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O sr. Manuel não usava colete amarelo.

21/12/2018

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Por Gonçalo Duarte Gomes

A Sara Luz pôs em marcha um pequeno desafio opinativo que tínhamos combinado há tempos: relacionar saúde (o seu tema preferencial e de coração) com ambiente (o meu tema mais recorrente), naturalmente aplicando ao contexto algarvio.

Pedindo-lhe desculpa pelo adiamento, vou deixar o início da minha resposta para o ano que vem.

Porque, nesta época de Natal, não posso deixar passar em branco a história do sr. Manuel.

Imagem
Créditos: João Porfírio/Observador
Manuel Nascimento vivia anonimamente no sítio de Alambique, no concelho de Tondela, até ao fatídico dia de Outubro de 2017, em que o fogo chegou, viu e venceu tudo e todos.

A partir daí, e graças a uma fotografia pungente de João Porfírio, tornou-se célebre. Não porque a sua história fosse particularmente diferente de tantas outras, mas porque a imagem, poderosa, captando um homem, quebrado e vencido por uma tragédia indescritível, a ser confortado, de forma terna pela figura máxima do Estado Português, o Presidente da República, se tornou um ícone.

Um ícone daquele incêndio. Um ícone da afectuosidade do nosso Presidente. Um ícone da atenção que a classe política dava ao seu povo, prometendo que tudo iria correr bem, resolvendo-se em poucos meses. Um ícone que nos garantia que, face à catástrofe, as fileiras se cerrariam em torno dos mais fracos e necessitados, e alguém os acudiria, contra o descrédito generalizado.

Um ícone de esperança.

E nós, meros espectadores que nos tornámos da sociedade de espectáculo que Guy Deborde tão bem retratou, emocionámo-nos. Não tendo encontrado o que desejávamos, que era a prevenção das tragédias, demos por nós a desejar o que tínhamos encontrado: o amparo na tragédia. Passe o que passar, tudo vai correr bem.

Mas depois esquecemo-nos. Outras imagens nos ocuparam a retina, outras histórias nos distraíram. Como as de hoje, de coletes amarelos, animados por sabe-se lá que ideias, tentando emular um modelo de poder na rua, só porque sim.

Entretanto, no passado dia 19 de Dezembro, veio a público a notícia da morte do sr. Manuel, sem ver cumprida a promessa que lhe foi feita, mais de catorze meses depois.

Sem colete amarelo. Sem alarido. Sem voz.

O Natal é uma época de magia.

Principalmente a magia da superação dos nossos humanos defeitos, alcançando, ainda que apenas temporária e muitas vezes hipocritamente, o melhor que há na condição humana: o pensar e cuidar do próximo, principalmente de quem menos pode.

A história do sr. Manuel é triste. Principalmente porque as promessas que lhe foram feitas foram pessoais e intransmissíveis. Não surgiram genericamente num folheto de um qualquer partido, não vieram a reboque de uma esferográfica ou de um boné. Foram-lhe ditas num abraço. Que devia valer alguma coisa, para lá da mera imagem.

Assim, quando o Presidente da República faltou ao prometido ao sr. Manuel, falhou não apenas ele, mas o Estado.

Portanto, falhámos nós.

Falhámos não só ao não cuidar do sr. Manuel e do que ele ali representava, mas também ao tolerar que, no mesmo tempo que não possibilitou a resolução do seu caso, toda a sorte de pulhas e canalhas promovessem esquemas criminosos de apropriação do que não era seu, sem justificação e muito menos pinga de decência, transformando palheiros em casas e outras manigâncias. Esses terão um Natal farto, de regozijo, à volta de uma mesa recheada de pilhagem. Rindo-se de nós. Rindo-se do sr. Manuel.

E nós não queremos saber.

Agora que penso, se calhar já estou a responder à Sara.

Porque esta história é também sobre ambiente. Sobre um modelo de ordenamento do território desumano, que vota largas áreas do nosso território ao abandono, sem projecto, sem ideia, sem paisagem digna desse nome. Que ardem desalmadamente em consequência disso.

E é também sobre saúde, ou falta dela, pois o que resulta deste modelo territorial – e social – é necessariamente insalubre, consumindo física e psicologicamente as poucas e envelhecidas gentes que por lá vão ficando esquecidas e votadas ao desamparo, e alheando todos os restantes até ao ponto da insensibilidade crónica. Finalmente, esta história é também sobre o Algarve, pois Tondela é Monchique (como no passado foi Tavira, Pedrógão, S. Brás de Alportel), e o sr. Manuel vive também aqui, num qualquer outro sr. Manuel.

Neste tempo de Natal, seria bom que conseguíssemos pensar em formas de fazer cumprir a sua prometida magia ao longo de todo o ano. Era provavelmente a melhor prenda que oferecíamos uns aos outros.
​
Boas Festas.
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