Por Sara Luz
Quando o tema da equidade de género está em cima da mesa há quem insista no argumento que não existe misoginia em Portugal, mas o certo é que os factos o desmentem de forma inequívoca. Segundo o mais recente relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), as mulheres ganham em média menos 22,1% do que os homens apesar de mais escolarizadas, apresentam condições contratuais mais precárias e têm maior probabilidade de ficarem no desemprego. Os cargos de direção e políticos são maioritariamente ocupados por homens e é, igualmente, curioso que nas áreas onde a força de trabalho é na sua maioria constituída por mulheres, como no caso da saúde, que os cargos de liderança sejam também eles predominantemente ocupados por homens. Realçar, ainda, que as mulheres são quem mais sofre com assédio laboral e sexual, e com violência doméstica que, fatidicamente, continua a vitimizar um sem número de mulheres em Portugal – entre 2004 e 2018 registaram-se mais de 500 femicídios e este primeiro trimestre de 2019 que, embora ainda não tenha terminado, já conta com 12 vítimas mortais. Compreende-se, portanto, que os factos tornam a crença – de que a misoginia não existe em Portugal – frágil e inconsistente. O problema é que por detrás da mesma existe uma falácia lógica que continua a ter impacto na liberdade das mulheres, expressa na desigualdade de oportunidades e participação na vida económica, científica e política. Ou seja, há uma significativa franja da sociedade portuguesa que considera que os comportamentos misóginos fazem parte do passado e crer o contrário não é mais do que uma elaboração irrealista ou proveniente de um discurso feminista que tem como fim a luta dos direitos das mulheres por via da misandria; ao fim ao cabo, em Portugal o acesso à educação é igualitário entre géneros, os casos de mutilação genital feminina e violência física e sexual feminina estão ambos previstos no código penal e as mulheres podem conduzir, votar, casar, utilizar contraceção e recorrer aos serviços de saúde com base em escolhas livres…Ora, assim, “como pensar de forma diferente?”. Pois é precisamente esta narrativa social que asfixia, silencia, desvaloriza e normaliza uma realidade que, infelizmente, teima a persistir em Portugal. A opressão patriarcal mantém-se e constitui, a meu ver, um manifesto obstáculo às medidas que visem promover a igualdade e equidade de género. Veja-se, por exemplo, o caso da mais controversa das medidas: a nova Lei da Paridade e Representação Equilibrada. Há quem parta do pressuposto que a Lei da Paridade não faz sentido porque as desigualdades não existem, sugerindo que a falta de representatividade feminina nos cargos políticos se deve ao desinteresse pela política, ou a haver são residuais e mutáveis ao longo do tempo (“mão invisível na cultura”). Há também outros que se referem ao facto da mesma não garantir que a escolha seja baseada no mérito ou, ainda, que atenta às desigualdades que, sim, devem persistir (referindo-me em concreto, neste último caso, a uma opinião publicada recentemente n’Observador) (pode ler-se aqui). E quanto a isto cabe-me dizer que se não fossem 209 os anos necessários para a mulher deixar de ser encarada como a principal cuidadora familiar, segundo o relatório da OIT; a inexistência ou o escasso número de medidas que visam a conciliação da vida profissional, pessoal e familiar, sobretudo, para as mulheres condicionadas pela maternidade; ou as escolhas poderem, e deverem sim, privilegiar o princípio da meritocracia; (e, quanto ao argumento da defesa da misoginia publicado n’Observador, opto realmente por me abster!); até eu me sujeitava a acreditar nisso. Termino parafraseando Simone de Beauvoir, em “O segundo sexo”, as mulheres, herdeiras de um passado pesado, devem, em conjunto com os homens, almejar e forçar um novo futuro; futuro esse em que as mulheres estão devidamente representadas nas áreas da ciência, política e economia, em conciliação com a vida pessoal e familiar e sem que isso acarrete a supremacia de qualquer um dos géneros. Esta é a convicção do que acredito ser vital em matéria de género para a coesão social e para o progresso do país.
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