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Bem-vindo

O touro mecânico da Ria Formosa

4/9/2020

4 Comments

 
Por Gonçalo Duarte Gomes

Uma vez que aqui no Lugar ao Sul a maré – quase literalmente – é de Ria Formosa, e tendo em conta que ainda esta semana a Andreia Fidalgo foi ao baú da memória para nos trazer o seu apontamento sobre a Fortaleza de S. Lourenço, vamos lá remexer em mais velharias.

E aproveitando a oportuna lembrança da Andreia, sem nos afastarmos muito dela e com recurso a outras preciosidades que ela encontrou sob a poeira do tempo, e teve a gentileza de me indicar.
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A imagem acima é o Plano Hidrográfico das barras e portos de Faro e Olhão, de 1885.

Observa-se nesta carta como neste troço central da Ria Formosa a Barra do Lavajo, ou da Armona, com aproximadamente 2,3 milhas (algo como 4,3 quilómetros, sempre e naturalmente dependente da maré) de largura, constituía o mais amplo e significativo ponto de troca entre as águas oceânicas e o sistema lagunar. Sensivelmente a meio, estão indicadas as “pedras do antigo forte S. Lourenço”.
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Mais a Poente, é identificável o Farol de Santa Maria, erigido por volta de 1851.  
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E na Península do Ancão, mesmo no centro do que é hoje a Praia de Faro… a Barra do Encão, com cerca de 500 metros de largura!  
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Saltemos agora cerca de 30 anos, até 1916. 
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Na carta acima, é representada a barra e canais de Faro e Olhão, onde novamente os restos da Fortaleza de S. Lourenço marcam presença, e a Barra da Armona continua a ser um elemento preponderante. No entanto, neste intervalo, a sua amplitude reduziu-se para perto de 1,7 milhas (3,2 quilómetros, mais ou menos).

Nota também para a representação de arraiais de pesca na ponta da Culatra – então identificada como ponta do Cabelo – e na Armona. 
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Atalhando caminho, e avançando pouco mais de um século, até aos nossos dias, verificamos que o cenário mudou dramaticamente. Recorrendo já não à magnífica cartografia náutica, mas ao bem mais moderno e familiar Google Earth, é possível constatar que a outrora portentosa Barra da Armona está hoje reduzida a uma amplitude que andará na casa dos 550 metros, mais coisa menos coisa.
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Um aspecto determinante para explicar esta alteração profunda na morfologia desta zona é, sem dúvida, a abertura/alargamento, por dragagem, da Barra de Faro/Olhão e subsequente fixação com molhes, num processo que decorreu entre o final da década de 1920 e meados da década de 1950.

No entanto, mais do que para analisar casos específicos, este brevíssimo e muito simplificado exemplo serve para ilustrar, alertando para, um aspecto determinante para a compreensão da Ria Formosa: a sua dinâmica.

O sistema da Ria Formosa é constituído por cinco ilhas barreira e duas penínsulas, separadas por seis barras, que promovem a comunicação das águas interiores da laguna com as águas oceânicas. Estes elementos organizam-se de acordo com um grande dinamismo, em que a forma e extensão dos corpos arenosos é altamente mutável, em intervalos relativamente curtos, a par da migração e/ou abertura de novas barras e colmatação de outras. Das barras referidas, duas delas, a já referida Faro-Olhão e a de Tavira, encontram-se artificialmente fixadas, com recurso a molhes, sendo a sua manutenção assegurada através de dragagens periódicas para salvaguarda das condições de navegabilidade.

O corpo lagunar definido e confinado entre as ilhas e penínsulas e a margem continental é constituído por sapais, rasos de maré, canais de maré e pequenas ilhas de carácter lodoso ou arenoso, encontrando-se neste ecossistema vários habitats prioritários em termos de conservação da natureza, o que levou não apenas à classificação como Parque Natural, mas também à sua inclusão na Rede Natura 2000, a par da atribuição de outros estatutos de conservação.

Em termos de dinâmica do ecossistema, um dos aspectos mais marcantes prende-se com as trocas de água entre a laguna interior e o oceano, importantes não apenas em termos de prisma de maré – medida das trocas de água através das barras – mas também em termos de transporte sedimentar e respectiva influência na evolução da morfologia do sistema. Nesse enquadramento, as barras constituem-se como elementos determinantes, verificando-se que as mesmas (à excepção das artificialmente fixadas) se caracterizam por um regime migratório, onde se destacam as deslocações longitudinais, acumulando areias na extremidade de uma das ilhas e erodindo a extremidade da ilha seguinte.

Para lá destes padrões verifica-se ainda uma tremenda vulnerabilidade do sistema face a eventos climáticos extremos – como tempestades, por exemplo – que, no actual quadro de alterações climáticas tendem a aumentar a sua intensidade e periodicidade, pelo que a redução da exposição será de acautelar.

Os antigos conheciam bem e mantinham presente a consciência desta mutabilidade e quase volatilidade – temperamental, para os seguidores da Teoria de Gaia – e por isso baseavam as suas ocupações das ilhas-barreira em estruturas maioritariamente efémeras, com recurso a materiais locais, para que os inevitáveis estragos e perdas não fossem significativos.

É por isso que, quando olhos gulosos assentam sobre a Ria Formosa, pensando em implantar usos estáticos – por exemplo edificações – sobre um sistema elástico, convém não perder de vista esta imagem...
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4 Comments
Manuel Brito
5/9/2020 17:39:12

Muito bem Gonçalo,
está tudo dito para a compreensão do sistema lagunar da Ria Formosa. é um tema a que sou muito sensível.
No entanto fico sempre apreensivo relativamente ao impacto no sistema lagunar dos criados molhes artificiais do Farol e Tavira. Penso inclusive que a Barra da Armona (tanto quanto sabemos a principal barra histórica do sistema e que figura sensivelmente na mesma posição em todos os mapas antigos, portanto que nunca fechou e reabriu nos últimos 500 anos) venha a fechar no prazo de 5 a 10 anos. Assisti ao crescimento continuo da ilha da Culatra, desde basicamente o núcleo habitacional mais o 1º "recovo" até onde está hoje, são cerca de 5 KM em 50 anos. Acresce que a culatra está mais a sul do que a Armona, o que permitirá o continuo crescimento da Culatra de Oeste para Este, fazendo com que a circulação das águas entre a Ria e o Oceano seja cada vez menor. O nome recovo, que sempre ouvi, com o significado de reentrância do tipo circular que a Ria faz em algumas localizações, quase chegando ao oceano, alargando gradualmente para este e oeste a ilha barreira. Talvez estes recovos sejam anteriores localizações das Barras próximas.
O problema é que as consequências disso tem sido negativas para o eco-sistema lagunar, que tem vindo a ficar com uma centralização excessiva da troca de águas entre a Ria e o Oceano na Barra do Farol. Talvez antes da intervenção que permitiu a "criação" da Barra do Farol, a partir de barra existente, representasse 5% das trocas de águas, hoje deve representar talvez 70%, mas em crescimento continuo (hoje a altura de água à entrada da barra é de cerca de 80 metros, tem vindo sempre a crescer desde os penso que cerca de 20 metros iniciais. as zonas mais afastadas do centro vão ficar em muito más condições, e a contribuição da Ria vai reduzir-se quer na diversidade, quer na contribuição para o processo de "viveirismo" piscícola e não só, que a Ria contribui para o Oceano, quer na produção económica de bivalves.
sobre este tema adoraria editar trabalhos. pois penso que quer para a história e historiadores é um tema que pode ajudar a explicar muitas coisas, como sejam aparecimento de aglomerados habitacionais ou armações de sardinha e atum, e a sua evolução, a importância de Portos, entre outras coisas. Não tenho duvidas que Olhão cresceu por estar mais próximo da Barra da Armona, e que provavelmente no sec. xvii a barra do Ancão terá começado a não ter condições de navegação (para além de considerações de índole fiscal). Lembro-me de ter tido uma conversa com o Luís Fraga da Silva sobre navegação na época romana e de ele ter insistido que na época romana a navegação fazia-se, consoante a o rumo da embarcação era de oeste para este ou de este para oeste, por uma barra a oeste de Faro (Ancão) e sairiam pela Barra da Armona ou pela Barra existente em Balsa (a sul de Luz de Tavira) e vice-versa. perceber a evolução de toda a zona lagunar nos últimos 2.500 anos era fantástico.
por outro lado a questão ambiental que ainda é muito mais importante. mas aqui penso que os últimos 50 anos é que contam. imagine o Gonçalo que recuando cerca de 50 anos atrás, constata que a generalidade das embarcações que navegam na Ria são movidas a remos ou com a ajuda de velas, que em toda a Ria não haveria mais de poucas centenas de embarcações de recreio e de mariscadores com motores, estes na generalidade com 4 cavalos. Bom, para além disso haveria as embarcações de pesca e de carreiras entre-ilhas, estas mais poluentes. mas com um efeito social muito diferente, não é recreio.
e agora, a quantidade de embarcações e outros tipos (motos de água) qual será o número actual ? e pior ainda qual a cavalagem disponível na Ria. Admitamos 5.000 embarcações com uma motorização média na ordem dos 25 HP. Temos então cerca de 125.000 HP, que compararia com no máximo 5.000 euros há 50 anos atrás. A carga é insuportável, e continua a crescer, para além do impacto no eco-sistema das intervenções na Barra do Farol e Tavira (que podemos dizer que nas datas em que foram feitas não se sabia o que se sabe hoje nem teriam os mesmos meios de diagn&

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Manuel Brito
7/9/2020 09:13:08

concluiria com a necessidade de medidas graduais de redução da navegação na Ria em geral e dos motores a combustão em particular ao indispensável. A manutenção e recuperação do capital natural da Ria Formosa é prioritário por uma série de razões de preservação do eco-sistema e diversidade, pela salvaguarda da produção económica existente em termos de bivalves e espécies piscícolas e finalmente para o turismo, pelo menos a médio e longo prazos, pois uma Ria "morta" não terá qualquer interesse.
abraço

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Gonçalo Duarte Gomes
7/9/2020 14:38:43

Caro Manuel Brito, muito obrigado pela reflexão partilhada, da qual subscrevo muito.
Não sei se teve oportunidade de ver, mas no meu anterior artigo tinha versado precisamente sobre a questão da organização e disciplina no plano de água da Ria Formosa:
http://www.lugaraosul.pt/home/sou-algarvio-e-a-minha-ria-tem-a-favela-ao-fundo

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João Baltazar
22/9/2020 10:49:52

A mutabilidade da ria não entra nos planos de negocio de quem constrói.
A análise é feita apeas até ao momento da venda. A partir desse momento quem compra e quem é responsável pelas infraestruturas fica com os problemas futuros.
Infelizmente seja por incompetência, inconsciência ou descarada corrupção e compadrio quem teve e tem responsabilidade neste desordenamento tem trocado um futuro sustentável por migalhas e encargos futuros para os nossos filhos.

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