No Dia de Todos os Santos, a terra tremeu: o Algarve e o terramoto de 1 de Novembro de 175528/10/2020 Por Andreia Fidalgo Na História de Portugal há um antes e um depois do terramoto de 1 de Novembro de 1755. Precisamente no Dia de Todos os Santos, há 265 anos, a terra tremeu e deixou grande parte da capital portuguesa destruída. Centenas de edifícios ficaram reduzidos a ruína. Milhares de vidas se perderam sob os escombros. Os que conseguiram fugir, aterrorizados, dos edifícios que desabavam, para perto do Tejo, foram surpreendidos pelo tsunami que se seguiu. Findo o tsunami, vieram os incêndios, que conduziram parte da capital à devastação total. Foi um duro e inesperado golpe para Lisboa e para o Reino de Portugal. Esta catástrofe veio agravar uma situação económica que já por si era bastante calamitosa. Estima-se que o montante das perdas económicas causadas pelo terramoto possa ter correspondido a cerca de 75% do valor do produto interno bruto do ano de 1755*, o que é bastante revelador do seu impacto nefasto na economia do país. Porém, foi também o terramoto que abriu caminho à ascensão de Sebastião José de Carvalho e Melo – mais tarde Marquês de Pombal – como o homem de força do governo de D. José. Sob a sua alçada seriam implementadas várias medidas económicas de carácter vincadamente proteccionista, destinadas a valorizar os sectores produtivos (agricultura e a indústria), a diminuir a dependência económica do exterior, a reduzir os desequilíbrios da balança comercial e, de uma forma geral, a favorecer o reforço do próprio Estado. Havia que centralizar o Estado e recuperar economicamente o Reino, que já entrara numa situação de crise antes do terramoto, e que com este se agravara ainda mais. Ao contrário do que costuma ser geralmente salientado, o terramoto de 1755 não teve apenas impacto destrutivo em Lisboa. Com o epicentro localizado a sudoeste de Sagres, também a região algarvia foi muito afectada por esta catástrofe e pelo tsunami subsequente. Sobretudo a zona do barlavento: na cidade de Lagos, a devastação foi tal que os relatos da época dão notícia de uma urbe onde quase todos os edifícios ficaram em ruínas e se registaram algumas centenas de mortos. Mas também semelhante cenário se teria registado nas cidades de Faro e Tavira, onde inúmeras edificações religiosas e civis foram afectadas e também se registaram dezenas de baixas. De Faro, à época com cerca de 7000 habitantes e onde o sismo contabilizou 200 vítimas mortais, chegou-nos o testemunho impressionante do intelectual Damião António de Lemos Faria e Castro, aí residente: “Em poucos minutos foi vista a formosa Faro um monte de ruínas, ela arrasada pelos fundamentos, raros edifícios escaparam, estes ficaram moídos. A devoção do dia havia chamado grande concurso às Igrejas, aonde muita gente ficou sepultada debaixo das suas abóbadas. As casas caídas que tomavam todo o vão das ruas, esmagou outra grande quantidade. Na praça se abriu uma rotura a que não se achava fundo” [1786]. A região demoraria muito tempo a recuperar desta catástrofe… Se em Lisboa, os esforços para recuperar a cidade foram imediatos, no que ao Algarve diz respeito, só na década de 70 é que teria alguma atenção por parte da Coroa e de Pombal, que então elaborou um plano para a sua “Restauração”. Plano este de curta duração e com escassos efeitos, visto que D. José morreu em 1777 e o Marquês foi imediatamente afastado do poder político, sem ensejo de continuidade de muitos dos projectos reformistas em curso. Desta forma, quando em 1789 D. Francisco Gomes de Avelar é nomeado bispo do Algarve, ainda se viria a deparar com uma região onde os efeitos do terramoto eram bem visíveis, sendo que grande parte da sua acção pastoral se viria a concentrar precisamente na reconstrução de muitos edifícios religiosos que ainda padeciam, na viragem do século XVIII para o XIX, dos danos causados pelo terramoto. A morosa recuperação da região encontra-se também atestada no relato do botânico e naturalista alemão Heinrich Friedrich Link, que visitou o Algarve em 1799. Sobre a cidade de Lagos, por exemplo, Link registava o seguinte: "Quando o grande terramoto destruiu Lisboa no ano de 1755, o mar também aqui se agitou, entrou de rompante por uma enseada em direcção a terra e devastou a região em redor. (…) Vive muita gente de condição na cidade e vêem-se algumas belas casas, mas também ainda lugares deixados vazios pelo terramoto de 1755, que muito fez sofrer esta cidade”. O terramoto deixou, pois, marcas profundas na região algarvia nas décadas seguintes. Mas será que podemos dizer que, por exemplo, os problemas económicos da região, ou mesmo do país, nessa época, resultaram única e exclusivamente desta catástrofe imprevista? Não, claro que não, pois embora esta os tenha agravado substancialmente, os problemas eram estruturais e pré-existentes. Também hoje não podemos dizer que os problemas que enfrentamos perante os desafios levantados pela pandemia, sejam única e exclusivamente derivados dela. Já aqui, numa outra ocasião e num plano mais filosófico, comparei (com as devidas reservas!) o terramoto de 1755 com a Covid-19: ambos constituem eventos extremos e inesperados, desencadeados pela natureza, que colocam em causa a ordem natural do mundo e inspiram reflexões algo semelhantes; mas, além disso, ambos tiveram/têm consequências graves sob o ponto de vista social, económico e político. Sendo certo que o Algarve precisa, actualmente, de uma atenção especial por parte do governo, dada a fragilidade da sua economia tão dependente do turismo, esperemos, no entanto, que os desafios que a região tem agora de enfrentar não se arrastem, sem resolução à vista e sem intervenção específica, como aconteceu em épocas anteriores da nossa História, de que o terramoto constitui um excelente exemplo. * De acordo com: José Luís CARDOSO, “Pombal, o terramoto e a política de regulação económica”, in Ana Cristina ARAÚJO et. al. (org.), O Terramoto de 1755: impactos históricos. Lisboa: Livros Horizonte, 2007, pp.165-181. Para uma descrição detalhada sobre os efeitos do Terramoto de 1755 no Algarve, veja-se: Alexandre COSTA, Carla SEABRA, Sara NUNES, “O que nos diz a História”, in Alexandre COSTA e Maria da Conceição ABREU (Coords.), 1755 – Terramoto no Algarve. [s.l.]: Centro de Ciências Viva do Algarve, 2005, pp. 13-152.
1 Comment
José Lúcio Amaral de Almeida
28/10/2020 23:20:44
Penso que o epicentro do terramoto se situou no chamado Banco do Gorringe, que situa 170 milhas náuticas a SW do Cabo de S. Vicente. Passei lá em 1975, era o Oficial de Quarto da Fragata N.R.P. COMANDANTE JOÃO BELO, um Navio de 100 metros de comprimento e com um deslocamento de 2.000 ton. Era de noite e, no Banco, estavam dezenas de embarcações de pesca, na faina do arrasto. Foi um momento inesquecível para um jovem de 24 anos.
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