Por Gonçalo Duarte Gomes Agora que já sabemos que a pandemia que nos afecta não veio mudar rigorosamente nada na natureza humana, nem veio contribuir para qualquer melhoria ao nível da humanidade da Humanidade ou da consciência e solidariedade, ficamos todos mais descansados, podendo voltar a concentrar-nos nas coisas comezinhas que até à eclosão deste problema viral nos atormentavam, livres dessas utopias castigadoras e trabalhosas. No Algarve, a orgulhosamente construída dependência do turismo como única actividade económica está, comme il faut, na ordem do dia. Primeiro porque simplesmente não havia turismo, a seguir porque o turismo podia representar uma bomba na saúde pública, entretanto porque os turistas ingleses não vinham (apesar de afinal virem), depois porque os turistas holandeses se entretêm a fazer aquilo que é suposto um turista holandês cá vir fazer… enfim, um clássico “casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”. Nunca é demais dizê-lo, para ver se alcançamos no futuro alguma curva de aprendizagem: são problemas económicos, sociais e de saúde pública (não apenas pelo vírus, mas também pela miséria e pela fome, que matam igualmente) de uma região afinal ridiculamente vulnerável, apesar de constantes bravatas e gabarolices sectoriais. Mas entretanto, de tão absorvidos que estamos nessas discussões virais e virológicas, parecemos esquecer outras coisas, tão ou porventura ainda mais importantes. Mais alguma vez se ouviu falar da água no Algarve? Março, Abril, e até Maio, acabaram por ser meses milagrosos do ponto de vista dos recursos hídricos da região. Não porque tivessem resolvido todos os problemas, mas porque as significativas precipitações ocorridas geraram alguma – não muita – folga numa situação que estava para lá de crítica. Já nem nos milagres somos exigentes… De acordo com os dados do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos, à data de Junho deste ano o panorama nas reservas de superfície (incluindo rega, abastecimento público e fins múltiplos) algarvias era o seguinte:
* capacidade útil estimada a partir do volume morto indicado para cada albufeira Do ponto de vista da seca, os dados do Instituto Português do Mar e da Atmosfera revelam que todo o Algarve se encontra em seca fraca, de acordo com o Palmer Drought Severity Index, índice que combina os efeitos de temperatura, precipitação e capacidade de água disponível no solo.
Portanto, numa altura em que o calor começa a apertar, estamos sequinhos – ainda que não muitos – e com não tanta água quanto isso para atravessar o deserto. E ainda apenas com, basicamente, os mamíferos do costume cá na região, ou seja, nós mesmos. Agora que começa a haver alguma retoma do turismo, prevê-se que a carga sobre as disponibilidades hídricas aumente também, mesmo que em níveis significativamente inferiores em relação a anos anteriores. Recorde-se que a sazonalidade é um factor amplamente problemático no abastecimento de recursos hídricos na região. No seu Relatório e Contas referente a 2018, a Águas do Algarve, S.A. apontava que a época alta apresentou nesse ano um factor de ponta de 1,66 (superior ao de 2017, que se havia saldado em 1,60). Outros dados apontavam já que o consumo de água em contexto doméstico se havia agravado significativamente no decurso da pandemia e, concretamente, do confinamento, o que é natural e compreensível, quer seja pelo reforço dos hábitos de higiene, quer seja pelo maior tempo de permanência das pessoas em casa. Se juntarmos a tudo isto algumas notícias que, aqui há poucas semanas, alertavam para a louca corrida que se estava (e está) a verificar às piscinas em Portugal (ver um exemplo aqui), a trama adensa-se. Neste caso, concretamente, tal frenesim piscineiro (fazendo lembrar os tempos áureos de um tal Jonas em grandes áreas adversárias) deve-se ao facto do pessoal, receoso – de forma mais ou menos justificada – de se ir rebolar para areias onde a Covid-19 pode estar à espera para trincar pálidas banhas incautas, qual traiçoeiro pulgão, rapidamente ter pensado em alternativas para pôr a carcaça de molho. Com miudagem à mistura então, maior a pressão… Vai daí, a piscina, desde o mais tristonho redondel insuflável até à mais olímpica das quadras aquáticas, tornou-se o “portuguese ( e algarvian, pois então!) dream”, ao alcance (variável) da bolsa. Um sonho que precisa de muita água para se viver. Perante tais especificidades hídricas do contexto particular que atravessamos, e a que se junta a irresponsável gestão que a região costumeiramente faz da água – e que até se agravou, como o demonstra a progressão descontrolada do regadio – é caso para perguntar: alguém está a prestar atenção a isto, e a pensar em soluções, de forma integrada?
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