Por Patrícia de Jesus Palma «… O vazio é um lugar onde não existe nada, mas no interior do qual se espera que venha a acontecer tudo.» Lídia Jorge, O Organista Quem melhor do que os músicos para reconhecer a verdade expressa na abertura da magistral fábula de Lídia Jorge? O vazio, gerador de silêncio, é o único capaz de transmitir sentido criativo ao som. É o lugar por excelência da criação e da expectativa. Cada vez se sabe menos isto, porque o ruído é cada vez mais intenso e contínuo. Precisamos, como de pão para a boca, de reaprender esta condição essencial para o entendimento de nós e do mundo. De contrário, o vazio espreita-nos e, ao mais pequeno descuido, instala-se em nós, redondo e gordo. O Rui Afonso sabe isto. O Rui é músico. O Rui conhece os diferentes significados do vazio. Sabe como cruzá-los, transfigurando-os em acto criador e sublime. Conheci o Rui na Casa do Povo de São Bartolomeu de Messines, onde é professor. No início do ano lectivo, fundou o Clube da Batucada (https://www.facebook.com/clubedabatucada/), no âmbito do projecto «Sorrir M». O projecto é um serviço da Casa do Povo (https://www.facebook.com/casadopovo.messines/) que desenvolve competências da pessoa com deficiência e incapacidade, tendo em vista a sua autonomia, bem-estar e inclusão social. A música surgiu como mais uma das ferramentas ao dispor do projecto de reabilitação social, mas a sua natureza confere-lhe um carácter extra instrumental. As aulas estão abertas a todas as pessoas que desejem aderir com mais de 12 anos e acontecem em pleno espaço público da vila, no Jardim Municipal, às quintas-feiras entre as 17h30 e as 18h30. Ao Rui juntou-se voluntariamente o Carlos Peixoto, também professor e fundador do conhecido grupo de percussão que originou o Percutunes (https://www.facebook.com/orquestrapercutunes/). Os ensaios são, na verdade, apresentações públicas. Em cada ensaio, os participantes tomam conta de si e do espaço em identidade singular e em relação, exibindo, sem pudor, o som que habita o corpo em diferentes ritmos e atitudes. Perante os olhos que escutam - oiça-se sempre bem aquilo que se vê -, nasce a função mágica da actividade artística. O vazio enche-se. Transborda. «Eu não sabia que era capaz. Agora sei. Não tenham medo, eu sei que todos somos capazes», disse um dos participantes no final de uma apresentação. A experiência do Clube da Batucada recupera, para os participantes e para o espectador, a dimensão comunitária de ser e de estar: «evoluímos do social para o comunitário», considerou o Rui, avaliando o percurso do grupo. Ontem, o Clube da Batucada abriu admiravelmente o Entrudo de São Bartolomeu de Messines (https://www.facebook.com/Carnaval-de-Messines-699383030086134/), fazendo jus à raiz latina da palavra entrudo («introitus» ‘começo, princípio’) e a felicidade, o reconhecimento e o sentido de pertença não usaram máscara, apenas tiveram novo princípio: o vazio é um lugar imenso! E eu lembrei-me, e quis corrigir, o condicional do texto de Lídia Jorge (perdoe-me a ousadia, Lídia!): O vazio poderia vir a encher-se de homens, mulheres, órgãos, música e canto, som e harmonia. Assim: O vazio enche-se de homens, mulheres, órgãos, música e canto, som e harmonia.
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