Os milhões da Caixa Geral de Depósitos

Por Luís Coelho
​
No passado dia 23 de Março de 2017 a Caixa Geral de Depósitos (CDG) emitiu 500,000,000 de euros em títulos de dívida perpétua, obrigando-se a pagar por este empréstimo a módica taxa de juro de 10.75% ao ano. Eis senão que esta é apenas uma pequena parte do tão famigerado plano de recapitalização do banco público. Negociado por António Domingues, o mal-amado, tal plano obriga o Estado - único accionista da Caixa - a passar um cheque de 2,500,000,000 de euros a esta instituição. Mais: por conta do mesmo plano o banco público terá em breve de voltar ao mercado para emitir 430,000,000 de euros de dívida perpétua equivalente aquela que foi agora alocada a um selecto grupo de investidores institucionais (i.e. fundos de investimento, hedge funds, fundos de pensões e seguradoras).

É muito dinheiro: em três operações enterraremos 3,430 mil milhões de euros na CGD. No entanto, como nos explicam os tecnocratas do burgo, este exercício é fundamental para garantir a solvabilidade do banco público. Expliquemos. Com a crise de 2008, os rapazes do Financial Stability Board e do G20, aparentemente preocupados com viabilidade e sustentabilidade do sector bancário, apresentaram aquilo a que se viria a dar o nome de Acordo Basileia III. Este vem na sequência do rotundo falhanço de Basileia I e II e visa reformar (novamente) a regulamentação bancária. Apesar da tecnicalidade do documento, o básico a reter é que os proponentes de Basileia III pretendem simplesmente forçar os bancos a aumentarem as suas reservas de capital com o nobre objetivo de assim se maximizar a probabilidade dos regulados resistirem a uma crise profunda. Em caso de sucesso, Basileia III promete criar uma barreira que impede que existam perdas significativas para o sistema bancário (leia-se accionistas, credores e depositantes), para os contribuintes (sempre chamados a salvar a banca quando a coisa corre mal) e, em última instância, a economia como um todo.  
 
Estou, naturalmente, do lado daqueles que querem que a CGD continue em operação por muitos e bons anos. Sou também a favor da aplicação de regras claras que, pelo menos no papel, ajudem a preservar a boa saúde (i.e. liquidez, solvabilidade e perfil de risco/retorno) de todos os bancos a operar em Portugal, na europa e no Mundo. O que lamento profundamente é que nada disto funcione na nossa Lusitânia. Por um lado, o banco de Portugal parece desconhecer o papel que tem de desempenhar quando o assunto é regular o sector bancário em Portugal. Por outro lado, a nossa justiça parece-me adequada aos tempos em que D. Afonso III lutava para dar o Algarve ao belo Reino de Portugal. Depois há a política, os negócios e a mixórdia que resulta da sua mistura. O caso da CGD é exemplar neste domínio. De facto, o desmando na Caixa começou por volta de 2005 e parece ter durado (pelo menos) até 2011. Nesta altura José Sócrates era o homem forte do governo. No banco Público mandavam Carlos Santos Ferreira (2005-2008) e Fernando Faria de Oliveira (2008-2011). Armando Vara também deu uma perninha como Administrador entre 2005 e 2008, tendo depois saído para o… BCP!  O que tem vindo a público mostra que estes foram anos de desbunda total (ao melhor estilo de Salgado no Banco Espírito Santo). Empréstimos de dezenas ou centenas de milhões de euros concedidos com garantias frágeis (quem não se lembra do Joe Berardo, da Efacec, do Grupo Espírito Santo, do Grupo Lena, do caso da Ongoing ou nosso mui bem conhecido empreendimento em Vale do Lobo). Investimentos ruinosos em aquisições de participações sociais, com especial concentração em empresas espanholas (La Seda à cabeça). A inexplicável aventura no mercado bancário e corretor brasileiro, digna dos voos kamikazes Japoneses da Segunda Guerra Mundial. Enfim, deu para tudo, com o povo a assistir de bancada e a preparar-se (ainda que sem saber) para pagar a (choruda) conta que lhe haveria de ser servida mais tarde.

Hoje a Caixa tem uma gestão nova. Tem um plano de recapitalização. Tem uma estratégia e um plano de negócios. Será que é desta que o banco público cumpre com o nobre propósito que lhe está acometido? Espero que sinceramente sim. Precisamos de toda a força, engenho e astúcia para ajudar a economia Portuguesa a desenvolver-se de forma equilibrada, sustentável e sustentada.