Por Gonçalo Duarte Gomes Em vésperas de um debate em torno da paisagem mediterrânica e, fundamentalmente, do seu futuro, não parece inteiramente desajustada a recuperação de um texto, intitulado precisamente "Manifesto das 3 delícias", que em 2018 foi lançado à discussão (e também à subscrição, sob a forma de petição online - disponível aqui). Longe de ser uma posição acabada, foi assumidamente um ponto de partida para a afirmação de uma reivindicação cívica partilhada e para a provocação de um debate mais alargado, quebrando um silêncio ensurdecedor que então se instalava. Uma ideia que, francamente, parece ainda ter margem para desenvolvimento. O Algarve.
A mais perfeita região de Portugal Continental, em que a realidade biofísica é de tal forma presente, que se impôs à delimitação administrativa, fazendo coincidir os limites de uma e de outra. O Algarve. Encaixado entre o Guadiana e o Oceano, com a sua entrada terrestre guardada pelas Serras do Caldeirão, Monchique e Espinhaço de Cão, protegendo o anfiteatro que se estende até um mar que, não sendo ainda Mediterrâneo, já não é também Atlântico. Porque este aqui não é em qualquer outro lugar, e esta gente não é outra, as paisagens desta terra possuem um cunho único e irrepetível. As paisagens desta terra são o fruto de uma matriz genética telúrica, feita de terra, água, pedras, árvores, ar, chuva e tudo o mais que encerra, cruzada com o pensamento, temperamento, emoção e acção de todos os povos que, nos seus grandes ou pequenos afazeres, nas suas quotidianas ou transcendentes realizações, por aqui passaram ao longo da História. As paisagens desta terra são entidades físicas e emocionais, maiores que a mera e aritmética soma das suas partes. As paisagens desta terra são construções milenares, em processo recíproco e interminável, em que a terra se entranha na alma da gente, e a alma da gente se entranha na terra, cristalizando sobre uma estrutura amorfa, o território, a assinatura cristalina de gente, sob a forma das suas paisagens. O Algarve. Mais do que um mero cenário turístico, o Algarve é uma região onde desde há muito se vive e onde por muito tempo se quer viver. Por isso, este é um manifesto. Pela sua paisagem. Pelo futuro da sua paisagem. Enquanto paisagem viva do Algarve, e não imagem genérica de um não-lugar. Civicamente desejamos: - Um Algarve inteiro, completo, solidário e feliz; - Um Algarve reencontrado na contemporaneidade e reconhecível na sua matriz única de atlantismo mediterrânico; - Um Algarve resiliente, perene e apto para os desafios que o futuro encerra; Exigimos civicamente:
O futuro não se interrompe, não deve nunca ser interrompido. Mas o futuro tem obrigatoriamente passado. De outra forma é ficção. O futuro sem passado é ilusão. E as ilusões só se querem se com os pés bem assentes na terra. Se o doce das três delícias trocar o figo, a alfarroba e amêndoa pelo abacate, pela manga e pela framboesa, talvez continue a ser delicioso. Mas já não será algarvio.
1 Comment
Nelson Mendes
22/11/2020 22:28:21
Achei uma delícia:)
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