Por Gonçalo Duarte Gomes Não fosse o frio espírito racional de um alemão no Séc. XIX, e provavelmente ainda hoje a geometria grega estaria mergulhada na maionese dos seus três problemas clássicos: duplicação do cubo, trissecção do ângulo e a quadratura do círculo. Felizmente, um tal de Herr von Lindemann deu a coisa por irresolúvel – pelo menos com recurso ao método de Euclides, na base da régua e compasso – e acabou com o sofrimento dos geómetras. A quadratura do círculo ascendeu entretanto a estrela da cultura popular, ganhando o seu espaço como expressão figurativa que designa algo inalcançável. Mas, se conseguir produzir um quadrado com a mesma área de um dado círculo é impossível, o que dizer da tarefa algarvia de tentar arredondar a economia regional, quando é uma das mais quadradas de Portugal? A palavra de ordem na Economia parece ser Circular. Economia Circular. O conceito é terrivelmente simples: incorporar princípios de redução, reutilização, recuperação e reciclagem de materiais e energia em todos os passos do ciclo de vida de um produto (iniciando-se na concepção), de forma a promover a dissociação entre o crescimento económico e o aumento no consumo de recursos e produção de resíduos. É portanto, mais do que uma "mera" alteração de comportamentos individuais, uma ruptura estratégica completa relativamente ao paradigma actual, que assenta numa cultura de desperdício, presunção de infinidade dos recursos e desprezo pelo ambiente. Uma ideia generosa, progressista. Mas, bem vistas as coisas, velha, não obstante as novas roupagens, mais contemporâneas e apelativas. Basicamente é a evolução natural e tecnológica da já velhinha política dos Erres (primeiro 3, mais tarde 4, e finalmente 5): reduzir, repensar, reutilizar, reciclar e recusar. Se quisermos ir ainda mais atrás, e meramente a título de exemplo, não nos esqueçamos que em tempos de economias com arestas bem vivas, Portugal tinha sistemas de consignação para embalagens, principalmente para os recipientes de vidro de bebidas (o pessoal dos 80 lembrar-se-á seguramente de ir à mercearia, a mando dos pais, devolver garrafas de água, cerveja, etc. para ficar com os trocos da devolução do depósito), que foram arrumados a um canto por modernaças Sociedades, pontualmente Verdes... Bem a propósito, terminou ontem um seminário de dois dias, subordinado à Economia Circular no Algarve, promovido pela nossa Comissão de Coordenação e Desenvolvimento regional, em parceria com outras entidades. Se a teoria da Economia Circular é já hoje um conceito sólido na aplicação aos bens de consumo e à sua gestão ao longo do ciclo de vida, tinha particular curiosidade em perceber de que forma tal se consegue incorporar na gestão de um modelo territorial. Concretamente, para um modelo territorial como o do Algarve, completamente subjugado pelo Turismo, e que nessa actividade se esgota economicamente. Neste preciso momento, vivemos mais um momento de injectada euforia, pois o turismo nacional (e o algarvio com quota significativa nessa conquista) trouxe para casa mais uma série de canecos dos World Travel Awards, a juntar a tantos outros bibelots reluzentes que moram já nas suas prateleiras. Isto é bom para o marketing das empresas e grupos económicos que lucram com o negócio. Para as pessoas que diariamente, no terreno, dão corpo a essa realidade trata-se também de um bálsamo, em reconhecimento do seu excelente trabalho, que é, afinal, aquele que real e directamente chega aos turistas. Pode ser que um dia o sector da excelência descole do modelo de baixa qualificação, de baixos salários, de uso descartável dos recursos humanos e para lá de festinhas ao ego, o pessoal receba uma parte mais justa na distribuição da riqueza que ajuda a gerar. Na loucura, pode ser que um tal dia traga também novos Conselhos de Administração que, ao lucrar com a região, corrijam o erro de entendimento – para o qual já Ernst Schumacher alertava – que têm relativamente ao seu capital natural, assumindo-o finalmente como tal e deixando de o presumir como receita própria. Não se podendo afirmar, com exactidão, em que ponto da Curva de Hubbert (que representa a extracção acumulada de um recurso não renovável ao longo do tempo) nos encontramos relativamente aos recursos do Algarve, será bom que tenhamos atenção à evolução desse trajecto. Porque o actual modelo de turismo, com a sua pornográfica promiscuidade com a construção civil e a especulação imobiliária, é autofágico e não reconhece ou respeita quaisquer limites ou capacidade de carga – há sempre mais um hotel para construir, uma zona para artificializar para o postal, um troço de costa selvagem para “domesticar” prostituindo. Persegue objectivos de crescimento contínuo e desmesurado, deixando atrás de si pouco mais que terra queimada, através de desordenamento e assimetrias territoriais, maior vulnerabilidade e exposição aos fenómenos extremos potenciados pelo quadro de alterações climáticas e exaustão dos recursos, por consumo directo ou desequilíbrio e descaracterização da sua matriz – factores aparentemente ignorados, por exemplo, num exercício de diagnóstico do Metabolismo Regional do Algarve que foi apresentado. Se lhe juntarmos questões como a pegada ecológica do transporte dos turistas (maioritariamente por via aérea) ou dos consumos de energia e recursos hídricos, entre muitos outros, corremos mesmo o risco de concluir que o Turismo é uma "indústria" linear por definição e impossível de arredondar, por defeito crónico de design. Por isso mesmo, a menos que quebre o seu paradigma de crescimento até ao infinito e mais além, o melhor a que o sector pode aspirar em termos de arredondamento económico será a optimização dos tais comportamentos individuais. O que não é Economia Circular. E mesmo nesse campo terá que ter cuidado para não cair em exercícios de greenwashing ou de compensações pouco éticas - mas contabilisticamente eficazes, é certo - de pegada ecológica, seja através do mercado das emissões de carbono ou de acções de mitigação falaciosas. Porque o tempo é crítico para tal, atentemos nos direitos das palavras. Principalmente, o direito a serem usadas com propriedade e rigor. Para evitar enganos, para evitar banalizações que esvaziam de conteúdo e significado. Já aconteceu com o sustentável, já aconteceu com outras boas ideias. Para já, a aplicação do conceito de economia circular ao modelo territorial do Algarve parece ainda distante. Como até aqui, e apesar do clima de mudança, o desprezo por um adequado ordenamento do território mantém-se constante. Apenas quando se incorporar a necessidade de conciliar usos com aptidões no desenho espacial da organização das nossas actividades poderemos aspirar a minimizar consumos supérfluos/desnecessários e desperdício à escala territorial. Mas também isto são ideias velhas. Gomes Guerreiro expõe-nas magistralmente no seu livro de 1981, “Ecologia dos recursos da terra”. Nesse espírito, se o Algarve quer realmente tornar circular a sua economia, tem que romper o círculo vicioso da monocultura do Turismo e abraçar velhas ideias com ideias novas.
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