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O fungágá da bicharada

2/7/2021

2 Comments

 
Por Gonçalo Duarte Gomes

O Parque Natural da Ria Formosa (PNRF) tem andado nas bocas do Algarve, em tempos recentes, pela aparente impotência face a diversos atropelos que ocorrem nesta área protegida, em plena luz do dia e de forma reiterada e perfeitamente descarada.

Já (aqui) houve oportunidade de tentar analisar as causas para as limitações e desautorizações que afectam o PNRF e o seu organismo tutelar, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P. (ICNF). Entre elas, e talvez à cabeça, encontra-se o desfasamento entre a magnitude das suas atribuições e os meios – humanos, materiais e financeiros – afectos à tarefa.

A ajudar à festa, a publicação do Decreto-Lei n.º 46/2021, de 11 de Junho, veio também, entre outras alterações, acometer ao ICNF competências no domínio... dos animais de companhia!

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Assim, a um Instituto humana e materialmente já assoberbado no desempenho das suas normais competências, decidiu-se assim atribuir um novo conjunto de incumbências, com implicações ciclópicas e que, na prática, se antecipam inexequíveis.

​E que fundamentalmente introduzem, a martelo, nos afazeres do ICNF matérias que nada têm a ver com o seu âmbito e que, sob vários aspectos, são antagónicas à sua essência.

Entre estas encontram-se a definição e aplicação das políticas de bem-estar, detenção, criação, comércio e controlo das populações de animais de companhia, a definição de estratégias adequadas à protecção desses mesmos animais de companhia em situações de acidentes graves e catástrofes, ou ainda assegurar o cumprimento das regras aplicáveis à detenção, criação, comércio e exposição de animais de companhia.

Coisa pouca, portanto.

Na génese do que hoje é o ICNF está o Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património Paisagístico, fundado em 1975, no âmbito da organização da Secretaria de Estado do Ambiente. Destinava-se a inventariar, estudar e gerir paisagens e sítios e respectivos elementos caracterizantes, definindo áreas de protecção e a promulgação de medidas que protegessem os respectivos valores presentes (naturais e culturais), entre as quais a constituição de Áreas Protegidas e a elaboração e dinamização dos seus planos de ordenamento. Tudo isto numa óptica de valorização paisagística, cultural, cívica e física, sempre orientada para as populações e inserida numa lógica de coesão territorial.

Desse organismo de visão abrangente, de organização política, territorial e de perenidade, hoje pouco resta. Por circunstâncias várias (que aqui não cabem), a sua missão está sectorialmente mais restringida, centrando-se em matérias de conservação estrita, nomeadamente em termos de áreas protegidas e classificadas.

Com a presente alteração, ainda menos sobrará.

Para além das óbvias questões ontológicas encerradas no confronto entre perspectivas urbanas e rurais que a atribuição destas competências traduz, há questões imediatas, práticas, que saltam à vista.

Hoje em dia, o fenómeno dos animais de companhia assilvestrados (seja por fuga, por abandono ou por desorientação) representa uma ameaça séria para a conservação de várias espécies da fauna selvagem que se tornam alvo de comportamentos predatórios, bem como factor de desequilíbrio para as dinâmicas de certos habitats e populações.

Quando confrontado com o dilema entre ter que salvaguardar espécies selvagens e conter populações ou comunidades de animais de companhia assilvestrados, o que fará o ICNF?

Mais, atentando na redacção do novel Artigo 2.º-A do Decreto-Lei n.º 46/2021, lemos que, bem-estar animal é entendido como “estado de equilíbrio físico e mental de um animal em relação às condições em que vive e morre, incluindo a ausência de fome, sede e má nutrição, de desconforto físico e térmico, de dor, lesão e doença, de medo e stresse, bem como a oportunidade de expressar o seu comportamento natural”.

A conceptualização num tema destes não é fácil, muito menos consensual mas, à luz desta visão, não terá então o ICNF a obrigação de, por exemplo, libertar todos os animais enclausurados em apartamentos exíguos ou outras condições inadequadas e até insalubres, onde passam boa parte dos seus dias fechados, sozinhos, impedidos de “expressar o seu comportamento natural”? E se, ao “expressar o seu comportamento natural”, estes animais colocarem em risco outras espécies, concretamente espécies protegidas, como se sana este conflito, desde logo interno, do ICNF?

Torna-se claro que este acrescento orgânico é uma resposta à pressão política que cresce em torno dos animais de companhia. Esta traduz, no seu cerne, uma evolução positiva relativamente à forma como a sociedade encara os animais e à ética que devemos emprestar ao seu tratamento. No entanto, se esta visão se desconectar de um quadro mais amplo e, principalmente, se descontextualizar de princípios ecológicos (como, por exemplo, as relações de predação ou a dominância de espécies), e a sua concretização passar pelo prejuízo de uma política integrada de conservação da natureza, seja por conflito de competências ou desvio/reafectação de recursos manifestamente escassos, representará apenas um retrocesso.

As instituições da Administração representam e servem o Estado, não o Governo.

Assim, se há um interesse, por exemplo partidário, no quadro de alianças parlamentares, em ceder a agendas animalistas – que, regra geral, acrescentam zero – e outras visões sectoriais e sectárias nesse domínio, seguramente que o ICNF não é a sede própria ou veículo adequado para tal.

Até porque, a médio e longo-prazo, tanto a inviabilidade do modelo como a sua contradição intrínseca não só não representarão qualquer mais-valia para os animais de companhia e para a resolução das faltas de que são vítimas, como gerarão um efeito diametralmente oposto.

Entre bichanos e bicheza há diferenças fundamentais, que também institucionalmente devem ser preservadas.

Caso contrário, tudo se tornará um fungagá da bicharada.
2 Comments
Miguel
11/7/2021 13:32:28

Confusão, incuria, incompetencia, um pouco de todas talvez? Sobre este tema:

" Hoje em dia, o fenómeno dos animais de companhia assilvestrados (seja por fuga, por abandono ou por desorientação) representa uma ameaça séria para a conservação de várias espécies da fauna selvagem que se tornam alvo de comportamentos predatórios, bem como factor de desequilíbrio para as dinâmicas de certos habitats e populações."

Entramos aqui no cerne da questão, com a medida emocional, muito impulsionada por certo partido, e cavalgada pelos demais - não convém perder a moda - criou-se um problema tremendo com repercussões no meio ambiente, e mais tarde na saúde, economia e até integridade física das populações, em certas condições, não há solução ao abate, ponto final, que o diga a Austrália e outros países com enormes problemas com populações de animais assilvestrados, mas claro, há ligação emocional com cães e gatos, mas nem por isso com linces, coelhos, perdizes, e já sabemos que entre emoção e razão (ou neste caso conhecimentos de Biologia) a primeira costuma sobrepor-se no que às massas diz respeito.

Pesa-me imenso ver o estado a que o ICN -recentemente F está a chegar, pois possui uma função essencial, num país com tantos atropelos e degradações ambientais.

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Gonçalo Duarte Gomes
20/7/2021 14:02:31

Miguel, o PAN foi realmente pioneiro na agenda emocional dos animais de companhia, mas parece-me que enfrenta, hoje em dia, concorrência séria no assédio ao eleitorado animalista (a que é relativamente fácil de apontar, com os 4 deputados eleitos por 3 círculos eleitorais, com 3,28% dos votos nacionais, o que equivale a 1,49% dos eleitores, despistada a abstenção), pelo que não explica tudo, nesta matéria.
Aliás, o que mais e melhor explica esta aberração a que assistimos é a cedência, por interesse partidário, do Governo a tudo o que são agendas radicais, sem qualquer ponderação com a realidade ou com a missão do Estado e dos seus diferentes organismos.

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