Por Gonçalo Duarte Gomes É oficial: obrar é a palavra de ordem regional! Ele há obras para todos os gostos, desde as obras que avançam às obras que param, passando pelas obras de que nem se fala, sem esquecer as obras assim-assim, ou de S. Vicente (sejamos bairristas, e em vez da tradicional invocação de Santa Engrácia, cunhemos expressão própria, com o padroeiro da diocese do Algarve a baptizar as nossas idiossincráticas empreitadas). Em bom obrar, temos a tão desejada e necessária Estação de Tratamento de Águas Residuais de Faro-Olhão, uma realidade em vias de concretização, com os três primeiros tijolos já assentes – notícia curiosa de dar à vasta comunidade anglófona residente no Algarve, já que em poucas circunstâncias a britânica expressão “lay a brick” estará tão contextualizada como aqui…
Tecnologicamente superior, e adequadamente dimensionada, espera-se que esta infra-estrutura melhore a capacidade de tratamento das águas residuais dos Concelhos de Faro, Olhão e São Brás de Alportel, contribuindo ainda mais para a qualidade das águas da Ria Formosa. Nesse capítulo, não são de descartar outras benfeitorias, por exemplo nas nossas recentes Brandoas da Ria Formosa – que, bem vistas as coisas, se revelam peças da mais elementar coerência territorial, vindo acabar com a discriminação centralista, de apenas existirem áreas urbanas de génese ilegal nos grandes núcleos urbanos do país. Talvez umas pontes e umas estradas (heliporto já há) para facilitar visitas a um eventual Museu do Camaleão ou da Fantasia. Dado o estado de graça vigente, o processo só depende da imaginação, que está visto ser o limite. Tentemos é manter estas histórias longe dos Tribunais, porque aí está mais ou menos documentado que a ficção não colhe grande simpatia... Já as gentes das lides marítimas, profissionais ou de lazer, têm razões para sorrir, pois parece que se perspectivam investimentos nos interfaces marítimo-terrestres algarvios, concretamente portos e cais, incluindo também na doca de recreio de Faro – afinal de contas um estado de conservação ruinoso sempre tem a vantagem de acelerar a constatação do óbvio. Boas notícias para uma região que precisa de tais infra-estruturas como de pão para a boca, de forma a poder assumir, plenamente, a sua vocação territorial de cariz marítimo. Mas nem tudo são novas animadoras. Veja-se o caso das vicentinas (sim, estou a esticar-me na história do padroeiro – o pessoal do Barlavento que me perdoe) obras de Faro, no âmbito do “Requalifica II”, colocadas em banho-maria, mesmo depois de um raro e louvável consenso partidário local em torno da sua relevância. O meu colega de pena Luís já abordou, e muito bem, este tema. Acrescentaria apenas a estranheza que causa o aparente silêncio da Assembleia da República. Não sendo os nossos eleitos regionais anjos caídos à moda do camiliano Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, apenas se pode concluir pela falta de peso específico do Algarve nestas discussões. Quem acaba martirizado? O mexilhão, está claro, muito à semelhança de… S. Vicente. Depois temos as obras fantasma, como as da requalificação da EN 125… [um momento de silêncio em sua memória]… ou as obras de recuperação e estabilização das áreas ardidas nas serranias algarvias! O olhar lânguido e nostálgico que emprestamos às áreas varridas por incêndios é precisamente o oposto daquele que é na realidade necessário. As vitais acções de limpeza e de estabilização de solos (já nem vamos aos aspectos silvícolas) que o pós-incêndio requer deveriam originar, isso sim, um frenesim laborioso, de prevenção de novas catástrofes, consequência do fogo inicial. O arrastamento de cinzas, matéria carbonizada, resíduos e solos desprotegidos por ausência de vegetação, ao longo da rede hidrográfica, causado pela acção mecânica das chuvas – que, para os mais distraídos, vêm, ainda que tarde, depois do calor – é não apenas um factor de degradação do ecossistema, mas também um dos maiores factores de risco, em termos de protecção civil, em anos hidrológicos antecedidos por incêndios. Todo este material, deslizando encosta abaixo, não apenas vai preencher e colmatar as linhas de drenagem, reduzindo a sua capacidade de acomodação dos caudais pluviais, como vai originar enxurradas, que atingem que nem aríetes tudo o que esteja no seu caminho a jusante. Estando nós com a época das chuvas a iniciar, já vamos tarde. Ainda assim, seria bom que algo fosse feito, e neste esforço importa que haja uma participação central, de apoio à região (não apenas o Algarve, mas todas as afectadas), demonstrando que a coesão nacional é uma realidade, e não apenas uma bonita expressão de circunstância. A menos que acreditemos tanto nas nossas capacidades de toupeira, que depositemos toda a esperança em despachar tudo para debaixo de terra. Como no Plano de Drenagem de Albufeira, em que parece confirmar-se que a sua pedra de toque é um mega-túnel destinado a desviar a Ribeira de Albufeira da baixa da cidade. Depois tem, como subsidiárias, outras obras de implementação de colectores e de bombagem de águas pluviais à escala urbana (conceito arrepiante). No meio disto tudo, e é algo que é assumido nas palavras do coordenador do estudo que enquadra estas opções, temos um mero, mas muito caro, paliativo ao nível dos efeitos, e não das causas. Fala-se de uma abordagem à holandesa, malta que tem vastas áreas abaixo do nível médio do mar. Parece-me a mim que os nossos amigos de socas recorreram a tal expediente, assente em diques, canais e outras infra-estruturas, não porque sejam arraçados de castores, mas porque não tinham grande opção, dada a escassez de espaço e ausência de guelras na maior parte da população. Para além disso, parecem ser um país ligeiramente mais abonado do que nós, e mesmo eles estão já numa fase de recuo e planeamento de acomodação de um inexorável aumento de cheias dentro do actual quadro de alterações climáticas, por claramente perceberem o quão insustentável é o custo associado a um bater do pé à Natureza – aliás, se é para falar da Holanda, será interessante uma consulta ao seu Plano Nacional da Água, onde é referida a necessidade de aumentar a infiltração das águas no solo, através do aumento da permeabilidade, e não andar a fazer corridas com elas, de um lado para outro. Mexer na fisiografia é algo que costuma dar maus resultados (como se vê pela completa artificialização do curso, leito de cheia e foz da Ribeira de Albufeira), mas se somarmos a isso o risco inerente a uma zona sísmica e as implicações em termos de estabilidade e de geotecnia, numa cidade praticamente pendurada em arribas, para além da clássica falta de cultura de manutenção, reservas são o mínimo que a prudência aconselha. De qualquer modo, é preparar o capacete, que este nosso Algarve vai entrar em modo estaleiro…
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