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Bem-vindo

No início era o medo… Agora, a indiferença

20/1/2021

1 Comentário

 
.Por Andreia Fidalgo

Quando em Março de 2020 fomos assolados pela pandemia, e pouco se sabia ainda sobre a Covid-19, o clima generalizado foi de medo. Medo da doença, medo dos seus efeitos ainda desconhecidos, medo pela nossa saúde, medo pela saúde do próximo. Isso levou-nos a confinar quase sem que nos fosse pedido, pois assaltava-nos o medo de ver acontecer em Portugal o mesmo que as imagens nos telejornais nos mostravam que estava a acontecer em Itália: hospitais a rebentar pelas costuras, profissionais de saúde em total situação de desgaste físico e psicológico, a verem-se na posição de ter de escolher que doentes tratar, pois não era possível tratar todos… e mortes, muitas mortes a lamentar.

Assistimos atentamente ao crescimento do número de infectados e do número de mortos. Em Portugal, em Espanha, em França, em Inglaterra… em toda a Europa, em todo o mundo. Tínhamos medo que fossemos nós, que fosse alguém da nossa família, que fosse algum amigo. Tivemos medo, muito medo.
Imagem
O Grito. Edvard Munch, 1893.

​Depois do medo, veio a indiferença. Muito sorrateiramente, foi-se instalando. Proliferaram as fake news, os negacionistas, o movimento dos “médicos pela verdade” – que depois, foi-se a ver, e de médicos tinham pouco ou nada.

Afinal a Covid-19 não mata assim tanta gente. Afinal, se estivermos saudáveis, não corremos grande perigo. Afinal, só os mais velhos é que morrem – fomos dizendo, em jeito de desculpa, como se a vida dos idosos, ou dos que possuem outras doenças fosse menos valiosa do que a vida de todos os outros… de todos nós… Como se fosse menos valiosa do que a dos ditos saudáveis.

Fomos incentivados – inclusivamente pelo Governo, note-se – a ir à praia, a curtir o Verão. Era seguro, diziam. Há-de vir uma segunda vaga, mas não se preocupem agora com isso. É preciso é recuperar a economia, gastar dinheiro na restauração, na hotelaria, pôr as gentes a circular, mostrar aos estrangeiros que somos um destino Covid-free.

A normalidade quase que parecia restaurada e a segunda vaga, que se sabia que viria, parecia uma realidade longínqua. Pouco ou nada se fez para a acautelar.

O “milagre português” iria certamente repetir-se… Imagino que só possa ter sido esta a ideia subjacente a uma total inacção de quem nos governa para acautelar a segunda vaga que se sabia que viria. Sobretudo no que respeita ao SNS, já de si tão fragilizado.

Só que não.

O “milagre português”, que de milagre pouco teve, não se repete. E não se repete, porque no início era o medo, agora, a indiferença.

Em plena segunda vaga, ficámos indiferentes aos números, indiferentes às imagens de hospitais portugueses em estado caótico. O estado de emergência banalizou-se por completo. Disseram-nos que podíamos circular no Natal, e então celebrámos o Natal à portuguesa, com as habituais reuniões familiares. Um sintomazinho aqui, outro acolá, foram ignorados, porque era Natal e ninguém leva a mal… Era Natal e Menino Jesus, com o aval do Estado Português, haveria de operar algum milagre que impedisse a Covid-19 de circular nessa época.

Depois veio o Ano Novo, e era preciso celebrar, até porque já temos uma vacina. Era preciso que acreditássemos que 2021 nos irá trazer coisas boas, quando no fundo, bem sabemos, será um ano desastroso. Era preciso que nos enganássemos a nós próprios, nem que fosse por uns dias.

Passada a euforia, veio a realidade dos números, que colocam actualmente Portugal numa posição de topo, a nível mundial, no maior número de infecções por milhão de habitantes. O “milagre português” virou o “desastre português”. Mas nós, quase indiferentes, vamos prosseguindo.

"Renovação do estado de emergência": qual é a novidade?

"Novo período de confinamento obrigatório, como o de Março e Abril": grande coisa… podemos sempre passear a trela sem cão e dizer não estamos com o juízo todo. Quem é que nos vai impedir?


A indiferença generalizada, alimentada pelo cansaço, é agora a regra. Já não há arco-íris e unicórnios, nem movimentos #vaificartudobem. Há, apenas, indiferença. É a indiferença que nos leva a manter uma aparente normalidade num mundo que está caótico. No fundo, bem lá no fundo, todos sabemos o desastre que temos entre mãos, mas preferimos normalizá-lo, retirando-lhe a importância que realmente tem. E fingir que a vida segue igual, quando não está.

Sei que os meus habituais leitores esperariam um apontamento sobre História, como é comum. Não esperariam um pequeno texto que mais parece um desabafo. Mas esta indiferença também tem tudo a ver com História. Quando aqui há pouco tempo fiz um estudo sobre o abandono dos recém-nascidos na Roda, entre finais do século XVIII e primeira metade do XIX, uma das coisas que mais me chocou foi a constatação de que havia um abandono anónimo muito massificado e que esse abandono era, na verdade, uma alternativa ao infanticídio. 

À luz dos dias de hoje, essa realidade é absolutamente hedionda… no entanto, à época também se explicava, pelo menos parcialmente, pela indiferença. Indiferença de quem vivia na miséria e não tinha o que comer, ou como alimentar os filhos… indiferença generalizada de uma sociedade perante a morte infantil, porque a morte infantil era quase a regra e não a excepção. As mães não se apegavam emocionalmente aos seus filhos recém-nascidos, porque a probabilidade de que estes morressem era muito elevada. E, por isso, muitas permaneciam-lhes indiferentes… E qual é a mãe que, actualmente, acharia isto possível?

A indiferença, muitas vezes, é a única forma de lidar com os danos emocionais que nos causam as dificuldades do mundo que nos rodeia, particularmente quando somos colocados perante situações mais extremas. 

No entanto, a indiferença pode ser muito perigosa, sobretudo quando tem subjacentes questões de saúde pública. Não podemos deixar que esta indiferença nos leve ao desleixe, à irresponsabilidade, ao não cumprimento das regras. Por muito que questionemos – eu também o faço –, não há como negar que a situação é caótica. O nosso SNS está à beira do caos.
​
Não podemos ficar indiferentes. Temos de nos proteger. Temos de proteger o próximo. Temos de respeitar os profissionais de saúde que estão esgotadíssimos. E, acima de tudo, temos de acreditar que vamos ultrapassar a situação e que haverá tempo para confraternizar. Quanto mais rápido agirmos, mais rápido esse dia chegará.
1 Comentário
Miguel
21/1/2021 17:42:46

Nada mais a acrescentar, subscrevo na integra, e perante o desgoverno em causa, faço meus - com devidos direitos de autor - os seus dois últimos parágrafos .

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