Por Gonçalo Duarte Gomes O recente empossamento do novo Presidente dos Estados Unidos da América representa um sinal de esperança para o Mundo, a vários níveis. Um sentimento que muito deve à fantástica declamação de Amanda Gorman, num grande momento poético e cénico. Como que para calar as vozes que questionam a sua genica, Biden lançou-se de imediato num enérgico afã presidencial, lançando mãos à obra de tentar rectificar algumas orientações adoptadas pelo seu antecessor e de conseguir trilhar novos rumos, que conduzam a respostas não apenas às questões mais óbvias, mas também às mais profundas, que lançam as sombras sob as quais engrossam as hostes dos esquecidos, longe das agendas ideológicas da moda. Uma das suas decisões mais significativas para os restantes condóminos planetários, foi a determinação do regresso, com efeito a partir de meados de Fevereiro deste ano, dos Estados Unidos ao Acordo de Paris, relativo às Alterações Climáticas, de onde este país se havia oficialmente retirado em Novembro de 2019. Não é tanto que a aplicação do Acordo esteja a correr muito bem ou que seja uma ferramenta milagrosa, mas uma das maiores economias mundiais voltar a assumir compromissos para com as metas estabelecidas e, mais importante ainda, para com a inescapável realidade de que é preciso adaptar a acção humana e mitigar os seus efeitos de ampliação sobre os padrões de variabilidade climática e intensidade dos seus fenómenos extremos, é uma boa notícia. Cá no reino não deixámos de assinalar a coisa. Imagino agora a festa que faremos, no dia em que decidirmos, nós próprios, fazer algo quanto a este tema. Porque embora nunca tenhamos abandonado o Acordo, a verdade é que Portugal está nestes pactos internacionais como os sobrinhos estão nas visitas à casa da tia-avó Cremilde: de corpo presente, porque têm que estar e, com sorte, ainda pinga uma notinha no fim, mesmo que para isso tenham que ceder a bochecha para aquele apertão bom. Assim, assinamos tudo, mas depois cumprir com o que dizem os papéis… está quieto.
Cumprir neste caso é, basicamente, adaptarmo-nos, já que este nosso canto, para lá da intrínseca responsabilidade individual e colectiva que a cada um compete, tem uma expressão reduzida ao nível das emissões que se encontram na base do fenómeno. Resta-nos assim abraçar, o melhor que pudermos, este nosso papel de “figuração” na contemporânea luta de classes climáticas. E, dentro deste jardim à beira-mar plantado, o Algarve é um caso ainda mais particular. Sendo a região portuguesa em que mais se faz sentir a influência mediterrânica, é também aquela em que, fruto desse mesmo contexto, existe uma maior exposição aos riscos decorrentes de fenómenos climáticos, ampliados por alterações de padrões já de si marcados por incerteza e violência. Junte-se a isso um modelo paisagístico de ocupação e de exploração dos recursos que optou por ignorar os limites decorrentes dessa condição genética, e o cenário é delicado. À cabeça desta vulnerabilidade encontra-se a temática dos recursos hídricos, tradicionalmente pelos períodos de seca – como aquele que até há pouquíssimo tempo atravessámos e do qual, embora ainda não completamente safos, já não nos lembramos porque entretanto caíram umas pingas – e pela sobrecarga de consumo que sobre eles fazemos incidir, mas também pelas cheias que ocorrem aquando das típicas precipitações torrenciais, referindo apenas os aspectos mais imediatos. Mas depois temos muitos outros factores de exposição, como a concentração da ocupação humana no litoral, incluindo em ilhas-barreira móveis, a artificialização de áreas sensíveis do ponto de vista biofísico (como a rede hidrográfica) ou o despovoamento das paisagens serranas e a progressão da acumulação descontrolada de combustíveis que propicia a progressão de grandes incêndios. Porque a região também visita a tia Cremilde, até já investiu uma pipa de massa num Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas do Algarve. Que depois ignora paulatinamente, como bem demonstra a obsessão de boa parte dos decisores regionais com uma nova barragem quando se fala de água, embora o Plano demonstre como essa solução é a que representa a menor eficácia, com maiores investimentos (construção e manutenção) para resultados mais tardios e fortes externalidades negativas associadas. Na ressaca da actual pandemia, a devastação económica e social será tremenda no Algarve. Todo o actual discurso prospectivo de recuperação se desenvolve em torno da continuação e até intensificação dos erros estratégicos que conduziram a região à actual fragilidade e dependência, revelando que a tão falada mudança de paradigma e estruturação do Algarve para enfrentar os desafios futuros num contexto climático em mutação acelerada enfrenta sérios riscos de atropelamento pela “urgência” (nunca há tempo para pensar). Por outro lado, é certo que nada muda da noite para o dia. E que a natureza globalizada das dinâmicas económicas, a par da própria escala da região, não permite imaginar rumos que levem a novos modelos paisagísticos e de actividade, que permitam uma resolução de base ecológica para os desafios económicos, sem uma integração em contextos mais amplos. Aqui, o Pacto Verde Europeu representará uma oportunidade única, principalmente através do Mecanismo e Fundo de Transição Justa. Ou então apenas mais uma oportunidade perdida. Enquanto não temos vitórias efectivas para comemorar, celebremos então a vitória moral que é o regresso dos EUA à mesa global de Paris.
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