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O rooftop é o limite, ou Ícaro atirando-se de uma açoteia farense

21/6/2019

3 Comments

 
Por Gonçalo Duarte Gomes

A mitologia grega tornou famosa a ilha de Creta, à conta de uma pequena falcatrua levada a cabo pelo rei Minos relativamente a Poseidon, deus dos mares, que levou a que este fizesse com que a esposa do rei tivesse uma fraqueza das carnes e se enamorasse de um lindo toiro, da qual nasceria uma bicheza de mau-feitio conhecida como o Minotauro.

Teve entretanto que entrar em cena Dédalo, empreiteiro de renome, que lá fez um labirinto para conter a mítica criatura. Com medo que o mestre-de-obras fosse contar mais do que devia, o rei Minos aprisionou-o.

Mas nas veias de Dédalo corria sangue de MacGyver, e mesmo sem canivete suíço, o homem lá construiu umas asas de cera e penas de pássaros para si e para o seu filho, Ícaro, de forma a que pudessem escapar.

Na altura do voo, o ancião avisou o fervoroso filho para ter cuidado. Deveria voar a uma altura média, evitando demasiada proximidade do mar (sob pena de humedecer em demasia as asas) e alturas que em excesso o aproximassem do Sol (derretendo os úteis apêndices). Uma metáfora para a oscilação entre a indulgência e o hubris, dizem-nos.

Ícaro ignorou o último conselho e, voando bem alto, viu as suas asas transformarem-se em líquido depilatório, mergulhando a la tijolo no Mar Egeu.

Diz quem viu que, no entanto, o lançamento do voo foi coisa linda, e a partir de um rooftop.
Mais ou menos do mesmo ponto de onde Faro pretende lançar parte do seu futuro…

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Paisagem com a Queda de Ícaro, de Pieter Bruegel (c. 1558)
Decorre em Faro o Açoteia – Faro Rooftop Festival, um evento cultural, fortemente marcado pela música, mas que, mais do que simplesmente animar a malta, pretende pô-la a pensar nos desafios contemporâneos que se colocam ante a vida urbana, e de que forma se pode evoluir a partir do ponto em que estamos.

Para esse efeito promove uma Conferência Internacional (mais informação aqui) em que "avistar o Futuro a partir das açoteias" é o objectivo proposto, recorrendo à arte como forma primeira de mobilizar a comunidade, tendo em vista a criação de um conteúdo efectivo para um discurso e, acima de tudo, uma prática centrada no hoje em dia perigoso chavão da sustentabilidade.
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A ideia parece-me feliz, e dá seguimento a um tema que já anteriormente havia sido abordado por Faro.

Desde logo por consagrar o termo açoteia no baptismo deste acontecimento, relegando para segundo plano a terminologia estrangeira do rooftop, mal necessário para a partilha de experiências e ideias com o restante mundo, ainda à espera de ser educado para a maravilha deste nosso conceito arquitectónico e cultural. Lá chegarão, esperemos.

Seguidamente, a proposta de mudança de perspectiva no olhar a lançar sobre a cidade é, como qualquer esforço de fuga ao espaço de conforto, vantajosa.

Finalmente, a grande bondade deste esforço surge-me no envolvimento da comunidade e no desejo de criação de respostas efectivas e pragmáticas que, para lá da teoria, consigam ser enraizadas numa cultura urbana – e não só – de construção, gestão e vivência dos espaços.

No entanto, parece-me que este lançamento do futuro a partir de várias açoteias farenses encerra os mesmos riscos relativamente aos quais Dédalo avisou Ícaro.

Uma parte significativa das distopias futuristas, retratadas principalmente pela ficção científica, partilha um cenário comum: a concentração massiva de população em urbes agressivas, sombrias, desprovidas de vegetação, e recorrentemente projectadas em altura, até limites perfeitamente absurdos, em que as ruas se tornam palco do mais primário e perigoso estado de existência.

Tal surge-me como uma metáfora clarividente do rumo que, colectivamente, tomamos neste percurso a que alguns ainda conseguem chamar desenvolvimento, e do desencantamento que cada vez mais provoca.

A nossa concentração urbana é inegável e aparentemente imparável, e tem como grande consequência um também crescente e inexorável distanciamento relativamente à matriz telúrica de onde emergimos e da qual, apesar de todo o deslumbramento tecnológico, dependemos ainda e sempre.

É portanto importante que, nesta ascensão às açoteias para pensar e perspectivar o futuro, não nos esqueçamos de fincar bem os pés descalços na terra nua, para que os sonhos que possamos viver não derivem para pesadelos por falta de ancoragem em raízes sólidas.

Para tal, de lá de cima, temos que olhar a forma como, cá em baixo, tratamos as árvores, os espaços que dedicamos ou suprimimos ao desafogo da (o)pressão da malha urbana, as artérias para a circulação não apenas de pessoas, carros ou trotinetes, mas também do ar, a regulação térmica, a projecção em altura das torres de betão e a sombra (literal e metafórica) que estas projectam sobre as ruas, a atenção à escala humana.

De lá de cima, onde quase sempre conseguimos avistar a Ria Formosa, temos que nos lembrar que, cá em baixo, são já muitas as barreiras, físicas mas não só, que cortam uma relação que deveria ser umbilical.

No fundo, que de lá de cima não nos esqueçamos que é cá em baixo que vivemos.

Para que, ao contrário de Ícaro, este voo colectivo em direcção ao futuro seja glorioso, e não catastrófico.
​
O lançamento, para já, é promissor.
3 Comments
Miguel
23/6/2019 15:27:06

Correndo o risco de parecer pessimista, considero antes de tudo o evento como positivo pela vertente cultural, mas acaba ai; todos os conceitos extra que se pretendam agregar a este evento, não passam de jargão para embelezar o mesmo.
Em todo o Portugal, com destaque para o sul do país, e no sul o Algarve litoral é uma autêntica selva de betão, um inferno escaldante no verão, desagradável à vista (salvo certos recantos) e muito pouco user friendly, Faro não escapa de todo deste cenário, e não existe da parte dos responsáveis nada que indique uma vontade de mudança de paradigma, afinal espaços verdes para quê? Lembro-me de em campanha o actual presidente dizer que existiam pela cidade proto espaços verdes que não servem para nada, como se uma cidade como Faro pudesse dispor de apenas uma ou duas manchas verdes (talvez alameda e mata do liceu) para proporcionar os serviços que estes espaços proporcionam.
Compreendeu-se que eventos culturais também atraem turistas (valha-me Deus pensar para além do turismo) para além do sol e praia, e se os locais puderem deles desfrutar tanto melhor, nada a apontar antes pelo contrário, mas creio que teremos de aceitar que findo este evento como todos os outros, depois das fotos de circunstância e artigos nos jornais locais resta o que resta sempre; nada, até ao próximo.

Reply
Gonçalo Duarte Gomes
23/6/2019 20:33:10

Miguel, concordo inteiramente com o risco de que o evento seja apenas para turista ver. Daí o alerta para que das açoteias não se esqueçam as ruas, os parques, e tudo o resto.
No entanto, quando estas iniciativas assumem "a comunidade" como grande força motriz e actor central nos processos, para além da frase feita que fica sempre bem, são dadas todas as condições para que a comunidade exija e cobre o que lhe é devido.
Haja vontade e ânimo para tal!

Reply
Miguel
29/6/2019 10:46:07

Assim o espero Gonçalo, e da minha parte, fazendo o que está ao meu alcance para alertar, educar, incentivar acções e mudanças, que nos parecem tão distantes mas que apenas precisam de um empurrão por parte dos seus beneficiários; os cidadãos comuns - mas é fácil cair no pecado do desalento com tanto desassombro fácil em persistir e aumentar politicas que se sabem erradas por incapacidade de planear a longo prazo - Haja ânimo indeed.




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