Por Cristiano Cabrita *a propósito da Semana Europeia da Mobilidade
De 16 a 23 de Setembro, comemora-se a Semana Europeia da Mobilidade e é com esse intuito que a Comissão de Migrações (CMig) da Sociedade de Geografia de Lisboa (SGL), em parceria com a Associação Internacional de Paremiologia / International Association of Paremiology (AIP-IAP) e o Clube UNESCO de Paremiology-Tavira (CUP-T) entendeu organizar um Seminário, em Tavira, sobre este importante tema. O mesmo irá realizar-se no próximo Sábado, dia 23, no Hotel Vila Galé Tavira, e terei o privilégio de ser um dos oradores presentes. Neste contexto, queria aproveitar o Lugar ao Sul não só para endereçar o convite a todos os que pretendam assistir, mas também para avançar, em primeira mão, parte do argumento que irei debater naquele fórum. Antes de esmiuçar o tema numa perspectiva algarvia, vejamos alguns dados gerais sobre a questão da mobilidade em Portugal. Desde logo, uma evidência – que poderá não valer muito, é certo, mas que não deve deixar de ter o seu espaço interpretativo – dos 308 municípios portugueses apenas 51 comemoram a Semana Europeia da Mobilidade com um conjunto de eventos mais ou menos relevantes. Dos 16 municípios algarvios, somente 6 juntaram-se à Semana Europeia da Mobilidade. É, portanto, uma evidência negativa. Não sendo nada de dramático, revela-nos a inexistência de uma sensibilidade própria sobre esta matéria. Outro dado objetivo diz-nos que, entre 2011 e 2015, conforme noticiado esta semana no Expresso, o sistema de transportes públicos português perdeu cerca de 100 milhões de utentes. Os portugueses, apesar das campanhas de sensibilização potenciadoras do conceito “sharing”, continuam a não aderir a esta forma de mobilidade com os números, por exemplo, do “carsharing” a roçar o irrisório. Por outro lado, enquanto cerca de 15 % dos europeus escolhem a bicicleta como meio de transporte diário, em Portugal apenas 1% da população considera este meio adequado à sua vida mundana. Em Lisboa e no Porto, estão em marcha um conjunto de medidas que visam aumentar a qualidade da mobilidade dos munícipes no âmbito dos transportes metropolitanos, com especial incidência no metro e nos autocarros. A primeira resposta para a resolução do problema, ao que parece, encontra-se numa maior articulação dos concelhos das áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa. A ideia geral é que os municípios “pensem” a mobilidade num plano coletivo, no sentido lato do termo. Parece-me que o conceito está no caminho correto, muito embora deva ser aprofundado, aliás, não faz sentido construirmos muralhas nos municípios que partilham entre si a responsabilidade de dar ao cidadão a melhor opção possível para a sua mobilidade. Mas este cenário diz respeito às duas grandes metrópoles portuguesas. E o Algarve? Especificamente, qual é o impacto da mobilidade (ou falta dela) no Algarve, em geral, e no que concerne ao turismo, em particular. Esta é a pergunta de partida que importa responder. Em primeiro lugar, do meu ponto de vista, ambas estão intrinsecamente ligadas. Ou seja, se houver um aumento exponencial da qualidade da mobilidade que os municípios algarvios proporcionam aos seus munícipes, invariavelmente, a mesma refletir-se-á na qualidade da mobilidade dos nossos turistas. Por isso, acredito que o primeiro desafio que se coloca à maior parte dos municípios algarvios é a elaboração de uma estratégia que, num primeiro momento, permita encarar qualquer obra pública numa perspectiva da mobilidade, para depois, num segundo momento, enquadrá-la no âmbito regional. Basicamente, o modelo local deve ter uma consonância regional. Bem sabemos que esta ideia é difícil de concretizar na sua plenitude, face às vicissitudes e interesses individuais de cada concelho, mas é para isso que existe a CCDR e a AMAL. E, há que reconhecer, pese embora o estado embrionário, que ambas as estruturas regionais estão a trabalhar nesse sentido com projetos interessantes, como o VAMUS (Projeto de Mobilidade Urbana Sustentável do Algarve), lançado pela AMAL. A CCDR Algarve, através do seu Portal da Mobilidade e Transportes, no último relatório que apresentou (referente ao primeiro trimestre de 2017) veio avançar que, comparativamente com o trimestre homólogo do ano anterior, houve “aumentos nos fluxos e tráfegos na região, em praticamente todos os meios e modos de transporte”. A exceção verificou-se no modo fluvial/marítimo da Ria Formosa e na carreira do Guadiana. Sem ainda ter acesso aos dados referentes ao segundo e terceiros trimestres, levanto, desde já, uma questão. Quer isto dizer que estamos perante uma maior mobilidade em terras algarvias? Se quisermos uma maior qualidade da mobilidade no Algarve? Afinal, os números dizem-nos que existiu, pelo menos, uma maior utilização do serviço regional do modo ferroviário e também um maior movimento de passageiros no transporte coletivo rodoviário. A isto devemos somar o aumento de passageiros no Aeroporto Internacional de Faro e no Tráfego Médio Diário (TMD) nos eixos rodoviários principais. Existe aqui um nexo de causalidade positivo? Sinceramente, não acredito. Embora devamos reconhecer que o crescimento do turismo no Algarve tem uma componente muito importante que resulta do trabalho de todas as autarquias, o problema é que o aumento exponencial de turistas veio levantar sérios problemas na mobilidade urbana. À semelhança do que acontece em Lisboa e no Porto, que já tinham uma forte pressão de tráfego por parte dos utilizadores habituais, também a região do Algarve está a sofrer com a pressão acrescida dos turistas que avidamente procuram conhecer o máximo das cidades, muitas vezes no menor tempo possível. E essa pressão faz-se não só sobre o espaço público, mas também ao nível dos transportes públicos, cujo dimensionamento é capaz de não estar totalmente ajustado ao incremento do número de turistas. E se o problema já era grave, recentemente ganhou uma nova dimensão. Independentemente dos estudos, das análises, dos dados quantitativos, existem evidências suficientes para afirmar que o Algarve ainda tem que crescer muito em termos de mobilidade. E falo da mobilidade em termos gerais. Ou seja, o facto de grande parte das cidades do Algarve não ter condições para as pessoas com mobilidade condicionada. O facto de ser totalmente inexplicável a inexistência de uma ligação ferroviária do Aeroporto de Faro à sua cidade e, consequentemente, a também carência de um terminal intermodal. Não basta somente fomentar o debate sobre a mobilidade sustentável e a modernização administrativa da região, é necessário criar impulsos reais para resolver o problema. O que vale este tipo de debates sobre ciclovias ou novas “vias”, se continuamos a barrar a entrada dos turistas espanhóis na A22? Que debate sério queremos fomentar quando a EN125 opera como um agente estrangulador da mobilidade algarvia? Que tipo de legitimidade existe quando, por exemplo, há cerca de um ano a rede de transportes públicos que serve Faro era completamente obsoleta – confesso que desconheço se entretanto algo melhorou –, não existindo articulação de horários entre comboios e autocarros urbanos que servem faculdades e escolas. Algo tão simples. Ridiculamente simples. Quem é que acredita que as portagens da Via do Infante sejam potenciadoras de mobilidade? Pois. Numa década, no algarve, o uso do transporte individual nas deslocações urbanas e interurbanas cresceu cerda de 30% e entre 2001 e 2011 os transportes públicos perderam cerca de 20% de quota de mercado. Isto diz-nos que algo não está bem. E se não está para os que aqui vivem, muito pior estará para os turistas que, muitas das vezes sem informação condigna, procuram orientar-se nas suas deslocações por terras algarvias. Se queremos crescer enquanto modelo societário é imperativo que o façamos tendo a mobilidade como pano de fundo. Por outro lado, o Algarve tem, nos últimos anos, cimentado a sua posição estratégica no importante sector do Turismo. Sobretudo, a marca “Algarve” tem obtido um reconhecimento ímpar, não só a nível nacional, mas também no mercado internacional. As praias, a gastronomia, a segurança, o legado cultural, as gentes, entre outros, têm funcionado como distintos embaixadores na promoção da região. Somos um exemplo mundial ao nível do turismo. Mas arriscamos o futuro. Porquê? Porque apresentamos paupérrimas condições estruturais, não só, mas também, na área da mobilidade. Numa altura em que se debate, e bem, as potencialidades da mobilidade sustentável e a modernização administrativa da região (smart regions), verificamos a carência de acessibilidades ferroviárias, rodoviárias e aeroportuárias. Ora, esta realidade, se não for rapidamente invertida, funcionará como um freio na potencialização económica da região. Em suma, é vital que o Algarve ultrapasse nos próximos anos estes desafios à «imobilidade» para que consiga afirmar-se em definitivo como um destino turístico de excelência a nível mundial.
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