Por Gonçalo Duarte Gomes À beira de um fim-de-semana prolongado, e de outros em perspectiva, como não dar continuidade ao debate em torno do turismo no Algarve? É que, a menos que mais alguém se consiga espremer para dentro do já lotado santuário de Fátima (talvez se endereçarem algumas preces à peça da Nossa Senhora da Vista Alegre, que parece ser capaz de milagres nesse capítulo), os efeitos da laica tolerância de ponto atirada à Função Pública para daqui a duas semanas, qual milho a pombos, vai ter efeitos é cá em baixo. E ainda bem que é nessa altura, e não antes. Pois embora o Algarve esteja sempre pronto a receber e a fazer as suas habilidades turísticas, qual elefante no Jardim Zoológico, a troco de alcagoita, tem uma já proverbial fase de dormência, ali mais ou menos entre Outubro e Fevereiro/Março. Salvo as devidas excepções, nesse período tudo encerra e toda a gente é despedida - ou gentilmente cedida ao Instituto do Emprego e da Formação Profissional, depende da perspectiva - para reencarnar profissionalmente meses mais tarde, vezes sem conta, no mesmo ponto da carreira, com um vencimento imutável, o que até revela despojamento relativamente aos bens materiais. No fundo, o emprego no Algarve é budista. Se porventura não voltam, por não serem crentes, toca de formar tudo do zero – a qualificação da mão-de-obra é, bem vistas as coisas, largamente sobrevalorizada, e sempre se paga menos do que o menos que se pagava. E desse soninho, acompanhado de tal algarvian dream, não há príncipe ou princesa capaz de nos arrancar… Mais a sério, este aspecto é particularmente preocupante (apesar de considerar que um emprego é sempre melhor que desemprego, a perspectiva de oportunidades e progressão é fundamental, pois é o que motiva a evoluir) e é mais um a juntar à conversa em curso aqui no Lugar ao Sul em torno do turismo, que foi agora enriquecida pelos contributos do João.
Em concreto, colocou uma série de questões assumidamente provocatórias – algumas delas armadilhadas, como a do custo de vida visto apenas pelo simplista prisma dos impostos e taxas, negligenciando o consumo – relativamente à “culpa” que este sector teve ou não, numa série de aspectos negativos da evolução do Algarve nestes anos de vertigem turística. A provocação é pertinente, principalmente para desmistificar a existência de uma “guerra de trincheiras” entre o Turismo e o Mundo. O discurso de vitimização, comum entre alguns agentes turísticos (e outros, directa ou indirectamente interessados) – não é o caso do João, apenas para que fique claro – remete para a imagem de um Calimero empunhando uma G3, numa atitude passiva-agressiva que frequentemente redunda em conclusões de “turismo ou morte”. Dito isto, o turismo não é o bode preto da região. Tentou fazer pela vida, naquele que revelou ser um dos mais eficazes lobbies no Algarve, e houve alguém que deixou, de forma por vezes ignorante, ocasionalmente ingénua, outras negligente, algumas interessadamente conivente, mas quase sempre irresponsável, pois tinha o dever de ponderar esses interesses sectoriais com outros, e numa projecção de futuro, de forma a promover equilíbrio. Neste sentido, concordo parcialmente com o título do texto do João, que alega haver não um excesso de turismo, mas antes um défice de outros sectores. É portanto sobre os decisores e a sua permissividade e/ou falta de visão, que originaram este modelo coxo, que recai a tal “culpa”. A parte de que discordo é referente ao excesso de turismo, que penso existir em certa medida. Negligenciando a confusão, também ela provocatória, que o João faz entre turismo e turistas, encontro fundamentação nos próprios dados apresentados pelo texto: se no seu melhor ano o Algarve tem uma taxa anual de ocupação por quarto de apenas 64,9%, salta à vista o brutal sobredimensionamento da oferta relativamente à procura, considerada a péssima distribuição da ocupação ao longo do ano. A optimização da oferta parece-me então interessar, primeira e principalmente, ao próprio sector, pois melhoraria o negócio. Seguidamente à região, porque pensando nos níveis de saturação das infra-estruturas (viárias, urbanas, etc.) que são sentidos por todos nos picos de ocupação com uma taxa destas, imagine-se nos 80 ou 90%! Mas também aí consigo atenuar a “culpa” do turismo. O pecado original do turismo algarvio está na sua conspurcada concepção, indissociável – desde a génese até hoje – da especulação imobiliária. Foram (e frequentemente ainda são) os agentes desse processo a marcar o ritmo. Patos-bravos (hoje mais sofisticados, são Grupos), o sistema bancário que vive destes e o sistema partidário que é alimentado à mão pelos dois anteriores foram e são a profana trindade que nos brindou com os mais aberrantes prodígios. Uma vez obtidas as mais-valias das operações de transformação fundiária e de promoção imobiliária, a alienação da exploração era frequente, pois um pato-bravo não é um operador turístico. A esses cabia, coube e cabe ainda a por vezes árdua tarefa de fazer o melhor possível com ferramentas de trabalho que nem sempre servem da melhor maneira uma boa estratégia comercial e/ou de exploração. Não é à toa que para a construção de mais um qualquer empreendimento turístico sempre se arranjou, cedo ou tarde, uma suspensão de instrumentos de gestão territorial aqui, um regime de excepção ali ou a aniquilação de uma servidão de utilidade pública acolá, mas para a definição de mecanismos fiscais ou regulamentares adaptados às dinâmicas e necessidades do sector seja necessário um labiríntico calvário. Mesmo os tão falados processos de gentrificação são hoje sinfonias para o sector da construção, pois o êxodo dos gentrificados, somado aos que na urbe não conseguem entrar, gera um completamente artificializado cenário de carências habitacionais. Bora lá então expandir perímetros urbanos, ainda por cima em tempos de revisão de Planos Directores Municipais – é o sonho molhado de uma grua. Apesar de tão cabal absolvição, o turismo não pode reclamar para si o epíteto de principal força modeladora da região e depois, quando confrontado com os problemas estruturais da mesma, daí lavar as suas mãos, à boa moda de Pôncio Pilatos. Mesmo sem "culpa", tem responsabilidades. De qualquer forma, importa mais encontrar respostas para o futuro. Um primeiro passo poderia ser privilegiar objectivos regionais integrados e bem definidos, mensuráveis, e relacionados com aspectos de vivência em detrimento da ternamente sectorial estatística de "quantas camas temos para fazer este mês". Cobertura de equipamentos de saúde e resposta efectiva dos mesmos (a Sara Luz expôs, na sua estreia, fragilidades preocupantes), capacidade de resposta judicial, taxas de sucesso escolar e formação profissional (mas daquela a sério, e não a da treta para encher chouriços estatísticos) e integração no mercado de trabalho regional, distribuição proporcionalmente equilibrada do emprego por diferentes sectores e meses do ano, acesso a transportes, a programação cultural diversificada, etc.. Estas poderiam ser metas mais relevantes para a criação de uma região mais dinâmica, equilibrada, resiliente. E sempre baseada na identidade e não na personagem. Turismo é bom, somos bons nessa área e também é necessário. Mas mais como consequência natural, e menos como causa forçada. Ninguém lhe quer mal. Queremos é melhor para o resto.
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