Por Gonçalo Duarte Gomes Em tempos idos, cruzando a praia em nobre sacrifício pelo bem comum, havia um conjunto de pessoas que se esfalfava para levar às gentes banhistas um bálsamo contra o tórrido calor do litoral tuga. Falo desses heróis não cantados que eram os vendedores da Olá – passe a publicidade. Vendo ao longe a sua alva figura, de inconfundível arca refrigeradora a tiracolo, não havia como conter o arrepio, principalmente ao ouvir aquele pregão: “Olha o Olá fresquinho! É fruta ó chocolate!” Foi precisamente no pico da procura dos gelados, em Agosto do ano passado, e de forma igualmente apetitosa, que a Assembleia da República serviu, fresquinha, a Lei n.º 50/2018, que definiu o quadro geral da transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais. Esse quadro tem vindo a ser pormenorizado e detalhado em sucessivos diplomas legais… mas que competências são essas? Há ainda a considerar as competências das entidades intermunicipais, que em alguns casos se sobrepõem (tendo que ser negociadas): educação, ensino e formação profissional; acção social; saúde; protecção civil; justiça; promoção turística (seguramente para ajudar a Região de Turismo do Algarve e a Associação de Turismo do Algarve) e ainda a participação na gestão dos portos de âmbito regional; a designação dos vogais representantes dos municípios nos conselhos de região hidrográfica, a gestão de projectos financiados com fundos europeus e a gestão de programas de captação de investimento. E depois ainda temos as novas competências das freguesias: instalar os espaços cidadão, em articulação com a rede nacional de lojas de cidadão e com os municípios; gerir os espaços cidadão nos termos da alínea anterior; gestão e manutenção de espaços verdes; limpeza das vias e espaços públicos, sarjetas e sumidouros; manutenção, reparação e substituição do mobiliário urbano instalado no espaço público, com excepção daquele que seja objecto de concessão; gestão e manutenção corrente de feiras e mercados; realização de pequenas reparações nos estabelecimentos de educação pré-escolar e do primeiro ciclo do ensino básico; manutenção dos espaços envolventes dos estabelecimentos de educação pré-escolar e do primeiro ciclo do ensino básico; utilização e ocupação da via pública; afixação de publicidade de natureza comercial; autorizar a actividade de exploração de máquinas de diversão; autorizar a colocação de recintos improvisados; autorizar a realização de espectáculos desportivos e divertimentos na via pública, jardins e outros lugares públicos ao ar livre, desde que estes se realizem exclusivamente na sua área de jurisdição; autorizar a realização de acampamentos ocasionais; autorizar a realização de fogueiras, queimadas, lançamento e queima de artigos pirotécnicos, designadamente foguetes e balonas. Em cima de tudo isto, coloquem-se aquelas que possam vir a ser delegadas pelos Municípios e as sobreposições – também alvo de negociação. Convenhamos que a maior parte das gelatarias não é tão bem aviada em termos de variedade quanto este cardápio que se apresenta… Na prática, antecipa-se que a operacionalização de toda esta manta de retalhos bem fragmentada seja, à boa moda portuguesa, o equivalente administrativo disto: Não obstante, a intenção no papel é que coisas como a coesão territorial e a eficiência e eficácia da gestão pública sobrevivam… Tal parece difícil. Até porque, se há aspectos em que um maior grau de autonomia decisória local é importante (gestão de equipamentos de saúde, respectivos orçamentos e quadros de pessoal, organização e exploração de redes, infra-estruturas e equipamentos de transportes, etc.), a pulverização de outros, que representam interesses intrinsecamente nacionais (conservação da natureza e ordenamento do território à cabeça), através da municipalização de tais competências é a feudalização do País e cisão, em centenas de partes – 16 avos delas aqui no Algarve – de algo que é uno. Mais ainda numa região como o Algarve, carente como é de projecto e coerência regional, a par de uma escala reduzida… Acrescentando o facto de que neste momento o processo avança a diferentes velocidades, consoante “o gosto” dos Municípios – obviamente conforme as suas possibilidades e visões para cada sector – e que podem ser escolhidas umas competências para transferência enquanto outras – porventura complementares – são deixadas na esfera da Administração Central, cada vez mais se configura uma manta de retalhos, de gestão enleada. É certo que no dia 1 de Janeiro de 2021, salvo nova orientação, prontos ou não, querendo ou dispensando a oferta, os Municípios levam com esta bagagem toda em cima, por decreto. Resta saber se a prometida transferência de meios e recursos (financeiros mas não só) se concretiza em tempo útil, ou se a carroça vai ficar muito tempo empanada à espera dos bois... Entretanto é impossível afastar a legítima suspeita de se assistir a uma simples sacudidela de água do capote por parte da Administração Central, que se vai aliviando das questões mais gravosas em termos de popularidade para a esfera local, reservando para si o filet mignon, leia-se, a cobrança de impostos centrais, para os grandes planos de investimento em obras públicas. São gostos…
3 Comentários
Miguel
1/2/2019 21:24:08
Caro Gonçalo, será nesta questão que discordarei de si no tema, mas não no texto, concordo em parte com o que escreveu.
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Gonçalo Duarte Gomes
2/2/2019 09:34:15
Miguel, também partilho do entendimento relativamente às vantagens de uma regionalização, mas em moldes diferentes. E nunca nesta forma atabalhoada e desconexa. O Sul Informação produziu uma infografia eloquente quanto ao ponto de situação dos 16 Municípios algarvios - https://www.sulinformacao.pt/2019/02/metade-das-camaras-do-algarve-nao-aceita-nenhuma-competencia-com-infografia/
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Miguel
2/2/2019 22:16:31
Concordo consigo Gonçalo, foi o que disse no comentário inicial, esta forma atabalhoada como bem referiu, é uma tentativa de substituto, que poderá ter más consequências, fracturar regiões em virtude das discrepâncias municipais, que aliás já se começam a ver, e cansam-me sinceramente constatar as dificuldades tremendas para fazer algo em Portugal que possa minimamente alterar o status quo seja em que sector for, Cumprimentos! Enviar uma resposta. |
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