Por Maria Inês Simões (convidada deste Lugar ao Sul) Num momento em que a Europa se confronta com o ressurgimento em força dos casos de COVID19 decidi convidar a Dr.ª Inês Simões, uma orgulhosa Algarvia, para nos dar a sua visão sobre o que esta pandemia pode significar para o nosso Serviço Nacional de Saúde, em particular na nossa região. Boas Leituras (Luís Coelho). Sobre a Maria Inês Simões: . Assistente Hospitalar em Medicina Interna na Unidade Hospitalar de Portimão – Centro Hospitalar Universitário do Algarve, EPE., Hospital Lusíadas de Albufeira e Clínica Mediarade em Portimão . Coordenadora médica da Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER) do Barlavento . Médica do Serviço de Helicópteros de Emergência Médica (SHEM) do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) . Médica no Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do INEM . Médica no Serviço de Medicina Hiperbárica do Hospital Particular de Alvor . Docente afiliada na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa . Docente convidada na Faculdade de Medicina da Universidade do Algarve Ah, a Inês é uma grande Sportinguista! Sou médica, por vocação. Sou algarvia, com orgulho e paixão. Condições estas que poderiam tornar mais fácil esta coisa de falar sobre pandemia, saúde e Algarve. Mas não. Na verdade, quando tento juntar estas três palavras, obrigo-me a assumir que muito antes da pandemia, a saúde já era catastrófica no Algarve. Sou médica, como já disse. Fiz toda a minha formação em Lisboa e, por isso, durante 15 anos estive afastada da realidade do Algarve. Cheguei à Unidade Hospitalar de Portimão, Centro Hospitalar Universitário do Algarve, no final de Outubro de 2018, praticamente na mesma altura em que as temperaturas começam a baixar e as típicas infecções respiratórias fazem aumentar a afluência aos serviços de urgência. E porquê dizer isto quando o que se pretende é falar de pandemia? Pois é, é que falar de pandemia, saúde e Algarve sem antes contextualizar que os serviços já estavam sub-dimensionados e sub-preparados para o que é o normal e expectável todos os anos, ano após ano, é apenas demagogia. Falar de pandemia, saúde e Algarve sem referir as pessoas que todos os dias, dia após dia, se sujeitam a trabalhar em condições deploráveis e sem mencionar as pessoas que não se sentem valorizadas (e valem tanto!) ou as pessoas que não são reconhecidas (e merecem tanto!), é apenas hipocrisia. Falar de pandemia, saúde e Algarve sem antes dizer que os serviços já funcionavam com recursos humanos (muito) abaixo dos mínimos, que é cada vez mais difícil ‘vestir a camisola’ quando se exige tanto e oferece tão pouco, é ignorar o verdadeiro problema da saúde no Algarve. A culpa não é só da pandemia. A culpa não é da pandemia. No Hospital de Portimão, no início de Março, foram definidas duas prioridades: a organização do serviço de urgência/Unidade de Cuidados Intensivos e a constituição de uma equipa dedicada à COVID-19, com o intuito de priorizar a segurança. Do doente e dos profissionais. Foram definidos circuitos e foi criado um serviço de internamento COVID-19. Houve muita ajuda externa e destaco o contributo fundamental dos outros agentes de Protecção Civil (incluindo o Instituto Nacional de Emergência Médica que foi irrepreensível na adaptação de normas e procedimentos e em garantir a segurança dos seus profissionais), das Câmaras Municipais, de privados e anónimos. Volto a frisar as pessoas, aquelas que trabalham em circunstâncias miseráveis, todos os dias, dia após dia, nos hospitais, centros de saúde e outras instituições de saúde, que se dedicam de corpo, alma e coração para evitar aquilo que tenho mais medo, a total desumanização dos cuidados. A saúdo no Algarve não é fácil. Nunca o foi. O Algarve fica sempre esquecido de Setembro até Julho. Falta gente, faltam incentivos, faltam condições dignas de trabalho. As pessoas estão exaustas, multiplicam-se entre tarefas cada vez mais cansativas e burocráticas. São constantemente agredidas, física, moral e emocionalmente. Mas são, somos, resilientes e continuamos a acreditar que esta capacidade de adaptação será recompensada. Exigimos mudar o destino da saúde no Algarve. Na verdade, a saúde no Algarve em tempos de pandemia não me preocupa mais do que antes. Preocupa-me sim, e muito, o que será da ‘saúde’ do Algarve depois da pandemia. O que me inquieta é a consciência de que o Algarve, que vive predominantemente do turismo, entrou e está a afundar-se numa verdadeira crise económica e financeira; que os próximos meses serão de muito sacrifício para todos e que haverá muito mais pobreza, fome e doença. Sou médica, por vocação. Sou algarvia, com orgulho e paixão. Quem me conhece sabe que sou uma sonhadora nata e optimista por natureza. Condições estas que tornam inevitavelmente mais fácil falar desta coisa de pandemia, saúde e Algarve. É tão mais simples juntar estas três palavras numa frase quando, tal como eu, somos muitos a trabalhar com doentes e pelos doentes, por vocação; e no Algarve, com orgulho e paixão. E como eu acho que tudo tem, às vezes inacreditavelmente, um lado positivo, que esta coisa da pandemia nos permita olhar com orgulho, dignidade e respeito para os nossos profissionais; e que os próprios consigam perceber o seu real valor. Somos incríveis mas faltava-nos aprender uma coisa: resiliência não é sinónimo de resignação.
3 Comments
Miguel
30/9/2020 14:25:27
Uma infeliz realidade, que, não será nunca resolvida sem Poder Reivindicativo, e esse poder, somente será atingido, munindo a Região de Representantes, e de instrumentos Legais capazes não só de dar voz, mas de Exigir legalmente, atenção às necessidades de uma região - Autonomia Regional - que é tratada como Colónia, e que francamente nada ganhou nunca, nem nada ganha, com fazer parte do "Reino de Portugal".
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Antonio
1/10/2020 18:26:13
Sim sim, não prima pela simpatia essa sra dra nariz empinado, existe bem melhor no Barlavento para convidarem.
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Miguel
2/10/2020 10:52:56
António, a arrogância é, infelizmente apanágio de indivíduos, e comum neste país tão hierarquicamente estruturado, assim, mais notório em algumas profissões que possam oferecer (seja lá o que isso seja) maior status, ou de forma mais simples, algum poder sobre os demais.
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