Prometi a mim mesmo que não escreveria nada de extemporâneo sobre o incêndio de Monchique. Apesar da dificuldade, acreditem que a vontade era muita, não o fiz. Esperei para a situação serenar na expectativa de ter todos os elementos que me permitissem elaborar um artigo de opinião objetivo e, sobretudo, verdadeiro. Afinal, não devemos fazer juízos precipitados. Agora, à devida distância, sinto que o devo fazer por uma questão de consciência e dever para com as populações afetadas pelos incêndios da semana passada. Façamos, então, uma curta viagem no tempo. É o início da nossa história medieval passada no Reino dos Algarves.
Manhã de sexta-feira, dia 10 de Agosto. Uma semana depois do incêndio de Monchique ter deflagrado, o Ministro Eduardo Cabrita chega ao Algarve munido apenas e só do seu intelecto e da sua, devo dizer, latente arrogância pizarrista. Ao bom sabor medieval, tocam os tambores. Somos todos ignorantes e desprovidos de sensatez. Temos estado à espera que um Illuminati nos explique o que realmente sucedeu. Na verdade, os algarvios têm uma visão obscurecida dos acontecimentos. Os incêndios foram – no limite – essenciais para constatar a pronta resposta dos meios de proteção civil. Foi tudo em prol da comunidade monchiquense. Palmas. Muito agradecidos por tamanha honra, ouve-se em surdina. Apresenta-se o muy nobre senhor Cabrita. Do alto do seu raciocínio socrático – misturado com uma aura de conquistador espanhol -, e mergulhado no espírito vanguardista dos twitters de António Costa, Cabrita dirige-se aos jornalistas e, mais importante, aos algarvios. Não vem de Caravela, mas traz altivez e uma poção mágica guardada no seu manto bordado a mentiras. Com o seu porte senhorial, pulveriza-nos o fármaco. É o suficiente para hipnotizar as almas perdidas. Talvez por ter feito uma visita guiada ao alambique do Rui André, julga-se divino e profere algo semelhante ao bíblico Sermão da Montanha. Por momentos, o núcleo terrestre deixa de girar. Atrás do Sr. Ministro, perdão, do muy nobre senhor, seque o séquito de aias e gueixas algarvias, com os seus imponentes coletes de cor laranja. Cospem fogo e fazem malabarismos. Manifestam o desejo de provar a sua existência política porque, na realidade, ali não acrescentam nada. Ao longe vislumbram-se uns sorrisos que brilham quando as câmaras de televisão estão a gravar. Atropelam-se e, pasme-se, vendem o Algarve com um único propósito: cair nas boas graças do muy nobre Ministro. São algarvios? Talvez não. São Presidentes de quaisquer coisas, mas donos de lugar nenhum. O cortejo continua. Entram mais alguns bobos e a festa instala-se. Cabrita prepara o terreno para a chegada da corte lisboeta. Tarde de sexta-feira, dia 10 de Agosto. Combinada a entrevista ao Expresso, numa clara tentativa de combater a onda crítica que germina no Reino dos Algarves, o Príncipe João, peço desculpa, o Príncipe António Costa chega a Monchique. Rapidamente, dirige-se ao alambique do Rui André – a cave já está quase vazia depois da visita do Cabrita – e embrenha-se num ritual complexo, mas simples: a arte do bebericar. Como um pardal num dia de chuva, beberica muito. A visão do Primeiro-ministro é ofuscante e o andar estranho, to say the least. Cambaleia. Costa estranha a palete cinzenta que as cinzas dão à paisagem, tão diferente da roseira de Sherwood do Palácio de São Bento, verdejante, verdejante, verdejante. Não estranha tudo. Afinal, o cheiro a queimado persegue-o desde Pedrogão. O pequeno Kim da política portuguesa, depois de ter proferido que Monchique é a “a exceção que confirmou a regra do sucesso”, compara a terra algarvia à Califórnia. Conclui, afirmando que é «absolutamente extraordinário» que ninguém tenha perdido a vida. Bom, isso não corresponde inteiramente à verdade. No Reino dos Algarves todos os dias perdem a vida súbditos de Sua Alteza Real nos Hospitais e na EN125, mas essa é outra (triste) história. Continuemos. Os boçais que o ladeiam não entendem o latim. Afinal de contas, nos EUA os bombeiros estão coordenados por uma proteção civil eficiente. Aqui o boy Vaz Pinto – o tal das “equivalências” à la minute –, revela (novamente) incompetência no desempenho da sua função. Ninguém estanha. Faz parte daquela fornada “licenciada” que não soube lidar com os incêndios do ano passado. Depois do Caldeirão, Monchique vê-se refém deste escudeiro de 2ª classe. É substituído quatro dias depois do incêndio ter deflagrado, quando já não há nada a fazer. Pergunta: se o combate inicial fosse diferente o incêndio teria tomado esta dimensão? Não sabemos. Os ébrios saúdam o comando nacional da proteção civil. O cortejo continua acrescentando-lhe, agora, alguns palhaços malabaristas. A ocasião assim o exige. O Príncipe saúda o Cabrita pelas ordens que deu à GNR. Pode arder tudo, não pode é haver mortes. Tudo menos isso. Objetivo alcançado. Comemoram. Sorvem mais umas gotas do líquido precioso escondido, desta vez, no alforge do escudeiro Luís Graça que terá uma incumbência futura: criticar a Câmara Municipal de Monchique. “São eles, os monchiquenses, os verdadeiros culpados disto tudo”. É esta a mensagem que o fiel lacaio deve passar. Dão-lhe a devida recompensa, jogando para o chão alguns dinheiros rapidamente arrebanhados por tão menor membro da corte. Olha para os seus Senhores de baixo para cima. Dão-lhe uma festa. Ele sorri, extasiado no meio de espasmos musculares. Continuam. Sábado, dia 11 de Agosto. O vendedor da banha da cobra pragueja do alto da serra. Chega o Rei Marcelo. A corte é maior, a vergonha menor. Dois ou três plebeus dizem o que lhes vai na alma. A guarda real tem dificuldade em conter o desagrado. O defensor da terra de Monchique, o nobre José Chaparro, lê as cartas ao Rei reforçando o desagrado dos plebeus. Marcelo afirma que devemos analisar o problema com «serenidade». Naturalmente meu muy nobre Senhor. Não devemos agitar as águas do Reino até porque alguém se pode lembrar do edital de Pedrogão ou de Tancos. Em 2019, o Reino vai a votos. Passeiam-se todos juntos pelos Paços do Concelho como se nada se tivesse passado. Dizem adeus. A caravana abre caminho de volta à corte lisboeta. Chaparro dá nota do seu desagrado e atira-lhes medronhos maduros. Costa dá ordem para parar. Enchem os alforges, pois nunca se sabe se haverá um alambique a caminho de Lisboa. No reino da loucura é preciso bebericar. Bebericar muito. A visão fica ainda mais toldada. Fica a promessa de regressarem. Alguém diz: não voltem. Com razão. Nota aos leitores do lugar ao sul: esta é apenas uma “história” medieval fictícia que não corresponde necessariamente a nenhum fato real, ou será que sim?
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