Por Andreia Fidalgo Por vezes, a identidade cultural perde-se, porque não há quem dela tome conta. Nem mesmo as instituições às quais supostamente competiria tal tarefa difícil. Sempre me fez confusão esta coisa do Halloween. Quando eu era miúda, era coisa que não se celebrava, e máscaras só vê-las mesmo no Carnaval. Actualmente, são as próprias escolas a fomentar uma tradição importada, incitando os miúdos a vestirem-se a rigor, sob o consentimento praticamente unânime dos pais que só querem ver os petizes felizes e contentes (e quem os pode culpar?!). No entanto, se pararmos para pensar um pouco, talvez fizesse mais sentido que estas mesmas instituições escolares se preocupassem em manter vivas as tradições portuguesas (e, felizmente, ainda há algumas que o fazem!), transmitindo-as aos mais novos, para que com o passar dos anos estas não se percam por completo. Por cá, em certas regiões, havia um ritual igualmente interessante e já muito esquecido, chamado Pão-por-Deus (o nome nem sempre era este, variava de terra para terra). Trata-se de um peditório que decorria na manhã do Dia de Todos os Santos, no qual as crianças e os pobres batiam à porta das casas da sua vizinhança, com um saco de pano, pedindo pão por Deus, em troca de orações pelos mortos. As dádivas que recebiam não eram unicamente pão, ou bolos: podiam ser frutos da época ou mesmo moedas. O peditória era acompanhado de versos, tais como: "Pão por Deus, Fiel de Deus, Bolinho no Saco, Andai com Deus." Quando era oferecida a dádiva, podia-se responder: "Esta casa cheira a broa Aqui mora gente boa. Esta casa cheira a vinho Aqui mora algum santinho." Quando a dádiva era recusada, podia dizer-se o seguinte: "Esta casa cheira a alho Aqui mora um espantalho Esta casa cheira a unto Aqui mora algum defunto." Na ausência de resposta: "Se tem pão e não quer dar Deus lhe parta o alguidar Quando estiver a amassar." Esta tradição tem raízes antigas, provavelmente proveniente de rituais pagãos, posteriormente incorporados no Cristianismo. Há notícia, no século XV, de que havia a obrigação de distribuir pelos pobres, no Dia dos Fiéis Defuntos, o pão por Deus. O terramoto de 1 de Novembro de 1755 é apontado por alguns estudiosos como um momento-chave para cimentar a tradição do pão por Deus, visto que a miséria e a fome por ele gerados teriam incitado os peditórios. Uma tradição actualmente quase esquecida, substituída por um ritual importado, de origem anglo-saxónica. Não seria bem mais interessante reavivá-la? Sobre o Pão por Deus e todo o ritual do Dia dos Mortos, veja-se a interessante tese de Mestrado de Margarida Dourado Dias, O ritual do Dia dos Mortos na aldeia transmontana de Meixide : a expressão estética da lembrança e a procura da imortalidade, Universidade do Minho, 2009.
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