Notas de uma quarentena improvável (10)

Ensaio para uma prosa fotográfica

Por Anabela Afonso

Aventuro-me, num atrevimento infantil de quem acredita ter descoberto uma espécie de pólvora. Eu, que digo tantas vezes que no mundo já tudo foi inventado, e o que se passa é que estamos constantemente a redescobrir o que já lá estava. Escondido, talvez, esquecido, muitas vezes, mas já não é possível inventar nada de novo.
Hoje quero fazer de conta que sim, e avanço, sem sequer googlar para me deparar com a evidência de que já outros o fizeram e, repito, aventuro-me neste atrevimento de vos trazer uma inédita prosa fotográfica.

​Mesmo nos dias difíceis, é possível sermos detidos em pequenas frações quotidianas de beleza. Se estivermos suficientemente atentos, elas estão lá, a cada passo que nós damos, a cada trilho de caminho, e para cada lado que nos voltemos. Já Saramago nos avisava, "Se puderes olhar, vê, se puderes ver, repara". É esse o desafio.

Por vezes, mais dos que sermos atraídos pelo belo que nos rodeia, vamos mais longe e conseguimos, com a imaginação, percorrer ficções, fantasias, histórias, e mais do que olhar, ver ou reparar, começamos a construir sobre o que nos rodeia. Construímos novas vidas que nos levam para lá do que o simples quotidiano do dia-a-dia nos tem reservado, qual Bernardo Soares no seu livro do Desassossego: "Ninguém pode ser rei do mundo senão em sonho. E cada um de nós, se bem se conhece, quer ser rei do mundo". E nessa vontade imaginada, encontramos o que quisermos, até dragões, nas árvores que nos guardam os passos ou nos galhos em que quase tropeçamos.

Acontece que nem a mais fértil vontade imaginada impede as nuvens escuras de se chegarem próximo, até que nos deparamos com elas, ameaçadoras, mesmo por cima das nossas cabeças. Sem saber se só trarão uma leve chuva para a qual só precisamos de um abrigo temporário, ou se trarão a tempestade que tudo revolverá, sem deixar pedra sobre pedra. Mas até nesses momentos, em que sabemos não estar ao nosso alcance qualquer tipo de intervenção que supere o poder dos elementos, vale a pena parar e olhar essas nuvens negras. Até aí, a beleza supera o medo, se soubermos olhar, e se olhando, soubermos ver, e se vendo, soubermos reparar, aceitando que tudo o resto não está nas nossas mãos.

No final, quando chegar a hora, há-de aparecer-nos o caminho que nos foi destinado percorrer, mais ou menos difícil, mais ou menos tortuoso, mas seguramente, o que nos trará o sentido para todas estas incertezas. Estando também, nas nossas mãos, essa vontade de imaginarmos esse futuro que nos espera.

​Afinal de contas, "Há pessoas que transformam o sol numa simples mancha amarela, mas há também aquelas que fazem de uma simples mancha amarela o próprio sol.", também já nos alertava Pablo Picasso.

A verdade é que tudo isto pode não ser mais do que o meu enorme atrevimento em acreditar que hoje me aventuraria num ensaio para uma prosa fotográfica, pela primeira vez inventada, neste mundo onde já tudo foi inventado. Para o atrevimento, bastou-me acreditar, que é como quem diz, meio caminho andado.

​Desculpem-me o atrevimento, mas preciso continuar a acreditar que #Vaificartudobem