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Notas de uma quarentena improvável (31)

28/4/2020

2 Comentários

 

Nota para experimentar o futuro

Por Anabela Afonso

Ao que parece, as 24 horas do próximo dia 2 de maio marcarão o fim deste ciclo de estados de emergência a que estivemos sujeitos nas últimas semanas, o que não quererá dizer que está a chegar o fim do confinamento, porque poderá estar em cima da mesa a aplicação do estado de calamidade, que em si não difere muito do que é um estado de emergência.


​Contudo, percebe-se que vamos encetar um período de espaçadas experiências de reabertura da nossa economia, a começar pela reabertura do pequeno comércio, sujeita às devidas adaptações dessas novas práticas que se vieram instalar e que implicam guardarmos distância uns dos outros, utilizarmos máscaras e estarmos preparados para estar em longas filas.

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Se há coisa que não parece falar-se muito, mas que parece certa para este novo tempo que estamos a viver é a alteração que sofrerá a nossa relação com o tempo. Só quem não teve ainda que sair para ir às compras, ou aviar uma receita numa farmácia, é que não percebeu que coisas que antes fazíamos em breves minutos, podem agora demorar algumas horas. Estaremos nós preparados para isso?


Não deixa de ser com alguma ironia que nos damos conta que os centros urbanos, que sempre foram apontados como os locais onde tudo acontece, e onde a vida tem mais ritmo, sobretudo por aqueles que olham para a vida no campo como uma coisa muito parada, são agora os locais onde tudo é muito mais demorado. No campo, nas pequenas aldeias, nesse interior onde se achava que nada acontecia, é, apesar de tudo, onde ainda conseguimos manter alguma normalidade, nas breves idas à pequena mercearia, ou à pequena farmácia. É aí que estão os locais onde sempre houve tempo para fazer as coisas com tempo.


Talvez esta crise possa servir para se olhar para o enorme potencial que o interior do país, e do Algarve em particular, podem representar nesse esforço de reinvenção - mais do que recuperação - a que nos devemos propor, assim que possível.


Talvez seja tempo se de pensar num estilo de vida com um tempo diferente do que tivémos até aqui, aproveitando recursos que temos menosprezado paulatinamente. 


​A ilustrar esta ideia, vale a pena ler este artigo publicado pelo suplemento do Público, Ípsilon, dedicado ao relato da experiência do coreógrafo Rui Horta, desde o momento em que deixou as grandes capitais como Frankfurt, Munique ou Nova Iorque, para se fixar no interior alentejano, em Montemor-o-Novo, com um dos mais estimulantes espaços de residência artística do país, procurado por criadores de todos os pontos da Europa e do mundo. Neste artigo Rui Horta: antes de salvar o corpo o campo salva a alma, o coreógrafo fala do que implica essa opção de deixar as grandes cidades e do impacto que essa mudança teve em si enquanto ser humano e criador. Mas deixa um aviso, que me parece esclarecedor:

«Aos 63 anos acabados de fazer não tem dúvidas de que é hoje um criador diferente por causa do lugar a que escolheu chamar casa, embora agora, por motivos pessoais, se desloque mais vezes a Lisboa do que era hábito. “O campo para mim foi um refúgio, o lugar onde me encontrei comigo. E digo isto porque ele antes de salvar o corpo salva a alma. Traz-nos um tempo de esvaziamento, de vagueza, que é bom para reflectir, para mudar.”
​A quem estiver a pensar trocar a cidade pelo campo em virtude da pandemia (esta e as futuras), deixa o conselho: “Para vir é preciso que se imaginem diferentes do que são hoje. É preciso que pressintam que querem ser outra coisa.”»

É este aviso que Rui Horta deixa, sobre a opção de escolher o campo para viver que me parece encerrar o potencial de mudança que será necessário encarar no mundo pós-COVID que precisamos construir.

Aqui mais perto, falando do extremo oeste do Algarve, o mesmo suplemento do Ípsilon, relata também a experiência da dupla de criadores e programadores Giacomo Scalisi e Madalena Victorino que desde há cerca de 4 anos se estabeleceram de modo mais permanente em Aljezur, a partir de onde têm desenvolvido esse especialíssimo projeto que é o Lavrar o Mar, centrado nos territórios de Aljezur e Monchique.


​Sou, obviamente, suspeita por falar neste último exemplo, dado tratar-se de um dos projetos que integra a programação do 365 Algarve, no qual tenho estado intensamente envolvida nos últimos anos. Mas é também desta experiência intensa, de correr todo o Algarve até aos locais mais afastados das praias e cidades algarvias, para acompanhar uma programação cultural muito diversificada, que tenho vindo a consolidar esta perspetiva sobre as enormes potencialidades que tem esse "outro" Algarve tantas vezes esquecido e descurado. Já tive oportunidade de dar testemunho dessa minha convicção neste Lugar ao Sul, no texto Uma ideia de Europa (e de Algarve) por cumprir, que passado tão pouco tempo, mas com uma tão grande alteração de contexto, me parece fazer ainda mais sentido.

Como também demonstra o relato de Madalena e Giacomo à procura da resposta "mais humana", estar no interior ou nas zonas mais periféricas não quer dizer que não se possa desenvolver um trabalho cosmopolita e não se possam alimentar relações de trabalho internacionais, mas signica, com certeza, fazê-lo com um outro tempo, e um outro olhar: 

«[...]De cada projecto na costa vicentina nascem outros. Neste momento, com o quarto ciclo do Lavrar o Mar (Outubro de 2019 a Maio de 2020) suspenso por causa do coronavírus, estão a trabalhar em candidaturas para outro projecto, com a Islândia (e apoio dos EEA Grants), que aproxima as realidades portuguesa e islandesa num encontro feito de semelhanças e diferenças. Não sabem se os apoios se concretizarão. Os projectos poderão ter que ser redimensionados. Mas não vão deixá-los para trás. As ideias têm vida própria. Neste momento estão apenas a viver mais devagar porque “uma lentidão maior pode ser uma densidade maior”. Como diz Madalena: “Sabemos que temos que esperar, escutar, ser muito sensíveis a tudo o que acontece para podermos responder da forma mais correcta, mais humana, mais certa.”»

Este é um recurso que o Algarve tem. O espaço, a paisagem, e a qualidade no acolhimento que podem favorecer o estabelecimento de projetos direcionados para o setor artístico e criativo. Há muito que defendo que essa deveria ser uma aposta estratégica, sobretudo dos territórios de interior e considerados de baixa densidade da região. Podem não ser projetos que consigam apresentar folhas de excel com taxas de rentabilidade financeira muito apelativas (pelo menos no curto e médio prazo), mas serão com certeza, projetos que garantirão um retorno em termos de transformação e regeneração social, de fixação de jovens, e de qualificação da comunidade, que me parecem bem mais apelativos.

Gostava muito que se experimentasse este futuro, para o Algarve.

#Vaificartudobem

2 Comentários
Miguel
30/4/2020 09:40:07

Cara Anabela, não podia concordar mais consigo, um olhar atento e ponderado para o Algarve e as suas diversas realidades aponta sempre na direcção daquele Algarve que parece "menos" mas que é tanto.
Tendo tido já a experiência de morar no campo vs cidade, da minha parte posso garantir que o campo cura a alma e o corpo, e a cidade faz o oposto, sendo que as conveniências supostamente ganhas com a habitação na mesma, não superam as desvantagens na minha opinião.
Este interior esquecido, que possui uma beleza singular, odores, e sim uma noção de tempo que parece estática por vezes, só precisa que não desapareça a sua humanização que o moldou durante séculos, e que durante esses séculos, exceptuando o ultimo, tirou proveito e respeitou as suas características bio-topográficas.
Mantenham-se ou expandam-se os serviços essenciais, as actividades culturais e sobretudo a criação de emprego, e para tantos de nós o interior será muito mais atractivo que o litoral.

Responder
Anabela Afonso
30/4/2020 20:53:36

Olá Miguel, espero-o bem. Obrigada pelo entusiasmo do seu comentário. Tratando-se de um jovem, só consolida mais a minha convicção de que é possível este futuro, muito mais vibrante, para o nosso interior e para as nossas pequenas aldeias. Haja vontade para isso!

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