Orçamento do Estado para 2017: algumas considerações sobre o seu impacto nas empresas

Por Luís Coelho. O Governo deu a conhecer ao país as linhas gerais do Orçamento do Estado para 2017 (OE2017) na passada Sexta-feira. Apesar de termos assistido a algumas novidades pontuais, a verdade é que, no essencial, o documento pouco foge ao que era esperado. Ainda assim, penso ser interessante dissecar algumas medidas que constam do OE2017 e que tocam particularmente ao sector empresarial. De facto, é minha convicção que este tipo de medidas são tipicamente negligenciadas pelos órgãos de comunicação social, os quais dão primazia a aspectos como os impostos, as pensões e as prestações sociais. ​

Vai daí e escolhi três medidas que, estando inscritas na proposta de Orçamento para o próximo ano, me parecem particularmente acertadas. A saber:


1. Redução da discriminação entre a utilização de capital próprio e alheio: a proposta de lei do OE2017 parece apostar na dinamização da utilização do mercado de capitais como uma alternativa mais séria ao financiamento bancário. Se tal for concretizado, teremos uma forma de começar a minimizar um dos problemas mais perniciosos que afectam as nossas empresas: o seu elevado endividamento. Em linha com que já escrevi num outro post “Ao Sul”, considero que o desajuste muito acentuado da estrutura de capitais de uma parte significativa das empresas nacionais se apresenta como uma limitação forte à sua capacidade competitiva. Neste sentido, parece-me adequado que se utilize a política fiscal para criar incentivos materialmente relevantes à utilização de capital próprio como fonte primordial de financiamento. No entanto, como tudo na vida, não há bela sem senão. De facto, para ser eficaz, este tipo de medida requer, à partida, que o mercado de capitais seja positivamente apreciado pelos putativos investidores, algo que em Portugal é, à data, no mínimo, discutível. Há também que considerar o impacto que este tipo de medida poderá ter sobre a banca. Em particular, se a mesma tiver sucesso, os bancos poderão sofrer uma redução nos seus recursos sempre e quando os investidores decidam desviar as suas intenções de poupança dos produtos (bancários) tradicionais. Por outro lado, os bancos poderão também sofrer uma redução do seu volume de negócio. De facto, menor dependência de financiamento bancário significará, seguramente, menos crédito concedido às (melhores) empresas a operar em Portugal
​
2. Na linha do ponto anterior, é também de destacar a melhoria proposta no que toca ao tratamento fiscal das operações de aumento de capital. Em particular, de acordo com a proposta do OE2017, as empresas vão poder usufruir de um benefício fiscal no valor de 7% dos aumentos de capital em dinheiro ou em espécie que resultem da conversão de suprimentos ou empréstimos de sócios em novo capital próprio (anteriormente tal benefício era de apenas 5%). Cumulativamente, a proposta do OE2017 estende o período durante o qual é possível beneficiar desta dedução dos actuais três para cinco ciclos de reporte fiscal. Assim, também esta medida visa ajudar a melhorar o capital permanente das empresas, nomeadamente na sua componente de capital próprio. Como é sabido, muitas empresas funcionam continuamente financiadas pelos seus accionistas através de empréstimos de curto-prazo em detrimento de aumentos de capital. A opção pelo empréstimo é entendível na medida em que minimiza o risco do accionista (a qualquer momento este pode recuperar o seu capital), podendo ainda ter uma componente fiscal associada caso o empréstimo concedido à empresa seja remunerado. Claro está que do ponto de vista da empresa seria sempre mais vantajoso dispor desse mesmo financiamento sob a forma de capital próprio, algo que esta medida do OE2017 ajuda a concretizar.

3. Finalmente é de destacar o facto da proposta do OE para 2017 reintroduzir os benefícios fiscais para empresas que se fixem ou que já estejam instaladas no interior do país. Este tipo de medida já existiu no nosso país, tendo sido revogada pelo Orçamento do Estado de 2012. Se o OE2017 for aprovado sem alterações, no próximo ano, as sociedades que se venham a instalar ou que já operem no interior do país terão direito a uma taxa de IRC de 12,5% nos primeiros 15 mil euros de matéria colectável. Esta medida parece-me importante pois, em teoria, pode ajudar a combater a “litoralização” a que se assiste em Portugal, puxando algum tecido económico para zonas que, infelizmente, cada vez mais se encontram desertificadas. No entanto, a sua utilidade prática pode ficar muito aquém do esperado. Por um lado, o desenho da medida em termos de benefício efectivo para as empresas é muito limitado. Por outro lado, o facto de uma empresa ter a sua sede num concelho do interior não significa necessariamente que a sua operação esteja por lá localizada, facto que poderá derrotar as boas intenções do Governo nesta matéria.
​

As últimas linhas são para enunciar duas medidas que me merecem especial reparo no conjunto de todas aquelas que são trazidas à colação pelo OE2017 no contexto do tecido empresarial nacional. A primeira diz respeito ao facto deste documento prever que as empresas passarão a ser obrigadas a pagar uma taxa de tributação autónoma de 10% sobre despesas de representação e de 5% sobre os valores processados a título de ajudas de custo. Na versão actual da Lei, tais taxas são evitáveis pois as empresas podem optar por não deduzir estas despesas nos seus custos. O OE2017 vem retirar tal possibilidade, o que vai naturalmente agravar a factura fiscal em sede de tributação autónoma. A segunda é mais de carácter simbólico sendo que, no entanto, se reveste de especial importância para a região do Algarve. Em particular, a proposta do OE2017 inscreve um total de 175.4 milhões de euros no orçamento do Turismo de Portugal para promoção, valorização e sustentabilidade da actividade turística em solo nacional. É de salientar que estes 175.4 milhões representam um aumento de 2.9 milhões em termos homólogos, algo que até poderia ser entendido como sendo positivo dado o cenário de forte restrição financeira que o país atravessa. No entanto, para mim, alocar menos de um milésimo do OE à promoção/dinamização de um sector que tem sido o principal garante de algum equilíbrio nas nossas contas externas é algo manifestamente escasso. De facto, atendendo à conjuntura externa que existe, a qual facilita e muito a nossa afirmação como destino mundial turístico de excelência, seria de fazer uma aposta mais séria na promoção do nosso País, o que eventualmente permitiria consolidar a nossa posição junto dos mercados emissores tradicionais e, bem assim, estimular a procura oriunda de novos mercados, levando o Portugal em termos turísticos to the next level.