Por Sara Luz
Foi com perplexidade que assistimos ao colapso de Itália com esta nova epidemia da história da humanidade. Ainda incrédulos em relação à experiência asiática, os testemunhos que nos chegaram da Lombardia, o epicentro da epidemia no país italiano, não deixaram margem para dúvidas quanto à tragédia que se avizinhava. E a verdade é que à custa do infortúnio de Itália e à chegada tardia do vírus SARS-CoV-2 a Portugal, foi-nos possível adotar medidas de contenção do surto em tempo para salvar o maior número de vidas e evitar o colapso do sistema de saúde. Do estado de alerta transitámos rapidamente para calamidade e, por último, para o inevitável estado de emergência que vigora desde a meia noite de 19 de março. O país abrandou, praticamente parou, mas ao contrário de países como Itália, França e Espanha, não colapsou. Chegados a este ponto, sem um tratamento eficaz ou uma vacina disponível no mercado que permita conter a transmissão do vírus e a expansão da covid-19, e em que são já visíveis os sinais de cansaço em virtude do isolamento é, pois, hora de desconfinar. Urge, tanto quanto possível, voltar à dita normalidade, com vista a reanimar a economia do país e retomar as principais atividades do setor da saúde (i.e., consultas, cirurgias e meios complementares de diagnóstico e terapêutica) por força a evitar prejuízos sérios na qualidade de vida dos portugueses (relembrar aqui o escalar das situações de desemprego, pobreza, fome e quebra acentuada de intervenções de saúde). Para o efeito, o Governo decidiu elaborar um plano de levantamento de medidas de confinamento dividido em três fases separadas por períodos temporais de 15 dias, com início previsto para esta segunda-feira. Pese embora até à data o plano não ter merecido críticas consideráveis no seio da opinião pública, o que me parece em grande parte devido ao seu caráter progressivo e gradual, com possibilidade de recuo face às incertezas provenientes do comportamento da população e evolução epidemiológica da doença, e transparência com que foi transmitido pelo Governo, parecem existir, contudo, hesitações válidas demonstradas por vários epidemiologistas do país. A inexistência de imunidade comprovada da população e o facto do número médio de contágios causados por cada pessoa infetada com o vírus (R0) estar longe de um valor ideal geram sentimentos de insegurança, na medida em que torna mais real a ameaça de uma segunda vaga nos meses que se seguem ao levantamento das medidas de confinamento e, por conseguinte, a possibilidade de se deitar tudo a perder com a ocorrência de uma catástrofe de saúde pública nacional. Mas, na impossibilidade de nos mantermos em casa pelas razões acima mencionadas e, prosseguindo-se com o plano de desconfinamento tal qual está pensado, que o mesmo se faça a diferentes velocidades no país. Ou seja, de forma assimétrica. Ora, do ponto de vista económico, não parecem existir dúvidas quanto ao facto das regiões que dependem essencialmente do turismo, como é o caso do Algarve, serem as mais afetadas pela pandemia, justificando-se por isso medidas de apoio específicas à região (ou pelo menos é o que se espera!). Analogamente, o Algarve apresenta características sociodemográficas que variam em grande medida do resto país, o que justifica por si só que não tenha sido uma das zonas mais afetadas pela covid-19 até ao momento, conforme o que aconteceu nas regiões Norte, Lisboa e Vale do Tejo, e Centro do país. Porém, pela sazonalidade intrínseca à região, não é de esperar que com o aumento da procura turística interna ou a abertura de fronteiras que as repercussões epidemiológicas até à data se mantenham. É antes expectável que durante este processo de desconfinamento a nossa exposição possa aumentar, que os recursos existentes não sejam suficientes podendo contribuir para uma maior suscetibilidade e que o padrão sociodemográfico e o perfil epidemiológico da população possam alterar-se de tal modo que fiquemos mais vulneráveis. Atendendo a isto, e às debilidades sobejamente conhecidas em matéria de saúde na região, espera-se, portanto, que as medidas de desconfinamento sejam o mais específico e enquadradas possível às necessidades do Algarve. Em vésperas de início do desconfinamento, salientar, contudo, que estando ou não à mercê dos comportamentos dos que nos visitarão, até porque a esta altura a procura turística interna ou externa é ainda uma verdadeira incógnita, importa consciencializar que são os comportamentos individuais que vão ditar os resultados, refletindo-se na curva epidemiológica daqui por 15 dias. Há, portanto, uma responsabilidade acrescida da população residente em continuar a adotar comportamentos de higienização das mãos, distanciamento social e etiqueta respiratória. Ao fim ao cabo, a única certeza que temos é que o vírus está e permanecerá entre nós!
2 Comments
Miguel
4/5/2020 10:53:18
Verdades inquestionáveis as que referiu Sara, e se de facto as variáveis comportamentais e institucionais mudarem prevê-se uma situação deveras complicada para a nossa região, com a consequente falta de capacidade de resposta.
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Sara Luz
4/5/2020 15:40:19
Miguel, agradeço e subscrevo a sua intervenção.
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