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O chão que pisamos

18/12/2020

2 Comentários

 
Por Gonçalo Duarte Gomes

Numa sessão de debate e reflexão promovida ontem pela Secção Regional do Algarve da Ordem dos Arquitectos em torno da Lei de Bases da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo (Lei n.º 31/2014, de 30 de Maio, disponível aqui, na sua versão consolidada), e convidado a contribuir para o tema, dei por mim algo atrapalhado, porque solos, ordenamento do território e urbanismo são matérias sobre as quais a dita lei pouco versa.

​
É certo que contém princípios gerais que tocam, de forma mais ou menos profunda, os tópicos obrigatórios do prontuário da especialidade. Mas, na sua essência, é uma lei que versa sobre edificação.

As questões da edificação, mais até do que a urbanização, estiveram na génese da primeira lei de solos, datada de 1976, fruto da pressão origina pela chegada abrupta de aproximadamente meio milhão de pessoas, no âmbito da forma desastrosa como foi gerido o processo do abandono dos territórios ultramarinos (a Professora Fernanda Paula Oliveira, que ontem abrilhantou a sessão, explica-o).

Entretanto o País continuou a sua evolução, com o sector da construção civil a assumir um papel de destaque na economia nacional, principalmente através de exercícios especulativos, associados às mais-valias geradas no processo de transformação fundiária e do mercado imobiliário – uma história que não cabe aqui. De qualquer modo, a edificação como desígnio nacional originou uma profusão de construção e de edificação programada em planos de gestão territorial que, no seu todo, e de acordo com as estimativas mais espaçosas, requereriam 30 milhões de habitantes para ocupar. A estes factos não será também alheio o modelo de financiamento das autarquias adoptado estar intimamente ligado ao parque imobiliário.

No meio deste frenesim de betoneira, foi-se esquecendo o básico: o chão que pisamos e ocupamos a eito é muito mais do que mero suporte físico. É, na verdade, suporte de vida.

O solo é um sistema vivo, que resulta da acção conjunta do clima e dos seres vivos, sobre a matriz geológica. E, como qualquer sistema vivo, evolui ao longo do tempo. Os serviços que presta dividem-se entre fundo de fertilidade, abrigo de biodiversidade, filtragem, transformação e armazenamento de nutrientes e de água ou sumidouro de carbono.

Em Portugal, os solos férteis são relativamente escassos, já que apenas 5% são muito férteis, enquanto que 45% são pobres e/ou rochosos, sem grande interesse produtivo – o que não lhe retira todas as outras valências, note-se.

No Algarve, o cenário é algo similar. Analisando dados apresentados pelo Professor Nuno Loureiro, da Universidade do Algarve, verificamos que cerca de 56% dos solos regionais se integram na ordem dos solos incipientes (litossolos, maioritariamente, que são delgados, pobres e fortemente sujeitos a erosão), a que se juntam cerca de 3% de afloramentos rochosos. Nos restantes solos, relativamente interessantes para efeitos produtivos, quase sempre associados a contextos de arrastamento de sedimentos pela rede hidrográfica, destacam-se os solos mediterrânicos (cerca de 20%), mas frequentemente fragmentados e com forte presença de pedra – diz-se que nas despedregas e armações de socalcos típicas das nossas paisagens mediterrâncias se verteu mais suor do que na construção das pirâmides egípcias.
Imagem
Carta de solos do Algarve (Fonte: Nuno Santos Loureiro)
Ora, é fácil de ver que, se entendermos o solo como mero suporte físico e não como suporte de vida, estaremos a alienar e possivelmente hipotecar um recurso estratégico de importância vital, em domínios que vão desde o esforço – inalcançável – de auto-suficiência alimentar até à gestão de cheias, pela manutenção da permeabilidade do solo das bacias hidrográficas – o que, num contexto mediterrânico de precipitação em regime torrencial, é de primordial importância.

Aliás, no Algarve já se vê, na medida em que a evolução da sua ocupação do solo tem dado origem a uma degradação do seu Índice Sintético de Desenvolvimento Regional e, dentro dele, uma degradação do índice de Qualidade Ambiental, que posicionou a região na cauda nacional em 2018 (tema já antes analisado aqui).

Talvez valesse a pena pensar nisso, e nas outras questões discutidas ontem e disponíveis no vídeo abaixo, num momento em que se pretende que o pensamento sobre o ordenamento e gestão da paisagem evolua para lá do imediatismo, e se revista de um carácter estratégico, de projecto de futuro.
2 Comentários
Nelson Mendes
22/12/2020 16:06:58

Muito interessante. Obrigado pela partilha. Infelizmente vejo com pessimismo que se vá fazer alguma coisa para inverter esta situação. Mesmo voçês os especialistas têm problemas com a interpretação da Lei quanto mais um leigo. Depois vêm os interesses, será que a Lei foi deixada assim por desconhecimento do legislador ou é propositado para dar "espaço de manobra"...Saudações

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Gonçalo Duarte Gomes
11/1/2021 11:15:11

Nelson, há, obviamente, pouco espaço para a ingenuidade (ou capa de) nesta matéria.
É notório que muitas "portas" - ou, mais adequadamente, alçapões - são deixados intencionalmente no quadro legislativo. Algumas por razões menos claras e condenáveis - se por mais nada, eticamente - e outras por lapsos ou mero desconhecimento e desinteresse do legislador acerca do que são as práticas reais de quem tem que trabalhar com as leis no seu quotidiano.
O efeito que, para mim, se apresenta como mais gravoso é a quebra mútua de confiança que se instala entre as pessoas e a Administração Pública, num quadro em que o jogo legal, mais do que xadrez, é o das escondidas...

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