Por Andreia Fidalgo Nos últimos tempos, não têm faltado notícias sobre os efeitos nefastos da pandemia e do confinamento obrigatório no Algarve. Por ser uma região altamente dependente do sector turístico, é também a região portuguesa mais afectada economicamente, com o desemprego a atingir valores muitíssimo elevados e preocupantes. De acordo com os dados do Instituto do Emprego e Formação Profissional, no final de Janeiro estavam inscritos, no Algarve, 33.571 trabalhadores. Nada mais, nada menos, do que mais 61,3% do que no mesmo mês do ano passado, quando a pandemia ainda não nos tinha assolado. No ano de 2020, a taxa de desemprego no Algarve foi a mais elevada de todo o país, na ordem dos 8,3%, quando a média nacional se fixou nos 6,8%. A somar a este cenário desolador, o risco de micro e pequenas empresas falirem é muitíssimo elevado… Muitos negócios não se conseguirão certamente reerguer depois de tantos duros golpes. Seria de esperar que, perante uma situação tão complicada em que as fragilidades regionais ficaram a descoberto, o Governo tivesse uma especial atenção para com o Algarve. Nesse sentido, a 21 de Julho do ano passado, António Costa anunciava um “programa específico para a região do Algarve” de 300 milhões de euros destinado ao apoio da economia regional. Mas, como as palavras, leva-as o vento, mais de seis meses transcorridos e parece que do dito apoio, nem há sinais. No entretanto, a população algarvia que se amanhe… A famosa “bazuca” de que tanto se fala, isto é, o Plano de Recuperação e Resiliência, parece que pouco contemplará as necessidades específicas do Algarve, nem apresenta para a região qualquer visão estratégica, nem grandes indícios de qualquer tentativa de coesão territorial. Ao Algarve caberá directamente a magra fatia de 1,7% dos milhões que estão destinados ao país. Parco, muito parco perante uma situação calamitosa e que tenderá a agravar-se nos tempos vindouros. Serve este preâmbulo para iniciar aqui uma breve reflexão sobre os contornos históricos da evidente negligência e indiferença do “centro” perante as necessidades das regiões “periféricas” – nas quais o Algarve se inclui, mas não é exemplo único. O binómio centro-periferia aplica-se tão bem aos dias de hoje como se aplicou durante séculos à história algarvia: um centro que absorve e esgota recursos, promovendo os seus próprios interesses – raras vezes coincidentes com os interesses do todo –, e uma periferia que é sucessivamente negligenciada e escamoteada. Em suma, o Algarve encerra em si o exemplo perfeito, pelos piores motivos possíveis, da máxima queirosiana “Lisboa é Portugal. Fora de Lisboa não há nada. O país está todo entre a Arcada e S. Bento!”. Ou seja, na sua versão popularizada, “Portugal é Lisboa e o resto é paisagem”. Já é sobejamente sabido que o Algarve foi a única região do país que teve a designação simbólica de “Reino”, como se de um Reino à parte de tratasse, mas sem nunca o ter sido efectivamente. A designação simbólica de “Reino do Algarve” perdurou desde a conquista cristã do território algarvio, nos meados do século XIII, até à implementação da 1ª República, em 1910.
Mas o simbolismo teve repercussões mais efectivas. Passado o fulgor das expedições marítimas, no século XV e primeira metade do XVI, em que o Algarve saiu temporariamente da situação de periferia para se tornar centro e palco das navegações, rapidamente foi relegado, nos séculos seguintes, para uma posição periférica e secundária, totalmente esquecido pelos poderes do centro. Em períodos anteriores da nossa História, em que as vias de comunicação eram altamente deficitárias, o Algarve apresentava-se como uma região distante, de difícil acesso e contacto, muito devido às suas condições geográficas, em que a delimitação administrativa coincide com a delimitação biofísica de extensas serranias a norte, o rio Guadiana a este e o Atlântico a sul e a oeste. Assim, durante grande parte da Época Moderna, o Algarve não foi, de facto, um Reino à parte, mas fosse devido ao isolamento, ou fosse devido ao esquecimento, acabou por desenvolver idiossincrasias muito próprias que em muito o aproximavam dessa condição individualizada: a sociedade algarvia tinha condutas diferenciadas, pagavam-se aí impostos como se a região fosse um reino estrangeiro, e até a correspondência que para aí seguia pagava os portes de envio iguais à que ia para Castela. A situação diferenciada era de tal forma evidente que, durante o pombalismo e numa estratégia absolutista de reforço do poder do centro, o Algarve iria despertar o interesse da Coroa. Seria então criado, nas décadas de 60 e 70 de Setecentos, um plano de reforma económica e administrativa da região, no qual se intentaria acabar com a diferenciação regional, integrando o Reino do Algarve no restante Reino de Portugal. Foi nesse âmbito que se procurou abolir, por decreto, a “odiosa diferença” entre o Reino do Algarve e o Reino de Portugal plasmada numa discriminação aduaneira que era largamente prejudicial à região. Porém, a diferença não cessou com um plano que se gorou. Nem tampouco a indiferença. Findo o ímpeto reformista pombalino, a região algarvia retomou a sua posição periférica, permanecendo negligenciada e esquecida pelo centro. Quer-me parecer, aliás, que nunca saiu dessa condição até aos dias que correm. E perante a sucessiva negligência das necessidades regionais, ano após ano, década após década, muitas vezes dou por mim a pensar se parte dessa atitude de desprezo do centro perante a periferia algarvia não estará, efectivamente, imbuída de raízes muito mais antigas, com séculos e séculos de existência. Será caso para perguntar: até quando?
4 Comments
Nuno Beja
10/3/2021 15:36:47
É isto mesmo Dra. Andreia. Muito bem! Acrescentaria que o "lastro" histórico da indiferença que o Algarve carrega não desapareceu, pelo contrário, continua a acentuar-se. Refere a percentagem de verba do PRR que é ridícula, tal como os 300 milhões que, creio, devem ter ido para, por exemplo, a expansão dos metro s do Porto ou de Lisboa. Por aqui fomos abençoados com 65 milhões para a eletrificação da nossa linha do Algarve e não nos queixemos que já é muito e bom apesar de vir com 47 anos de atraso. Isto e muito mais reside, atualmente, no método de Hondt. Na corte de Lisboa com sede em São Bento, na São Caetano à Lapa e no Largo do Rato, fazem-se estas contas: o Algarve conta com 9 almas no parlamento; Lisboa e Porto juntas, 86; Braga 19, Setúbal 18 e Aveiro 16. Ora, 9 alminhas por mais abnegadas que sejam, pouco contam na corte. E isto é mesmo assim por mais que digam que não é! E imagine então a Dra., Portalegre que elege 3 almas para a corte tal como Beja! É para esquecer, porque não representam nada a não ser umas esmolas que temos que dar quando algum meio de comunicação social resolve ir lá ao interior para ver como vivem os "esquecidos e ostracizados". No Algarve não é preciso mais nada porque eles têm praias e excelentes hotéis e restaurantes fantásticos! Os nossos autarcas, coitados, pouco unidos, fazem o que podem mas podem pouco e de vez em quando lá vem uma esmola para ver se se calam. Não é apanágio do algarvio ser mais incisivo, como, melhor que ninguém, a Dra. sabe, ao contrário dos nossos compatriotas do Norte. Com eles, por muito menos, já se tinha cortado a Linha do Sul ou a A2 impedindo a corte de chegar ao seu resort favorito, e aí, se calhar, o Algarve poderia de facto mostrar de que cepa era feito. Mas não. Enquanto houver sunset parties e pôr do sol, está-se bem.
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António Silva
10/3/2021 17:54:19
Sou um algarvio adoptado, isto é, vivo há menos de 10 anos no Algarve, mas concordo plenamente com ambos. Mais do que no saber é no sentir das circunstâncias que nos apercebemos do seu peso. Obrigado pelo vosso artigo bem esclarecedor.
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José Guerreiro
11/3/2021 00:42:13
Assim como tem ido nas últimas décadas, não vamos lá.
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Miguel
11/3/2021 12:31:26
A única solução será a Autonomia, ou seja Regionalização, poderei ir até mais longe e dizer mesmo Independência ou secessão, já que candidatos para parcerias diversas ou mesmo uma união temos, no ultimo caso está mesmo a nosso lado e com "ela" temos mais em comum do que com o centro ou norte deste desgraçado país.
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