uma pessoa modesta. Em todo o caso, dou por mim a temer por vós daqui por 10 anos, quando se assinalar meio século de existência... mas sempre têm algum tempo para preparação. Apesar de todo este mimo, a verdade é que pertenço a uma geração cujas expectativas foram totalmente defraudadas. Desde logo, por um conjunto de promessas não cumpridas, que a imagem que se segue sintetiza na perfeição: Seguidamente porque, sendo fruto da mais fantástica década na História da Humanidade, e que tanto deu ao Mundo (a MTV, o Windows, o Prozac – muito por causa do anterior –, o Gameboy, os Metallica, o He-Man, os Caça-Fantasmas, O Império Contra-Ataca, os Goonies, o Blade Runner) e a Portugal (o Vitinho, o Multibanco, a CEE, o Variações, os Heróis do Mar, chumaços, perneiras, bandanas, os Ministars – ok, admito que isto não adivinhava nada de bom –, os Amigos de Gaspar e o guarda Serôdio, penteados horríveis, os Sétima Legião, bigodes épicos), acreditava num futuro de possibilidades infinitas. Que também tardam em concretizar-se. Mas, ainda que muitos sonhos permaneçam por alcançar, e alguma nostalgia se possa instalar, se há coisa que os anos 80 nos ensinaram, é que tudo pode mudar e muda efectivamente, com a realidade a superar sempre a ficção. Umas vezes para melhor, outras para pior... E é por isso que, nas imortais palavras dos Journey, nunca devemos parar de acreditar. E de lutar por aquilo em que acreditamos. Assim, nestes tempos de desejável reinvenção, recuperemos a inocência sonhadora dos 80's, e a capacidade e predisposição para o espanto e o deslumbramento, independentemente da idade e da estatística, utilizando-os como matéria-prima para a construção do futuro. Talvez dessa forma a paz mundial e o fim da fome cheguem finalmente nos próximos 40 – perdão, 38 – anos. E, se tivermos muita sorte, também os sabres de luz... A ver vamos. * Dados do Instituto Nacional de Estatística para as tábuas de mortalidade do triénio 2016/2018
1 Comentário
Miguel
22/5/2020 23:53:29
Muitos Parabéns Caro Gonçalo! Ainda não cheguei à ternura dos 40, mas já faltou mais, e para muita coisa ainda posso "sou do tempo de" e algumas das memórias que referiu fazem também parte do meu imaginário.
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