Por Luís Coelho. Desde Abril de 1991 que Portugal dispõe de um organismo próprio e legalmente constituído cuja função é a de supervisionar e regular os mercados de instrumentos financeiros, assim como os agentes que neles actuam. De facto, no nosso país, é à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) que cabe estatutariamente o papel de proteger os interesses dos investidores dado que é a ela que estão acometidos os poderes de regulação, regulamentação, supervisão, fiscalização e sanção de infracções no contexto do nosso mercado de capitais. Numa entrevista recente, Carlos Tavares - actual Presidente da CMVM, verbalizou o seu desconforto com aquela que é a situação do mercado de capitais Português. Em particular, o principal responsável pelos destinos deste organismo lamentou que nos últimos anos se tenha assistido a uma queda acentuada do número de empresas cotadas, que se tenham visto poucas ou nenhumas operações de oferta pública inicial, que o peso da capitalização bolsista no PIB nacional se tenha reduzido consideravelmente e que a liquidez se tenha concentrado em apenas um pequeno punhado de títulos disponíveis para transacção no mercado. Carlos Tavares rematou as suas declarações afirmando que “(...) O Governo, os empresários e o sistema financeiro têm de inverter o 'emagrecimento' do mercado de capitais para ajudar na crucial tarefa de recapitalizar as empresas, reduzir o risco de crédito e dar competitividade à economia (...)”.
As palavras do Sr. Presidente da CMVM devem merecer a nossa reflexão. De facto, é impossível ter uma economia forte, vibrante, competitiva e capaz de gerar valor sem que exista um sector privado bem capitalizado. Infelizmente, todas as estatísticas oficiais mostram que este não é o caso Português. Por exemplo, o último estudo disponibilizado pelo Banco de Portugal (dados de 2014) sobre as sociedades não financeiras mostra que o nível médio de autonomia financeira das mesmas se situa nos 30% (i.e., em média, apenas 30 cêntimos do activo é financiado por capitais próprios), sendo que aproximadamente uma em cada três está em situação de falência técnica. O mesmo estudo revela ainda dois aspectos preocupantes. Primeiro, a principal fonte de capital alheio utilizado pelas sociedades não financeiras em Portugal são os empréstimos bancários (26%), algo que demonstra bem a dependência das nossas empresas face a esta fonte de financiamento. O segundo é ainda pior: das 390 mil empresas em actividade em Portugal, 89% são microempresas (i.e., têm menos de 10 trabalhadores e um volume de negócios anual ou balanço total anual que não excede os 2 milhões de euros); ao mesmo tempo temos apenas 0.3% das firmas classificadas como grandes empresas (i.e., têm mais de 250 pessoas ao serviço ou um volume de negócios superior a 50 milhões de euros e activo líquido superior a 43 milhões de euros). Poder-se-á então concluir que a nossa economia está assente num largo contingente de empresas muito pequenas, as quais apresentam um desequilíbrio significativo na sua estrutura de capital, facto que só por si coloca em causa a sua capacidade de concorrer no mercado e praticamente inviabiliza a possibilidade de sonhar com um país mais inovador, com mais emprego e melhores salários. Diria pois que eu e o Sr. Presidente da CMVM estamos em total sintonia no seguinte aspecto: importa criar condições para que as empresas nacionais se possam recapitalizar de forma sustentável, reforçando-se assim a sua capacidade para gerar valor. Esta tarefa não é urgente; é, claramente, emergente. Curiosamente, o mercado de capitais poderia, eventualmente, assumir-se como um mecanismo relativamente eficaz para atingir o desiderato ao qual acabo de aludir. Em tese, de forma algo simplista, os mercados de capitais servem, essencialmente, para aproximar os aforradores das oportunidades de investimento que existem em condições de transparência, rigor e igualdade entre as partes. Ora, numa economia como a Portuguesa, em que muitas empresas estão totalmente dependentes do financiamento bancário e, logo, a necessitar de uma forte injecção de capital próprio para se transformarem, seria lógico admitir que o nosso mercado de capitais fosse amigo deste tipo de investimento. A realidade, no entanto, desprova esta ideia. Para além de estar assente num quadro legal desfasado da nossa realidade empresarial (veja-se o falhanço clamoroso do mercado Alternext em Portugal), o nosso mercado de capitais viu a sua credibilidade colocada em causa em face dos bem conhecidos escândalos que ainda hoje pesam de forma muito considerável na carteira dos contribuintes nacionais. É então caso para dizer que se a falta de aforradores é algo exógeno à vontade da CMVM, já a questão da pugna pela transparência e pelo rigor em prol da credibilidade do mercado é, simplesmente, uma sua incumbência estatutária. Não deixa por isso de ser curioso ver a pessoa que desde 2005 preside aos destinos da CMVM a lamentar-se publicamente do movimento que parece conduzir ao definhar ainda mais claro e acentuado do nosso mercado de capitais...
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